Aparecido Raimundo de Souza
Hoje, preso e
acorrentado nesta solidão, procuro caminhos, sendas, trilhas e veredas. Invento
mapas, crio expectativas, ensaio palavras, faço músicas, escrevo crônicas, mas
o destino delas, o paradeiro, eu sei, (não, eu não sei), se esconde atrás de
janelas e portas invisíveis. E eu, aqui, aos setenta e dois, sigo perguntando
ao vento: como chegar até onde elas estão? O vento não responde. Não sei! As
minhas meninas desapareceram como quem fecha uma porta sem fazer barulho. Não
houve aviso, não houve bilhetes na mesa. Apenas o vazio pesado e denso, esse
hóspede antigo que sabe se instalar sem pedir licença. De repente, elas, as
minhas meninas, se tornaram sombras em outro quintal — risos em outras casas,
segredos em mãos que não conheço o calor do toque. E eu, meu Deus, eu fiquei
aqui, permaneci estancado, tentando decifrar o mapa de um território que não
existe,
E ainda agora, aqui estou, procurando incansável e atônito, atalhos em ruas e vielas, alamedas e desvãos que não levam à lugar algum, a não ser para dentro da minha própria solidão. Venho aprendendo, dia após dia, que o tal do desconhecido é uma espécie de labirinto de Dédalo. Sei que há vida lá dentro, ouço barulhos, distingo vozes, risos — por vezes choros, mas não consigo enxergar, ver claramente o âmago da realidade. É como se o tempo tivesse engolido as minhas meninas e cuspido apenas lembranças frágeis como migalhas de um vidro enorme quebrado em mil pedaços. No silêncio da noite, tardão da noite, a coisa fica mais insuportável. Escuto mergulhado nos meus medos, passos que não vêm. Invento diálogos, imagino retornos, contudo, do nada, o tudo, o tudo se dissolve como fumaça em meio à forte ventania.
Talvez seja isto: eu
preciso urgentemente aprender mais, ou seja — careço de conviver com o que não
se alcança, com aquilo que se perde sem explicação. Enquanto não distingo, sigo
assim, me abalando entre o peso da ausência e a leveza da esperança. Vou à
frente, mas à esmo, ao Deus dará, como um autônomo — tipo uma espécie de robô
que escreve cartas ao vento, na expectativa de que um dia ele descubra o
caminho de volta. E nele, traga as minhas meninas. Pois é meu Deus! As minhas
meninas se foram. Não houve despedida, não houve promessa de retorno. Apenas um
silêncio pesado, denso, volumoso, insípido que se instalou como poeira sobre
móveis antigos cobrindo cada canto da casa. De repente, elas se tornaram
invisíveis, como se tivessem atravessado uma fronteira secreta — um portal que
só elas conheciam.
Eu, eu fiquei aqui,
permaneci do lado de cá, tentando decifrar sinais, rastros, pegadas, qualquer
vestígio que me indicasse o carreiro para chegar até elas. O desconhecido é um
senhor sem rosto, sem voz, sem saída, e cada tentativa de alcançá-las me devolve
ao mesmo ponto, qual seja, a ausência. Sei que é inusitado pensar que o tempo
continua, segue adiante, mesmo quando a vida parece suspensa. As horas passam,
ou melhor, voam, os dias se acumulam, se atropelam e eu sigo colecionando
perguntas sem respostas. Onde, onde estão? Quem as guarda? Que vozes as chamam
agora? Às vezes imagino que se tornaram personagens de um livro-romance que
nunca li, vivendo capítulos que não me pertencem. Outras vezes penso que são
como estrelas: astros distantes, mas ainda brilhando em algum lugar lá em cima,
no imenso do céu, mesmo que eu não consiga vê-las.
O desconhecido é mais
que um senhor sem rosto, é uma sombra tenebrosa que não se revela. Mesmo tapa, uma porta fechada, sem chave, um
nome que não se pronuncia. E eu, aqui, eu aqui, sigo escrevendo cartas que
nunca serão entregues, tentando dar forma ao vazio, como se pedisse socorro a
alguém que nunca virá para me dizer “ei, ser vivente, elas apesar dos pesares,
voltarão, se acalme, estão chegando”. Talvez seja isto que restou: eu no meu
oco tentando aprender a toque de caixas, a porradas de uma vida vazia e cruel a
conviver com o invisível, com o que me escapa das mãos. Aceitar que há
histórias que não se contam, destinos que não se alcançam — tendo consciência
que a perquisição de toda esta infelicidade atroz segue sendo uma só: até
quando? Só Deus tem as respostas. Enquanto estas indagações não são
respondidas, eu sigo.
Me embrenho, me
descabelo, entre o peso esmorecido e consternado da ausência e a leveza gélida,
perversa e lancinante da imaginação. Me infiltro às palpadelas, entre o
silêncio mordaz e pétreo que dói e as palavras despiedadas que tentam preencher
o meu “eu interior”. Sigo como quem caminha em direção ao nada. Me enlaço
acreditando que o nada também pode guardar segredos. Talvez seja isso: eu,
aqui, sem saída, sem horizonte, aprender de alguma forma, ainda que meio
destrambelhado e feérico que nem tudo precisa ser efetivamente revelado. Tenho
urgência em tomar ciência, ou consciência, que há histórias as mais
diversificadas que se escrevem no invisível. Mesmo modo, destinos que se
cumprem longe dos nossos olhos. E que, mesmo sem saber como chegar, colocar na
cabeça, de uma vez para sempre, que ainda é possível, ainda é possível E S P E
R A R.
Título e Texto: Aparecido
Raimundo de Souza, de Atafona, distrito de São João da Barra, Rio de
Janeiro, 28-11-2025
Sombras de uma alma inquieta
O Ódio e a sua doce face adulterada
Tipo assim: meus dias em formatos cada vez mais curtos
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