Aparecido Raimundo de Souza
É o sujeito, por
exemplo, que transforma um confessionário em estúdio de podcast. Que usa a pia
da igreja do bairro onde mora, como bebedouro de cerveja artesanal. Que instala
um roteador Wi-Fi no altar para garantir sinal perfeito durante a missa. É o hacker
do cotidiano, o herege do que conhecemos como funcional. Ela nasce da urgência,
mas cá entre nós, floresce na irreverência. É filha única da necessidade, mas
ao mesmo tempo, neta da criatividade. E, como toda boa profanação degradada,
carrega um quê de crítica: ao excesso de normas, à rigidez dos sistemas, à
pompa dos que acham que tudo deve seguir o manual do Manuel.
A gambiarra profana
não quer só funcionar. Longe disso. Ela quer provocar. Quer fazer rir, pensar,
incomodar. É o famoso “meme” tão usado em dias de hoje, um trocinho encarnado
em objeto. É o protesto em forma de engenhoca. É o Brasil dos ladrões que não
pedem licença, só transitam “pela aí” como cola quente e um pouco de fé. No
final das contas, talvez o mundo em que vivemos precise de menos perfeição e
mais sacrilégios funcionais. E se o céu não tiver tomada, merda, o que
poderemos fazer? Cair em desespero? Arrancar os cabelos? Mandar a mula do Fula
criar galinhas em Cacetés no longínquo Garanfunfunshus?
Calma galera! A gente por aqui (entendam gente como “nós”) ou dito de outra maneira: nós daremos um jeito. Pois bem! No Brasil, a gambiarra profana não é só solução é manifestação cultural. Se os meus leitores tiverem a curiosidade de pesquisar, descobrirão que existe uma linhagem rebelde, ou melhor, um palavreado quase místico, que ultrapassa o simples conserto (conserto ou concerto??) e entra com tudo no território da ousadia. A gambiarra profana, a bem da verdade, não vem só com cola quente. Ela é mais poderosa. Pinta no pedaço com glitter (e claro, com ordens da Anvisa - Agência Nacional de Viciados em Sofás Aconchegantes) som de pagode e uma cervejinha gelada equilibrada num suporte feito de cabide e fé de Santo Antão.
Dissecando mais a
fundo, é o ventilador quebrado que vira secador de cabelo comunitário. É o
varal que serve de trilho-base para o gato do vizinho assistir as novelas em
companhia da gata mimosa no quarto dela, ambos deitados no sofá que a radiosa
mantém só para os dois fazerem aquele amor gatal-gostoso. É o projetor da
escola dos seus filhos que, com um toque de genialidade e papel celofane, vira
de repente, luz para as festas natalinas. Tudo isto, creiam, vem acompanhado
com uma trilha sonora de fundo: Roberto Carlos cantando “Meu grito”, uma música
que ele fez especialmente para o saudoso Agnaldo Timóteo, só que em companhia
não do Timóteo, mas em dupla com o cantor das multidões conhecido no mundo
artístico como IA.
A gambiarra profana
não respeita limites. Ela os decora com pisca-pisca intermitente. Mesmo tom,
não pede permissão. Ao oposto do que se imagina, ela grita pedindo um alicate e
um pouquinho de paciência. E quando um engraçadinho diz com todas as letras, “isso
não vai funcionar”, a gloriosa responde irreverente e sarcástica, com um
sorriso largo e um “segura piãõõõõõõ”. Grafado assim mesmo. Ãõ. Vista por outro
foco, ela, a gambiarra profana é a alma do churrasco improvisado no meio da
calçada da pracinha da matriz, com uma churrasqueira feita de latas de tintas e
bancos de tijolos. É o espírito do brasileiro nato, que transforma o impossível
em um gostoso e sereno “só mais um minutinho”. É o carnaval da engenharia
emocional a todo vapor.
No fundo, a gambiarra
profana se tornou uma espécie majestosa da celebração da vida como ela é: meio
torta, meio capenga, meio improvisada, mas acreditem, sempre com espaços
suficientes para mais um. E se o mundo não tiver tomada, ela liga tudo no modo
festa. Vejamos algumas gambiarras que poderiam, ou melhor, perdão, que deram
certo. Sacolas de supermercado como capas de chuvas litúrgicas. O
padre esqueceu a batina? Não seja esse
lapso visto como um entrave. Uma das sacolas da Havan resolve. Essas distinções
elegantes, são impermeáveis, vem com alças reforçadas.
Não fosse pouco, ainda
estampam o milagre do consumo desenfreado. Castiçais feitos com garrafas de refrigerantes e velas de macumba.
Perdão, de aniversário. Quem foi que falou em macumba? As luzes
divinas que emanam do açúcar e da parafina fazem o resto. Imaginem um altar pop
com gosto de infância e rebeldia. Confessionários
transformados em cabines de karaokês. Em vez de “Me perdoa,
padre”, sai um ”Léo Magalhães cantando “Diz para mim”, em dueto com Pabllo
Vittar. A redenção se agiganta em forma de agudo desafinado. E as Hóstias? As hóstias vêm e se fazem substituídas por biscoitos de polvilho. Por acaso vocês, que me leem, já
experimentaram?
São leves, crocantes e
aprovadas por 9 entre 10 fiéis tidos como famintos. No geral, a fé que alimenta
a galera de forma como diria, o padre Quevedo, “literalmente inalterada e
real”. No mesmo pacote, crucifixos com
luzes de LEDs picantes. Cristo raves*, que brilham no escuro e dançam ao
som de batidões ensurdecedores. Salvação para todo mundo com efeitos especiais
e drones furiosos riscando o firmamento. Púlpitos improvisados com caixas de cervejas e microfones de karaokês.
Os sermões são sobre o amor, o perdão e como fazer caipirinha com limões
importados vindos diretamente das terras do pato Donald Trump congelados.
Se houverem
procissões, serão levadas a efeito com
carrinhos de supermercados decorados com uma batelada de papeis crepom.
As Santas ou as Imagens, seguirão empurradas entre caixas de sabão em pó e
pacotes de arroz. Milagre, caros amigos e leitores, é não perder o núcleo da
cerne. Ela, a cerne, aconteça o que
acontecer, não poderá parar de girar. Jamais. Resumindo a ópera do malandro,
essas gambiarras como disse acima, são como “memes” encarnados. Fazem rir,
pensar e, no fundo, revelam o poder do improviso como forma de resistência e
celebração. Espero que os meus leitores tenham gostado.
Se vocês, (os assíduos
da “Grande Família Cão que Fuma”) tiverem alguma ideia, por favor, deixem nos
comentários, final de cada texto. Por favor, consignem seus nomes. Por
gentileza, não entrem como “Anônimo”. A palavra “Anônimo”, se esmiuçada a fundo
por quem entende nada mais é que “ficar atrás do toco” ou “escondido”, ou
ainda, “amoitado”. Tais palavras fazem parte de políticos imundos,
parlamentares e outros párias hipócritas. Indivíduos à margem do bom senso,
portanto, se assemelham a porcos chafurdeiros e longe, obviamente de serem
levados a sério.
Explicação necessária: *Rave: grosso modo, músicas eletrônicas, atualmente usadas por DJs
barulhentos e fora da órbita das pessoas tidas como normais.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Atafona, distrito de São
João da Barra, Rio de Janeiro, 2-12-2025
Só ficou, de fato, a escuridão
Sombras de uma alma inquieta
O Ódio e a sua doce face adulterada
Tipo assim: meus dias em formatos cada vez mais curtos
Provocado

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