terça-feira, 16 de setembro de 2025

O jornalismo confusionista

Henrique Pereira dos Santos

Hoje está em altas a afirmação de que a ONU declara que há um genocídio em Gaza, um título que, com poucas variações, se encontra em dezenas de publicações nacionais e internacionais.

Há um fundo de verdade nisto, há um novo relatório que diz que Israel encaixa em quatro dos cinco critérios para ser acusado de genocídio do povo palestiniano.

Só que não há, nem poderia haver, nenhuma declaração da ONU sobre isso, quer porque as acusações de crimes se resolvem em tribunal (no caso, no Tribunal Penal Internacional), quer porque a ONU tem um pesado e rígido sistema de regras para tomar decisões (no caso, o relatório ainda vai ser apresentado à Assembleia Geral da ONU, de outubro de 2025).

O relatório em causa é de uma comissão, composta por três pessoas, nomeadas em 2021 pelo Conselho dos Direitos Humanos da ONU e convém ter em atenção os resultados da votação para a criação desta comissão, tendo em atenção que países votaram a favor, contra e se abstiveram.

A favor:  Argentina, Armenia, Bahrain, Bangladesh, Bolivia (Plurinational State of), Burkina Faso, China, Côte d’Ivoire, Cuba, Eritrea, Gabon, Indonesia, Libya, Mauritania, Mexico, Namibia, Pakistan, Philippines, Russian Federation, Senegal, Somalia, Sudan, Uzbekistan and Venezuela (Bolivarian Republic of)

Contra: Austria, Bulgaria, Cameroon, Czechia, Germany, Malawi, Marshall Islands, United Kingdom of Great Britain and Northern Ireland and Uruguay

Abstenção: Bahamas, Brazil, Denmark, Fiji, France, India, Italy, Japan, Nepal, Netherlands, Poland, Republic of Korea, Togo and Ukraine].

Olhando para a sólida reputação dos países que votaram a favor desta comissão em matéria de direitos humanos, não admira que a referida comissão siga os passos do Secretário Geral da ONU na relativização do 7 de outubro de 2023 ("178. At the outset, the Commission notes that these events in Gaza since October 2023 have not occurred in isolation. They were preceded by decades of unlawful occupation and unlawful settlement, with racial segregation or apartheid,403 under an ideology requiring the removal of the Palestinian population from their lands and their replacement").

O relatório é uma autêntica palhaçada, como se pode ler aqui (ao contrário deste jornalismo confusionista, as ligações para fontes primárias de informação existem neste post).

Não admira, por isso, que um dos critérios para acusar Israel de genocídio seja tratado neste relatório de uma forma completamente ridícula, que a BBC sintetiza melhor do que eu o faria (mas podem ir ler o relatório original para verificar que a síntese da BBC traduz o que está no relatório): "Imposing measures intended to prevent births through the December 2023 attack on Gaza's largest fertility clinic, reportedly destroying around 4,000 embryos and 1,000 sperm samples and unfertilised eggs".

O que me interessa, neste post, não é a lavandaria de informação do Hamas em que a ONU se transformou, isso é um dado do problema e não seria de esperar outra coisa de uma organização em que as ditaduras e estados que não respeitam o direito são a esmagadora maioria, o extraordinário é a facilidade com que a imprensa confusionista (desculpem o pleonasmo) de países em que há liberdade de expressão resolve transformar um relatório ridículo de três pessoas manifestamente anti-Israel, independentemente de terem sido nomeadas por um conselho da ONU, numa declaração da ONU.

A estupidez disto tudo e a forma como a imprensa se esforça por erodir a confiança dos seus leitores no que produz é de ficar de boca aberta.

Título e Texto: Henrique Pereira dos Santos, Corta-fitas, 16-9-2025

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