quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

O futuro do Estado Brasileiro

Arte: Paulo Márcio

Rafael Nogueira

Antes de qualquer "agenda do futuro", existe uma tarefa anterior: devolver ao Estado a dignidade do rito, a seriedade da execução e a coragem do longo prazo. Falar do futuro do Estado brasileiro empilhando palavras como inovação, governança, sustentabilidade me parece preguiçoso. O problema é mais velho, mais simples e mais cruel. Antes de decidir o que o Estado fará amanhã, é preciso recuperar o que ele é hoje. E o que ele é hoje depende de três coisas: credibilidade, capacidade e continuidade.

Foi durante o seminário internacional "O Futuro do Estado Brasileiro", ontem, no mosteiro do São Bento do Rio, que apresentei estas reflexões. O evento reuniu pesquisadores do Brasil e da Europa para discutir como instituições respondem em momentos de transformação política e tecnológica.

O Estado precisa voltar a ser confiável no procedimento. O cidadão tem de acreditar que o dinheiro público não é vaquinha sem dono, que eleição não é formulário com dono, que o devido processo não é acessório, que a regra existe e vale. Tem que ser competente na execução, o que é diferente de ser grande ou inchado.

E precisa ser guardião do longo prazo: memória, cultura, instrução, coesão nacional. Sem esse tripé, o que temos é caos imediato e amnésia duradoura.

Por trás disso há uma ideia que parece abstrata, mas é tão prática como um boleto: instituições são rituais públicos. Orçamento é ritual. Concurso é ritual. Eleição é ritual. Julgamento é ritual. E ritual só funciona quando é reconhecido como legítimo — para não dizer sagrado —, quando a comunidade acredita que ali existe regra, limite, forma.

Cada procedimento desviado é uma exceção que se impõe, e a confiança geral de esvai. Daí o país recomeça do zero, esperando o "novo", porque deixou apodrecer o velho. É sempre isso. E um Estado pode ser enorme e ainda assim ser fraco — não resolve só aumentar orçamento aqui e ali.

A fraqueza se instala de vez quando o Estado deixa de ser digno de crédito.

Credibilidade institucional é o capital invisível do Estado: confiança nos ritos, previsibilidade, impessoalidade, coerência. Perde-se pelo vício fazendo-se de virtude: atalhos "pelo bem", decisões sem regra clara, instabilidade permanente. Sem credibilidade, todo mundo tenta capturar, puxar vantagem, garantir o seu antes que virem a mesa. É isso que evita que política se converta em violência.

Capacidade estatal é a segunda perna. Tamanho não é capacidade, já disse. Capacidade é executar, medir, corrigir, prestar contas. É o método aplicado ao sonho. É contrato bem desenhado, burocracia profissional, transparência que mede o que importa. O Estado brasileiro sofre de falta de execução, de credibilidade e de memória.

A terceira perna é a continuidade. Memória é identidade. Identidade é infraestrutura de sentido. O país com amnésia está entregue à política de momento, ao mau uso de estruturas públicas, aos aproveitadores, ao crime.

Meu programa não é fácil, mas é simples. Restaurar credibilidade: limites, previsibilidade, regra clara. Construir capacidade: execução, gestão, quadros profissionais. Proteger continuidade: memória, patrimônio, instrução cívica. O futuro do Estado brasileiro não pode estar na exceção, tem que estar na instituição. Não pode estar no improviso, mas na competência. Nem pode coexistir com amnésia, porque tem que preservar (e aprimorar) uma civilização.

Título e Texto: Rafael Nogueira, O Dia, 17-12-2025 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-