sábado, 27 de setembro de 2025

Demagogia

Henrique Pereira dos Santos

Uma casa é alugada por 2300 euros. Nas atuais regras, 28% são para o Estado, ou seja, 644 euros.

Nas regras que o governo apresentou agora, o Estado reduz esses 28% para 10%, ou seja, reduz a sua fatia para 230 euros.

A diferença, 414 euros, sai do Estado para os bolsos do senhorio ou do inquilino, em proporções que dependerão da livre negociação entre eles.

No cenário extremo desses 414 euros serem integralmente entregues ao inquilino, isso significaria que uma renda de 2300 euros passaria a ser de 1886 euros.

No caso de ser integralmente apropriada pelo senhorio, significaria que arrendar aquela casa passaria a ter um retorno 25% superior ao anterior para o senhorio.

Em qualquer caso, a prazo (estas medidas demoram a ter algum efeito relevante), o Estado perderia algum dinheiro em impostos e a sociedade obtinha, em troca, rendas mais baratas, ou rendas mais rentáveis, em qualquer dos casos, benefícios relevantes no mercado do arrendamento.

Se as rendas ficarem mais baratas, as casas tornam-se acessíveis a mais gente, se as rendas se tornarem mais apetecíveis para os senhorios, é natural que haja mais investimento nesse mercado, aumentando a oferta e respondendo à procura crescente que se tem verificado.

Perante isto, o que me apraz perguntar é por que razão o governo põe um limite que gera alguns problemas (ninguém vai arrendar uma casa por 2400 euros porque isso significa receber menos dinheiro que arrendá-la por 2300, e isso é verdade até aos 2 760 euros, de acordo com contas que não são minhas) quando sem limite o alcance da medida era ainda mais claro (numa renda de cinco mil euros, o Estado fica com 1400 euros, e ficaria apenas com 500 euros, se a medida lhe fosse aplicada, libertando 900 euros para livre contratação entre senhorio e inquilino).

Pois bem, não tem sido essa a discussão a que tenho assistido, mas sim ao horror, ao drama, à tragédia de 2300 euros serem uma renda cara e, na opinião implícita de várias pessoas que fui ouvindo e lendo, o ideal era que o governo adoptasse medidas para um mercado que não existe, o mercado das rendas novas, baratas e compatíveis com o ordenado da maioria da população.

Ontem não queria acreditar quando num painel de jornalistas, dois tentavam explicar a uma terceira que um agregado familiar que tenha um rendimento de cinco mil euros mês faz parte da classe média e a terceira jornalista insistia que não, que classe média é quem ganha a média dos ordenados (grosso modo, um rendimento mensal de 3500 euros, partindo do princípio de que existem dois ordenados na família).

Francamente, uma das razões, não é a principal, para os problemas de acesso à primeira habitação que existem é a demagogia instalada, na sociedade, nos partidos, no jornalismo, associado a esta matéria.

Mobilizar casas que existem sem utilização habitacional para usos habitacionais é a forma mais rápida de tentar responder à procura crescente de casas que não tem tido correspondência no crescimento da oferta.

Isso faz-se essencialmente no mercado de arrendamento, em especial trabalhando para o reforço da confiança no mercado através da maior liberdade contratual possível e de um sistema eficaz e muito rápido de despejo de inquilinos incumpridores.

Infelizmente este caminho está politicamente bloqueado, ou quase, pela demagogia reinante.

Em qualquer caso, não sendo o mais importante, a diminuição da fracção da renda de que o Estado se apropria é, parece-me claro, uma das formas possíveis de melhorar o funcionamento do mercado de arrendamento para mobilizar casas que hoje estão fora por alguma razão.

Infelizmente, qualquer passo nesse sentido é contestado com base em argumentos de treta, como o facto de se estarem a beneficiar alguns deixando a maioria de fora, como se ter um mercado de luxo (e nem é esse que cabe nos limites definidos pelo governo, mas para o argumento é irrelevante, ele é verdadeiro mesmo que estivéssemos a falar do mercado de luxo) a funcionar melhor e com preços mais baixos não tivesse benefícios gerais.

O ressentimento social que alimentou o Bloco e o PC e que atualmente alimenta o Livre e o Chega é um problema sério para quem quer que seja que governe.

Título e Texto: Henrique Pereira dos Santos, Corta-fitas, 27-9-2025

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