Ainda há uns poucos que ousam defender a liberdade de
expressão em Pindorama, contra o arbítrio de um judiciário cada vez mais
censor. O Fernando Schüler é o mais brilhante deles. 🙏
João Luiz Mauad, Facebook,
27-12-2025, 19h44
«Retratações públicas por “incorreção política” são uma espécie de marca universal das autocracias. Nos tempos duros da União Soviética, uma crítica a Stalin rendia uma expiação pública, e depois coisa pior. Em Cuba, nos anos setenta, ficou famosa a “retratação” do poeta Heberto Padilla, por suas críticas à ditadura castrista, que levou a ruptura de tantos intelectuais com Fidel, como Llosa e Octavio Paz.
Me lembro disso quando vejo o
País bizarro em que vamos nos convertendo. País que exige uma retratação
pública de uma cantora de Axé, a Claudia Leitte, por cantar “meu rei Yeshua”,
ao invés de “rainha Iemanjá”, na música “Caranguejo”, num show de verão. Retratação
e multa de 2 milhões.
Claudia trocou as palavras por
sua religiosidade. Porque fazer isso é um direito seu, garantido pela
Constituição. Se os autores quisessem mover um processo de direitos de autor,
ok. Mas não o Estado. O Brasil não tem religião oficial, e nem o Estado um mandato
para se intrometer nas escolhas religiosas das pessoas.
Este caso vai em linha com a ação movida pela AGU contra uma produtora de vídeos pelo documentário sobre o julgamento de Maria da Penha. Cidadãos são livres para produzir suas interpretações sobre a história. O próprio Supremo foi nesta linha quando garantiu a liberdade para as biografias. É evidente que qualquer pessoa que se sentir ofendida pode mover um processo. São os crimes contra a honra. O absurdo é o Estado congelar uma visão da história, num exercício à la Orwell, no 1984, e mandar punir qualquer desviante.
Se a moda pega, qualquer
releitura histórica seria um crime em potencial. Que tal contar a história de
Tiradentes de um jeito pouco respeitoso? E um filme satirizando Carlota
Joaquina? Alguém se lembra de uma coisa dessas? De um País irreverente, em que mesmo
a sátira politicamente incorreta fazia algum sentido?
Caso similar ocorreu no sul do
País. A Universidade de Caxias, privada, fez um memorial com um acervo do
ex-presidente Geisel. Não era proselitismo político, mas uma exposição
histórica, na biblioteca. Adivinhem? Ação do Ministério Público para proibir, multa
de R$ 1 milhão e obrigação de colocar no lugar uma mostra sobre as vítimas da
ditadura. Muita gente acha ótimo estas coisas. Um leviatã gigante pairando
sobre o País, higienizando nossa cultura de tudo que é coisa ruim. A história
errada, palavra errada, piada errada, exposição errada, filme errado, religião
errada. Um belo país, vamos nos tornando. O País da liberdade sem erro.
Do Estado tutor da nossa
cabeça.
Como gosto de história, me
lembrei da França de Luiz XIV, depois de Fontainebleau. O catolicismo oficial,
os reformados e outros errados celebrando seu culto às escondidas. Quem sabe
seja nosso destino. Cantar o “Caranguejo” baixinho, do jeito que se deseja, à
luz de velas, pra ninguém notar.
De minha parte, quero distância desse destino. Liberdade sem a chance do erro não é liberdade. Que a gente possa refletir sobre isso são meus votos, neste quase 2026.»

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