terça-feira, 16 de dezembro de 2025

[Aparecido rasga o verbo] Figuras de sintaxe

Aparecido Raimundo de Souza

MICOME casualmente encontra a Dacongosto na fila do caixa do supermercado. Ao se deparar com ela, corre a cumprimentá-la com um abraço e um beijo no rosto. Entabulam conversa.

Micome, carinhosamente: — Oi chuchu, quanto tempo!

Dacongosto: — É Messsssssssmo! Um bocado!  E aí: tudo bem?

Micome: — Melhor agora. Chuchu. Chuchuzinha, mata uma curiosidade minha: é impressão ou você anda sumida do pedaço?

Dacongosto: — Impressão sua, Micome. Todo dia aqui.

Micome: — Estou perguntando pelo fato de não ter mais “aparecido” lá em casa!

Dacongosto: — Falta de tempo, meu caro. Estou com o Zé dos Pirulitos Ele me aluga o dia inteiro...

Micome: — Ué! Não sabia que você havia dispensado o Fuzil...

Dacongosto: — De onde você tirou essa ideia?

Micome:  — Ora, Chuchu, você acabou de falar que “largou” do Fuzil...

Dacongosto: — Em absoluto. Lembro de ter dito “estar” com o Zé dos Pirulitos...

Micome: — Ah, agora entendi. Imaginei que você mais o Fuzil...

Dacongosto: — Nada a ver, cara. Ficou maluco?

Micome: — Desculpa. Quando você mencionou o Zé dos Pirulitos, eu deduzi outra parada... me perdoa. Foi mal!

Dacongosto: — Bota foi mal nisso, meu caro. Acha que eu teria coragem de trocar o meu Fuzil por um vendedor de doces? Ainda mais o Zé! Sabe quem é o Zé, não sabe?

Micome: — Claro. A galera em peso aqui nas redondezas conhece a figura. Ele andou vendendo uns docinhos pra mamãe, deu em cima dela, fez o mesmo com dona Nair. É um excelente vendedor... quanto a isto, nada a reclamar... sem falar que é barateiro... mas não pode ver rabo de saia...

Dacongosto: — Pois então: me juntei a ele pra ajudar a vender doces. Vamos dividir os lucros.

Micome: — Pelo menos agora a coisa vai andar. O Zé, embora mulherengo, é muito querido e responsável, além de ter uma boa clientela...

Dacongosto: — Que ideia foi essa de imaginar que eu trocaria o meu Fuzil pelo Zé?

Micome: — Nunca se sabe Chuchu, nunca se sabe. Vocês, mulheres, são doidas e imprevisíveis. A minha não me deu um pé no traseiro por causa do Barata? Lembra do Barata?

Dacongosto, fazendo gracinha: — Lembro. Fazer o que, né? Vai ver a tara dela, naquela época, era correr atrás de insetos. Nem sei se barata é um inseto... ou se tem parentesco com lobisomens da cabeça vermelha...

Micome: — Sendo ou não, não captei a essência da piada!

Dacongosto: — Deixa pra lá.  Bobeira minha. Micome, fala das novidades que estão rolando...

Micome: — Por enquanto, nada de novo, chuchu.

Dacongosto: — E o barzinho?

Micome: — Fechei uma parceria com o Grelhudo, filho da dona Maria da Muleta Aleijada.

Dacongosto: — Aquele que tinha um antigo boteco na rua da estação?

Micome: — Esse messsssssssmo.

Dacongosto: — Então você vai passar a vender cachaça e cerveja?

Micome: — A ideia é exatamente essa, Dacongosto...

Dacongosto: — Pensei que ele não voltaria a reabrir o bar.

Micome: — Ledo engano. E vamos botar refeições e delivery de marmitex.

Dacongosto: — Legal.

Micome: — Bem, Dacongosto, este fato não é desconhecido pra ninguém aqui do bairro. Você mesma sabe o motivo de nos tornarmos sócios. Precisamos de uma grana extra...  

Dacongosto: — Uma graninha a mais não faz mal a ninguém...

Micome: — Você por exemplo, com o Zé, pode circular por aí com dois pirulitos enterrados, um em cada orelha. É uma forma de propaganda, ou melhor, de criar um marketing diferente. Imagine a criançada...

Dacongosto: — To fora, Micome. To fora! Não gosto de pirulito. Aliás, odeio qualquer tipo de produto que contenha açúcar.

Micome: — Explica então, minha nobre Dacongosto, como esse pirulito foi parar aí no decote da sua blusa?

Dacongosto se abre num sorriso amarelo. Parece furiosa com a observação meio que marota do companheiro de periferia. Tenta explicar, sem complicar: — Micome, pega a visão: Quando vinha pra cá, o Zé dos Pirulitos cruzou comigo. A gente iniciou um papo de acerto da sociedade e ao final ele acabou me dando um piru...

Micome: — Como é que é, Dacongosto? Um piru?

Dacongosto: — Deixa de ser besta, Micome. Sua cabeça só tem espaço pra pensamentos podres e selvagens? Onde já se viu? O Zé me deu um pirulito para eu levar pra minha netinha Toniquinha... 

Micome: — Chuchuzinha, só falei para descontrair... 

Dacongosto: — Esquece. Vamos lá. E aí, namorada nova?

Micome: — Nada em vista...

Dacongosto: — Chegou aos meus ouvidos que uns e outros viram você com um belo moçoilo, melhor dito, com o Topete Levantado, o filho de dona Cafiaspirina da Mosca Abatida.

Micome: — Intriga da oposição.  Ele é só um amigo. Mudando o rumo da prosa. Posso fazer uma observação? Voltando ao pirulito. Você leva jeito para carregar pirulito no decote da blusa. Esse aí combinou com a sua vestimenta...

Dacongosto: — Qualé, resolveu fazer hora comigo?

Micome: — Nada, minha linda. Só fiz um elogio...

Dacongosto: — Ok. Voltando ao Topete Levantado. Tá rolando um clima?

Micome: — Sou homem, sua idiota.  E muito macho!

Dacongosto: — Mamão é macho e é fruta!

Micome: — Sou uma espada bem afiada...

Dacongosto: — Espada, né? Espada, até onde sei, vive com o cu enterrado numa bainha...

Micome: — Chuchu, vamos deixar de lado esse papo furado. Acabaremos brigando. Antes que me esqueça: Um passarinho azul me segredou que você está espalhando por aí que a minha ex-mulher, a Barbiela está de caso com o Rubenval da farmácia?

Dacongosto: — Bobeira, Micome. Falei pra encher o seu saco. Você sabe que gosto muito de você e da Barbiela. Mas cá entre nós. Eu acho que se você largasse do pé dela, ou seja, desse uma oportunidade, à Barbiela, a “encantadora” já teria se deitado com o Rubenval e amassado todos os lençóis do hotelzinho pulguento da cidade vizinha.

Micome: — O mesmo digo eu. Soube que você está traindo o meu amigo Fuzil com o Zé dos Pirulitos...   

Dacongosto: — Era só o que me faltava...

Ambos caem na gargalhada. Todavia, Micome observa a amiga muito séria. Em seguida, alfineta.

Micome: — Percebo que a fofoca que está sendo espalhada aí pelos quatro cantos, procede. Acho que você está de “terê-tetê” com o Zé dos Pirulitos.

Dacongosto: — Deixa de onda, moço. Sou mulher direita.

Micome: — Sei lá. Vai ver o palitinho do pirulito do Zé é mais interessante do que o gatilho do Fuzil... 

Dacongosto: — Pirou, Micome? Endoidou o cabeção? Deu agora para viajar na maionese? 

Micome: — Acha que estou viajando?

Dacongosto: — Acho. Acho não, tenho certeza.

Micome: — Messsssssssmo?

Dacongosto: — Messsssssssmo! Venha, vamos almoçar lá em casa. Aproveita que o Fuzil não está por perto...

Micome: — Até que não seria má ideia. Sua comida é boa. Apetitosa! Porém, pesando os prós e contras, você sabe que o Fuzil é meio inteiro maluco e pode chegar num abrir e fechar de olhos. Já pensou na hipótese do meu amigo estar por aí disfarçado de cachorro?

Dacongosto, ri a mais não poder: — E qual seria o problema?  Vamos supor que ele chegue na hora em que estivermos comendo?

Micome, muito sério: — Imediatamente eu me disfarçaria de pneu de avião e sairia voando...

Mais risadas.

Dacongosto: — Chiiiiiiiii...!!! Não iria prestar. Esquece o almoço. Cada um no seu canto... ou como você costuma dizer. “Cada um no seu quadrado...” 

Micome: — Por quê? Me dê um motivo justificável para suspender o ato de não comer da sua comida? Fala, Chuchuzinha...

Dacongosto: — Fuzil, com certeza, ao vê-lo, apesar de vocês dois serem amigos, unha e carne, meu marido arrancaria a arma dele da cintura, colocaria o ferro comprido em sua boca e, em seguida, kikikikiki... ainda que você pretendesse sair voando num pneu de avião, ele daria uma bela mordida em sua jugular e terminaria com uma clássica mijada em seus cornos. E faria isso sem tirar seus óculos...

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha, no Espírito Santo, 16-12-2025

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