Aparecido Raimundo de Souza
Em seguida papeis
tipos cartazes surgiram colados com frases nos vidros dos carros, nas portas,
dentro dos elevadores e até nos corredores. Insinuações maldosas do tipo
“nossa, gata você não quer vir miar na minha cama?”; “Amigo, você tem cara de
mané mas acho que a sua pessoa é um tremendo de um fio terra.”; “Oi mocinha do
504, deixa eu ser seu pai?”; “Você,
cinquentona, do 202, tem ares de safadinha. Vamos marcar um programa?;”.
Por conta dessas
incomodações, todos os radicados começaram a desconfiar do Júlio. Pelo fato
dele ser novato na vizinhança e pior, por não haverem olhos eletrônicos
instalados por toda a extensão do prédio de dez andares, com quatro unidades
por pavimento, se tornava difícil flagrar o engraçadinho com as mãos na massa.
A turma, em comunhão, apostava que o autor dessas sacanagens, sem dúvida
alguma, o Júlio, mas, em face de não ter como flagrá-lo em ação, ficava o
bafafá somente na fase das especulações.
E as chacotas não
paravam. “Nosso síndico do 301 é uma bichona enrustida”; “dona Margarida do 403
trai o maridão com o seu Valdir do 602”; “O Zé Bétio, porteiro da noite, está
pegando a dona Maria do Socorro, a empregada manca e perneta do 304”; “Juliana,
a doce e fogosa adolescente do 202 está levando altos papos com o Homero do
901;”. Esses motejos, a bem da verdade, tiravam a paz e a tranquilidade de
todos.
Os condôminos marcaram várias reuniões. Nelas, todos os domiciliados se viam convocados. Nenhum faltava. O comparecimento em massa, se fazia perfeito, mas apesar dessas ações frágeis e sem fins enérgicos, o desgraçado autor dos remoques infames seguia incansável. Cada dia novos cartazes alçavam voos pelas paredes, corredores e portas. Nem as caixinhas das correspondências, nas barbas do porteiro, tanto da noite, quanto do dia, se salvaram.
No mesmo grau de
sadismo, cadeados a dar com o pau apareciam do nada, travando portas internas,
as rodas das bicicletas e motos, o que acarretava um inferno entre os
albergados que precisavam mandar buscar chaveiros às pressas, para que viessem
urgente, o que atrasava, sobremaneira, quem carecia de seguir para o
trabalho.
A brincadeira durava
quase seis meses, e nesse tempo, os residentes com um só objetivo e pensar se
juntaram com a finalidade de caçar o “desaforado”, inclusive o próprio Júlio,
apontado como pivô principal. Em sua porta alguém urinara, o tempo corria, as
paciências seguiam cansadas e morriam desanimadas nas entrelinhas das coxias,
com o maldito gatuno agindo em terreno fértil.
Seguia o desditoso
confiante e cada vez mais se mostrava audacioso. Obviamente, até o próprio
Júlio, ancorado na esteira de inquilino maldoso, passou a figurar como vítima
dessas barbáries. O “infeliz desconhecido” chegou ao cúmulo de enlamear a sua
porta com fezes. Não só a entrada dele, também foi usado o mesmo procedimento
com os proprietários das unidades de 1001 a 1004.
Nas portas dos
apartamentos, sobre os capachos e tapetes, absolventes usados e com sangue,
papeis sanitários e melecados, jaziam entremeados a chumaços de cabelos. Essa
balbúrdia virara rotina. Nos vasos de plantas foram recolhidas fezes
espalhadas, seguidas de mijadas e bilhetes com dizeres de baixo calão. A
opinião, nessa altura se dividiu.
Uns achavam que era e
Júlio do 601 o grande vilão das estripulias e das traquinagens sem graça.
Outros, todavia, ponderavam e pôr conta de também o infeliz sofrer junto com os
demais as mesmas consequências das sacanagens, não havia quem em sã consciência
batesse o martelo, apontando o dedo e o julgando culpado. Várias fotos de seu
celular foram juntadas a de outros aparelhos e entregues ao sindico, que
produziu um belo dossiê que se fez afixado na sala de reuniões, o que não
permitia, pelo menos de pronto, e sem provas robustas e cabais ingressar com
uma ação propícia e certeira, direcionada para “a” ou “b”, sem deixar dúvidas
ou pontas soltas.
No caso específico do
Júlio, do 601, não saltava aos olhos um caminho legal para afirmar
categoricamente e com segurança afiançável ser ele, o novato morador, grosso
modo, o pilantra endiabrado, sem vergonha e descarado que gozava, incógnito das
fisionomias enfurecidas e encolerizadas de todo mundo. Em razão disso, o
despudorado sem juízo e noção, seguia impune, belo e formoso, sem o merecido
castigo.
Uma bela noite, por
volta das vinte e três horas, o morador do 1003, um policial com nervos de aço,
e pinta de poucos amigos, chegou da rua inesperadamente. Ao sair do elevador,
deu com um sujeito alto e magro, todo encapuzado da cabeça aos pés trajando roupas
pretas. Sacando seu revolver, gritou para o intruso que parasse, se deitasse no
chão e colocasse as mãos na cabeça.
Outros habitadores, ao
ouvirem os gritos, resolveram ver quem provocava todo aquele fuzuê em hora tão
imprópria. Alguém interfonou para a portaria, outros acordaram o síndico,
enfim, em questão de segundos, o pavimento do décimo andar ficara lotado com um
bom número de criaturas praticamente vindas dos andares inferiores. No chão,
imóvel, o infeliz completamente rendido.
Descartaram o Júlio, quando o viram chegar ofegante, vindo pelas
escadas. Um dos presentes gritou, eufórico:
— Vamos acabar logo
com isso e ver quem é o filho de uma rapariga que está botando todo nosso
prédio em estado desesperador. Alguém aqui arranque a máscara desse desgraçado
e vamos levar o amaldiçoado para entregá-lo à delegacia local.
O policial do 1003
teve uma ideia.
— Escolham entre vocês
que aqui se dignaram a deixar suas quitinetes e partam para cima. Eu o algemei.
Arranquem a máscara desse infeliz. Depois que descobrirmos a sua identidade,
vamos fazer uns carinhos legais nele até que o metido a espertalhão implore por
clemência...
O mascarado seguia no
chão, estirado, indefeso, as mãos estendidas... implorava aos berros, que o
deixassem ir embora.
— De forma alguma, seu
malandro – rosnou o síndico. Antes você vai pagar por todas as proezas e
safadezas que fez em nosso prédio. E de roldão vai esclarecer cantando e
apontando o seu parceiro, ou alguém daqui que o ajudou todo esse tempo a ter
acesso ao nosso local de sossego e descanso.
O sindico se
aproximou, junto com mais uns cinco do grupo. O policial reformulou a ordem.
— Amigos, deixem o
medo de lado. Esse aí não tem como escafeder. A máscara, a máscara... vamos ver
quem é essa figura que por detrás dela, se esconde...
O sindico, meio
desajeitado, estendeu as mãos trêmulas e mais rápido que o acender de uma
lâmpada, despregou a venda que protegia a identidade do fanfarrão. Nesse
momento, sem exceção, a galera, às suas costas, e os demais curiosos que
ocupavam maciçamente o décimo andar, debandaram aos safanões, empurrões e
berros estridentes escadas abaixo.
A remoção da máscara,
curiosamente, não trouxe à claridade de rosto algum. Por debaixo desse
invólucro, como também do restante do macacão que deveria resguardar o corpo do
famigerado, se desvendou totalmente vazio e oco, misteriosamente sem ninguém
dentro.
Título e Texto:
Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha no Espírito Santo, 26-9-2025
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