Aparecido Raimundo de Souza
Criada em 1830, ela
retrata a revolução francesa de julho, com a figura alegórica da Liberdade
liderando o povo sobre os escombros da batalha, empunhando a bandeira tricolor.
É uma imagem poderosa, que transcende o tempo e o espaço, evocando ideais universais
de emancipação, coragem e justiça.
Aqui no nosso querido
e afundado Brasil, por acaso teríamos alguma coisa concreta, tipo um quadro
igual a esse magnânimo de Eugène Delacroix, ou um livro, ou ainda uma música,
enfim, um fato qualquer que fosse considerado marcante e que de alguma forma pudesse
nos servir de guia ou de consolo para deixarmos como lembranças para nossos
filhos e netos?
Essa é uma pergunta
profunda e talvez provocadora. O Brasil, com sua história marcada por lutas
sociais, ditaduras, redemocratizações e desigualdades persistentes, não tem uma
única imagem que sintetize esse espírito de guia nacional como “La Liberté.”
Obviamente existem
obras, não podemos negar, que em diferentes momentos, tentaram capturar o
sentimento do povo brasileiro e não só isso, chegaram a dialogar com o espírito
inquieto e meio que amaldiçoado dessa plebe afundada até o pescoço às margens
de um estado falido, manietado, onde a maioria da sua gente vive diariamente às
misérias e as atrocidades de um colapso colérico e violento, despropositado e
encarniçado. Vejamos alguns:
"Operários" de Tarsila do Amaral (1933). Uma pintura que mostra rostos diversos, negros, brancos, indígenas, homens e mulheres lado a lado, representando a classe trabalhadora. É um retrato da força coletiva, da diversidade e da construção do país. Não é uma figura que guia, mas sim um espelho do povo.
"Abaporu"
também de Tarsila do Amaral (1928). Embora mais simbólica e surreal, essa obra
deu origem ao movimento antropofágico, que propunha devorar a cultura europeia
e criar algo genuinamente brasileiro. É uma espécie de linha-linguagem tipo um
manifesto visual da independência cultural.
"O Lavrador de
Café" de Candido Portinari (1939). Um homem forte, de expressão séria,
segurando uma enxada. Representa o trabalhador rural, a base da economia
brasileira por décadas. É quase uma figura mítica, não guia, mas sustenta.
"Guerra e
Paz" de Portinari (1952–1956). Um mural monumental oferecido à ONU, que
mostra o sofrimento da guerra e a esperança da paz. Aqui sim há uma tentativa
de guiar: não só o Brasil, mas o mundo, para um futuro mais justo.
Por falar em futuro,
alguém sabe onde ele está? Talvez o Brasil ainda sonhe em busca de sua
Liberdade guiando o povo. Quem sabe essa figura não seja uma mulher com a
bandeira, mas uma criança com um livro, uma indígena com sementes, ou uma mãe
com um cartaz de protesto. Entretanto, senhoras e senhores, acredito que o
nosso quadro ainda esteja sendo pintado, quem sabe nas ruas, nas escolas, ou
nas malhas escabrosas das redes sociais.
Se as senhoras e os
senhores fossem pintar um quadro em dias de hoje, quem estaria guiando ou
direcionando o povo brasileiro? Uma liderança política? Um movimento social? Um
símbolo cultural?
Se as senhoras ou os
senhores, insisto na pergunta fossem pintar um quadro, hoje, agora, nesse
momento difícil e desesperançado que o país atravessa, por Deus, me respondem,
sinceramente: quem estaria guiando o povo brasileiro? A estátua da justiça
inexistente sentada como uma múmia paralítica em frente ao pardieiro do STF?
Essa imagem que acabo
de trazer à baila, a estátua da justiça inexistente diante do STF, a meu ver e
a de muitos brasileiros não vai além de uma coisa provocadora, simbólica e
cheia de pequenos furos. Ela sugere não apenas uma peneira, grosso modo, a ausência
de justiça, e também uma crítica direta à instituição que deveria ser seu
guardião máximo. É como se ela latisse, perdão, se ela gritasse: “Aqui deveria
haver justiça, mas ela não está presente”. E isso, por si só, já seria um
quadro esculhambado, mas de certa forma, poderoso.
Ainda nessa linha
tênue e imaginária: se o Brasil fosse pintado hoje, quem guiaria o povo? A
resposta depende de qual Brasil estamos falando. O Brasil da esperança ou o
Brasil da indignação? Abaixo seguem algumas possibilidades visuais, cada uma
com a sua respectiva carga simbólica:
A Justiça ausente
diante do STF.
Figura central: Um
pedestal vazio, onde deveria estar a estátua da justiça.
Fundo: O prédio do
Supremo Tribunal Federal, imponente, mas silencioso.
Multidão: O povo
olhando, esperando como um bando de cavalos num pasto, alguns ajoelhados,
outros de costas, outros com cartazes.
Mensagem: A ausência
de justiça como guia. Um país órfão e desmamado de seu próprio sistema
jurídico.
A Criança com um
Livro.
Figura central: Uma
criança negra, branca ou indígena segurando um livro aberto, caminhando à
frente.
Fundo: Ruínas de
escolas públicas, muros pichados com frases como “Educação é liberdade”. Onde?!
Multidão: Professores,
pais, estudantes seguindo a criança.
Mensagem: A educação
como guia. Um Brasil que aposta no saber para se libertar.
A Mãe favelada com a
panela vazia nas mãos.
Figura central: Uma
pobre coitada com expressão firme, segurando uma panela vazia e um garfo torto,
como se fosse um escudo.
Fundo: Um supermercado
com preços exorbitantes, um posto de saúde fechado, policiais sentando o cacete
sem dó nem piedade num trabalhador com a carteira de trabalho numa das mãos.
Multidão: Famílias
atrás dela, algumas com crianças depauperadas no colo, outras com gatos,
cachorros, sapos e gaiolas com papagaios e periquitos cantando o hino nacional.
Mensagem: A fome e a
luta cotidiana como força motriz. Um povo escudado pela necessidade de
sobrevivência. “Queremos comida, fora a picanha que nunca vimos em nossas
mesas.”
O Movimento sem
definição.
Figura central: Uma
massa de pessoas sem rostos, segurando bandeiras de diferentes causas:
indígenas, LGBTQIA+, feministas, antirracistas, defensores de direitos “umanos”
latindo por leis mais brandas e justas. Um maluco cantando aquela música do
Renato Russo “Que país é esse?!
Fundo: Um Congresso,
uma câmara de deputados, um senado em chamas ou em uma reconstrução inexistente
da Praça dos Três Fuderes (perdão, PODERES)?
Mensagem: O povo como
guia de si mesmo. Sem líderes, sem ícones, apenas vozes. De repente, o Pabllo
Vittar, com o retrato da Dilma (aquele que roubou Sete) a Anitta rebolando
“Debaixo dos caracóis dos seus cabelos”, e o Lulu Santos de braços dados com a Kamilla
Carvalho?
Essa ausência de um
guia claro, talvez seja o próprio retrato do Brasil atual. Um país “boca
aberta” (entendam boca aberta como uma nação de babacas, de idiotas, sem futuro
e sem talvez) em busca de quem o represente, de quem o inspire, de quem o
proteja. Talvez, também, o quadro mais honesto seja aquele onde ninguém guia,
ou onde todos tentam guiar ao mesmo tempo. Pensem num trânsito caótico na ida
para o trabalho, ou na volta para casa.
Entre tapas e beijos, qual a ideia por trás da estátua da justiça? No meu entender a nossa justiça não existe. Aliás, nunca existiu. A nossa justiça é uma justiça falha, cega, capenga, horrível, sinistra, macabra, bandida, intrigante e se vende por dinheiro. Se curva, se dobra, se verga, se entrega e se anima por trinta moedas. E seus representantes, os tais togados, são criaturas sem alma, sem pudor, sem graça. Se acham deuses de um Olimpo Sujo e Fedendo a merda.
São pessoas infames,
sem Deus. Por conta disso tudo, vamos, a cada dia em direção ao pior, ou dito
de forma mais clara e objetiva: caminhamos para o caos total. Resumindo, vamos
todos morrer soterrados por um “Estado Demoniacrático de Direito” que não vale
uma lagrima, não vale vidas à espera da morte na Papuda. Todos nós, brasileiros
que ainda temos pudor, vergonha honra, sanidade, nos tornamos prisioneiros
acorrentados de um país fracassado, de um país enterrado na lama mais suja
existente.
A ideia por trás da
estátua da justiça
A estátua da justiça,
representada tradicionalmente como uma “baranga” com os olhos vendados,
segurando uma balança e uma espada, carrega símbolos universais:
Barzinho ou Birosca,
perdão, a Venda nos olhos: A venda representa a imparcialidade. A justiça não
deve ver quem está diante dela, ricos ou pobres, poderosos ou vulneráveis.
Deve, ou deveria julgar apenas os fatos.
Balança: Simboliza o
equilíbrio entre os argumentos, a ponderação das provas e a busca pela verdade.
Espada: Representa a
força da lei, a capacidade de punir, de proteger, de agir com firmeza.
Essa figura
carnavalesca dos tempos de Joãozinho Trinta, para todos aqueles cidadãos
brasileiros que não sabem, foi inspirada na deusa romana “Justitia,” e deveria
ser um ideal, não uma realidade sem garantia. O problema é que, quando esse
símbolo se torna apenas decorativo, ele vira ironia.
E a justiça no Brasil?
Se fosse feita uma
enquete, por uma dessas “onestas”, famosas e briosas empresas de opiniões
públicas, o que as senhoras e os senhores
expressariam, digamos assim, com palavras duras, mas sinceras?
Certamente, obviamente, sem tirar, nem “destirar”, uma sensação de desamparo
institucional. Quando o povo sente que a justiça não é cega, mas míope e
seletiva, ou que a balança está desequilibrada pelo poder econômico, que a
espada só atinge os fracos... então a estátua da justiça vira (como virou) um
monumento à hipocrisia.
Uns e outros (os gatos
pingados) falariam dos ministros “sem alma, sem pudor, sem graça” e embora não
possamos julgar pessoas específicas, certamente a maioria reconheceria que a
confiança pública no sistema judiciário brasileiro está profundamente abalada.
Casos de corrupção, decisões contraditórias, lentidão processual, e a sensação
de que há “dois pesos e duas medidas” corroem a legitimidade da ilustre e
desgastada “sem-hora-justiça”.
Prisioneiros de um
país fracassado?
Essa imagem é a que o
povo sofrido e esmagado construiria, ou pintaria. A de brasileiros com pudor,
honra e sanidade, soterrados por um Estado Democrático de Direito que não vale
uma lágrima, não é fiel, mas efetivamente trágico.
Resumindo, senhoras e
senhores, não temos nenhum quadro pintado nos moldes desse publicado no “Quadro
da Quarta” do dia 10. Somos todos prisioneiros. “Maria Vamos Com As Outras”.
Não por grades visíveis, mas por um sistema que nos algema em silêncio constrangedor.
A justiça, vendada por conveniência, não nos guia, ao contrário, nos espezinha
e nos abandona. Vivemos na sombra da “Papuda”, mesmo sem termos cruzado seus
portões. Ela não é só um presídio. É metáfora. É ameaça. É destino imposto.
A nós, os pobres, os
podres, os sem vozes, não nos foi dado nem o direito à mancha de batom. Não
deixamos rastros, não tivemos cena, não fomos protagonistas. Apenas
representamos números, estatísticas, corpos tipo “copos descartáveis”. Enquanto
outros, com gestos mínimos, viram mártires ou vilões, nós nos encontramos
manietados no ventre da Terra, como a conhecida Cueva El Castillo, em Puente
Viesgo.
Nos tornamos
representantes dos conhecidos e batidos “povinhos”, ou a turminha dos “sem
caras, bocas e rostos”. Seguimos invisíveis, condenados e o mais catastrófico:
sem julgamento. Nos transformamos, por derradeiro, numa espécie de gruta com
partes de corpos, caras, bocas e bundas, de putas e veados. Uma referência a
esses cidadãos mamíferos e ruminantes da família do cervídeo. Como é que é?!
Calma, senhoras e senhores: quis deixar claro que, faço direcionamento
específico ao veado de Puente Viesgo, morreremos “cervindo”.
Título e Texto:
Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha, no Espírito Santo, 12-9-2025
[Quadro da Quarta] A Liberdade guiando o Povo
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