Aparecido Raimundo de Souza
Há quem diga que a
bunda é vulgar. Que é demais. Que é desnecessária. Mas quem define o
“demais”? Quem mede o limite entre
expressão e exposição? A bunda, coitada, não tem culpa. Ela apenas existe. O
que fazemos com ela — isso sim — diz muito sobre nós. Berramos, inclusive, até
mais do que realmente gostaríamos de deixar realmente caracterizado num simples
amontoado de palavras. Contudo, todavia, porém, em vão. A crônica que agora
escrevo aos meus ilustres amigos e leitores da “Grande Família Cão que Fuma”,
sobre esse desconhecido naco voluptuoso da mulher, a bunda, é também a crônica
envolvente do olhar. Porque não é só sobre quem mostra, mas sobre quem vê. E
sobre como vê. O olhar que julga, que consome, que reduz. O olhar que
transforma o corpo da dona da bunda que ele está olhando em vitrine e mulher em
produto. Tudo ao mesmo tempo. E aí, talvez, o vulgar não esteja na bunda — mas
no “espiar” intransigente que não sabe ver além dela.
No fim das contas, o cu —, perdão —, a bunda, é só mais uma parte do corpo. Claro está que se fez símbolo, discurso, fomentou estado de guerra. E o pior de tudo, virou e virualizou sacanagem. E como todo símbolo, merece ser pensado. Não para ser escondido, nem exaltado sem reflexão. Mas para ser compreendido. Porque entre o que as pessoas chamam de “empoderamento” e a “objetificação,” há um abismo enorme — maior, diga-se de passagem, que o rabo-traseiro onde se esconde a bunda da justiça, aquela vagaba sentada com seu fiofó sujo em frente ao STF. (Sentadinha Tentando Fofocar ou Fo...). Como essa bunda da mascarada com a espada no colo, em frente ao STF, muitas outras bundas se sentem fragilizadas, vencidas, cansadas, enfim, mesmo que alguém lhe aplique uma mancha de batom, no final, com o tempo, todas elas caem, despencam, desabam, desmoronam, degringolam, às vezes até sem saber.
A bunda, não é de
hoje, virou celebridade. Não tem CPF, nem carteira de identidade, ou título de
eleitor, mas tem mais seguidores que muitos políticos “onestos”. Anda por aí
essa parte deliciosa de toda mulher à solta. Pode ser vista e estampada em
“outdoors”, desfilando em “reels,” sambando em “stories.” É sobretudo a rainha
do “feed,” a musa angelical do algoritmo, o manjar de cada noite em nossa cama,
o “scroll” infinito. Antigamente, ela era discreta. Ficava ali, presa no náilon
da calcinha minúscula e quietinha, entre o cóccix e o juízo. Grosso modo, entre
a entrada do paraíso e a saída das fezes. Em tempos idos, quando queria ir ao
banheiro, gritava, desesperada, “saiam da frente, ninguém me segura que eu vou
cagar”. Hoje insinuam, delicadas, um sorrisinho que nos faz ver sol em plena
meia noite: “vou à toalete”.
Em dias atuais,
reparem também, ela tem carreira solo. Vai à praia, à academia, ao mercado —
sempre em alta definição. E se não estiver empinada, tonificada e
estrategicamente iluminada, corre o risco de ser cancelada. A mulher seja ela
de que idade for, precisa mostrar a bunda. Preta, branca, feia, amada,
mal-amada, gostosa, desgostosa, infeliz... não importa. Mostra. E o faz porque
quer, porque pode, porque o “cropped” não cobre. E aí começa o dilema: mostrar
é querer aparecer ou vulgarizar? A
resposta depende de quem está olhando — e, principalmente, de quem está, entre
aspas, comentando. Porque tem gente que acha que a bunda é patrimônio público.
Opina, analisa, julga. Parece até que fez doutorado em glúteo com ênfase em
recalque. Sejamos justos: a bunda é o charme. É também a tentação democrática.
Aparece em todas as classes sociais, gêneros, tamanhos e texturas.
Tem bunda que milita,
bunda que medita, bunda que só quer um short confortável. E tem também aquela
bunda discreta que não quer ser símbolo de nada — só quer existir sem virar
manchete. No fim das contas, caros leitores e amigos, talvez o problema não seja
a bunda que aparece, mas o nosso cérebro que “desaparece” quando ela entra em
cena. Demais a mais, no fundo, pensem, raciocinem, enquanto discutimos se
mostrar a bunda é demais, esquecemos que o corpo é da mulher — e o julgamento,
infelizmente, ainda é coletivo. Afinal, não somos em resposta ao título dado
por mim a esse texto, não somos um simples paralelepípedo, nem temos
parentescos, ainda que distanciados, com cubos, esferas ou cones. Então, meus
caros, para terminar, da próxima vez que vocês derem de cara com uma bunda por
aí, respirem fundo. Lembre-se: ela, a bunda, não está ali para te provocar. Ela
só está indo comprar pão na padaria do bairro.
Título e Texto:
Aparecido Raimundo de Souza, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro,
5-9-2025
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Muito bom o texto.Este assunto abordado será sempŕe bem vindo, comentado, apreciado e acima de tudo respeitado.ótimo artigo
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