segunda-feira, 1 de setembro de 2025

Brasil: Anarcotirania

Paulo H. Santos

O Brasil vive hoje uma experiência histórica execrável. A materialização perfeita de um paradoxo grotesco: a união entre a tirania mais mesquinha e a anarquia mais selvagem. À primeira vista, parece impossível conciliar duas realidades tão contraditórias: de um lado, a mais minuciosa e sufocante tirania jurídica, construída com pilhas de leis, decretos, portarias e pareceres que regulam cada detalhe da vida do cidadão comum; do outro, a completa anarquia civil, onde criminosos, milicianos, facções e ideólogos do caos social gozam de plena liberdade para agir, como se estivessem em um território livre, feito para eles, fora do alcance da lei. Essa fusão aberrante pode ser chamada de Anarcotirania: um regime em que a legalidade serve apenas para subjugar os inocentes, enquanto a ilegalidade corre solta para proteger os culpados. 

O cidadão comum é esmagado por um Estado que o trata como suspeito permanente. Não se trata de incompetência, mas de um sistema meticulosamente arquitetado. A tirania jurídica não existe para proteger ninguém (além dos próprios agentes de regulação de poder), mas para manter a população refém do medo. O sujeito que perde um prazo na Receita é tratado como inimigo da pátria; o empresário que tenta sobreviver à carga tributária é chamado de explorador; o cidadão que ousa opinar contra a patrulha ideológica é processado, cancelado e enforcado em praça pública. Já o criminoso que estupra, o ladrão que assalta e o traficante que domina bairros inteiros são tratados como vítimas do “sistema opressor” e agraciados com progressão de pena, auxílio jurídico e o abraço carinhoso da intelligentsia universitária. 

Essa inversão não é um acidente, mas o próprio mecanismo de manutenção do poder. A tirania jurídica, travestida de zelo democrático, garante que qualquer contestação à ordem estabelecida seja facilmente enquadrada, criminalizada e silenciada. O cidadão honesto (e ouso dizer que o desonesto também) vive em estado de sítio permanente. Ele tem medo da polícia, medo do juiz, medo do fiscal, medo do vizinho que pode denunciá-lo por “crime de opinião”, medo da quadrilha que domina a esquina, medo de ser assaltado no sinal. O medo é o motor dessa máquina. A lei o esmaga por cima, o crime o sufoca por baixo, e no meio dessa compressão, o cidadão aprende a abaixar a cabeça, a aceitar a própria impotência como parte inerente à cidadania. 

O mais perverso é que essa dualidade não se neutraliza, mas se reforça. A tirania precisa da anarquia, porque o caos legitima o endurecimento das medidas de controle contra quem não tem culpa. E a anarquia precisa da tirania, porque o Estado, enfraquecido moralmente pela hipocrisia, não ousa enfrentar o verdadeiro mal que corrói o tecido social. Quanto mais a burocracia aperta, mais o povo se torna frágil, incapaz de reagir, e assim o crime se expande ainda mais. A Anarcotirania não nasce da falha do Estado, mas de sua vocação maquiavélica: governar pelo medo, pela confusão e pela inversão moral. 

Não se trata, portanto, de mera incompetência governamental, mas de um projeto, ainda que disfarçado. O Brasil, nesse modelo, se torna um laboratório onde a destruição da ordem moral e cultural caminha de mãos dadas com a hipertrofia estatal. O resultado é um povo cada vez mais incapaz de se defender, de se organizar, de reagir, condicionado a aceitar a própria impotência como destino natural. Um país onde a lei só existe para estrangular os inocentes e onde a liberdade é monopólio dos criminosos. Chamam isso de democracia; na prática, é a rendição completa da ordem à lógica do caos. 

A saída, se houver, não está em mais leis, nem em mais programas governamentais, mas na reconstrução de uma consciência moral e política capaz de enxergar o truque dessa engrenagem. Enquanto aceitarmos que a legalidade sirva apenas para algemar inocentes e que a liberdade seja privilégio de criminosos e ideólogos, permaneceremos reféns desse horror que corrói o país por dentro, como um câncer invisível e difuso. 

A verdadeira revolta, portanto, não é contra a lei em si, mas contra a perversão da lei. Ou resolvemos isso em escala gradativa, ou continuaremos marchando alegremente rumo à aniquilação moral e social, conduzidos pela mais refinada das tiranias: aquela que se esconde atrás do discurso da liberdade e da democracia.

Título, Imagem e Texto: Paulo H. Santos, ContraCultura, 1-9-2025

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