sexta-feira, 5 de setembro de 2025

[Aparecido rasga o verbo] Ela seria uma espécie desconhecida de sólido geométrico?

Aparecido Raimundo de Souza

HOJE VAMOS FALAR DELA. Dela quem? Da... Bunda. Sim, ela mesma. A bunda.  Obviamente trataremos aqui de uma bunda redonda, empinada, tímida e atrevida, ou seja, a protagonista silenciosa de tantos olhares e julgamentos. A bunda, como um rosto perfeito, numa mulher maravilhosa, bem sabemos, virou vitrine, se fez palco para cena romântica, formou argumento. E, como todo objeto de desejo, se transformou também em alvo de crítica. Nas ruas, nas redes, nas revistas, ela aparece. Às vezes como símbolo de liberdade, outras como produto de mercado. A mulher mostra — porque quer, porque pode, porque aprendeu que mostrar é poder. Mas também porque concluiu que esconder é perder. E nesse jogo de mostrar e esconder, esconder e mostrar, a bunda virou bandeira. Só que nem toda bandeira é respeitada.

Há quem diga que a bunda é vulgar. Que é demais. Que é desnecessária. Mas quem define o “demais”?  Quem mede o limite entre expressão e exposição? A bunda, coitada, não tem culpa. Ela apenas existe. O que fazemos com ela — isso sim — diz muito sobre nós. Berramos, inclusive, até mais do que realmente gostaríamos de deixar realmente caracterizado num simples amontoado de palavras. Contudo, todavia, porém, em vão. A crônica que agora escrevo aos meus ilustres amigos e leitores da “Grande Família Cão que Fuma”, sobre esse desconhecido naco voluptuoso da mulher, a bunda, é também a crônica envolvente do olhar. Porque não é só sobre quem mostra, mas sobre quem vê. E sobre como vê. O olhar que julga, que consome, que reduz. O olhar que transforma o corpo da dona da bunda que ele está olhando em vitrine e mulher em produto. Tudo ao mesmo tempo. E aí, talvez, o vulgar não esteja na bunda — mas no “espiar” intransigente que não sabe ver além dela.

No fim das contas, o cu —, perdão —, a bunda, é só mais uma parte do corpo. Claro está que se fez símbolo, discurso, fomentou estado de guerra. E o pior de tudo, virou e virualizou sacanagem. E como todo símbolo, merece ser pensado. Não para ser escondido, nem exaltado sem reflexão. Mas para ser compreendido. Porque entre o que as pessoas chamam de “empoderamento” e a “objetificação,” há um abismo enorme — maior, diga-se de passagem, que o rabo-traseiro  onde se esconde a bunda da justiça, aquela vagaba sentada com seu fiofó sujo em frente ao STF. (Sentadinha Tentando Fofocar ou Fo...). Como essa bunda da mascarada com a espada no colo, em frente ao STF, muitas outras bundas se sentem fragilizadas, vencidas, cansadas, enfim, mesmo que alguém lhe aplique uma mancha de batom, no final, com o tempo, todas elas caem, despencam, desabam, desmoronam, degringolam, às vezes até sem saber.

A bunda, não é de hoje, virou celebridade. Não tem CPF, nem carteira de identidade, ou título de eleitor, mas tem mais seguidores que muitos políticos “onestos”. Anda por aí essa parte deliciosa de toda mulher à solta. Pode ser vista e estampada em “outdoors”, desfilando em “reels,” sambando em “stories.” É sobretudo a rainha do “feed,” a musa angelical do algoritmo, o manjar de cada noite em nossa cama, o “scroll” infinito. Antigamente, ela era discreta. Ficava ali, presa no náilon da calcinha minúscula e quietinha, entre o cóccix e o juízo. Grosso modo, entre a entrada do paraíso e a saída das fezes. Em tempos idos, quando queria ir ao banheiro, gritava, desesperada, “saiam da frente, ninguém me segura que eu vou cagar”. Hoje insinuam, delicadas, um sorrisinho que nos faz ver sol em plena meia noite: “vou à toalete”.

Em dias atuais, reparem também, ela tem carreira solo. Vai à praia, à academia, ao mercado — sempre em alta definição. E se não estiver empinada, tonificada e estrategicamente iluminada, corre o risco de ser cancelada. A mulher seja ela de que idade for, precisa mostrar a bunda. Preta, branca, feia, amada, mal-amada, gostosa, desgostosa, infeliz... não importa. Mostra. E o faz porque quer, porque pode, porque o “cropped” não cobre. E aí começa o dilema: mostrar é querer aparecer ou vulgarizar?  A resposta depende de quem está olhando — e, principalmente, de quem está, entre aspas, comentando. Porque tem gente que acha que a bunda é patrimônio público. Opina, analisa, julga. Parece até que fez doutorado em glúteo com ênfase em recalque. Sejamos justos: a bunda é o charme. É também a tentação democrática. Aparece em todas as classes sociais, gêneros, tamanhos e texturas.

Tem bunda que milita, bunda que medita, bunda que só quer um short confortável. E tem também aquela bunda discreta que não quer ser símbolo de nada — só quer existir sem virar manchete. No fim das contas, caros leitores e amigos, talvez o problema não seja a bunda que aparece, mas o nosso cérebro que “desaparece” quando ela entra em cena. Demais a mais, no fundo, pensem, raciocinem, enquanto discutimos se mostrar a bunda é demais, esquecemos que o corpo é da mulher — e o julgamento, infelizmente, ainda é coletivo. Afinal, não somos em resposta ao título dado por mim a esse texto, não somos um simples paralelepípedo, nem temos parentescos, ainda que distanciados, com cubos, esferas ou cones. Então, meus caros, para terminar, da próxima vez que vocês derem de cara com uma bunda por aí, respirem fundo. Lembre-se: ela, a bunda, não está ali para te provocar. Ela só está indo comprar pão na padaria do bairro.

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, 5-9-2025

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Um comentário:

  1. Muito bom o texto.Este assunto abordado será sempŕe bem vindo, comentado, apreciado e acima de tudo respeitado.ótimo artigo

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