terça-feira, 25 de novembro de 2025

Do GOLF ao SANDERO: como a Europa desmontou o seu próprio futuro

A Europa trocou a força pela culpa, a soberania pela dependência, a produção pela regulamentação, a cultura pela vergonha. E nenhum povo sobrevive quando deixa de acreditar na legitimidade da sua própria civilização

João Maurício Brás

Uma publicação recente de José Carvalho chamava a atenção para algo essencial: a queda vertiginosa do poder, da autonomia e da qualidade de vida no espaço europeu. Os dados apresentados, cruzados com muitos outros, revelam um cenário negro e, sobretudo, sem perspectiva de inversão.

Em 2010, o carro mais vendido na Europa era o Volkswagen Golf; em 2025, no primeiro semestre, é o Dacia Sandero. Esse detalhe aparentemente trivial resume quinze anos de degradação estrutural. O Golf de 2010 era produzido com motores alemães, aço europeu e mão-de-obra altamente qualificada. O Sandero de 2025 é montado na Roménia, com componentes vindos da Turquia, de Marrocos e da China.

O segundo mais vendido, o Renault Clio, depende de uma parceria japonesa e de uma linha de produção central na Turquia. A indústria europeia desfez-se e a incapacidade de transitar ordenadamente para a indústria 4.0 reduziu a União Europeia a uma teia burocrática, ineficiente, empobrecida, politicamente fragmentada e cada vez mais hostil à sua própria identidade. Entretanto, a China consolidou-se como o novo polo industrial do mundo. Já não é o gigante adormecido, mas a matriz tecnológica que redefine o futuro.

Os Estados Unidos, após décadas de desindustrialização, iniciaram um regresso a uma América produtiva e soberana, embora dificultado por uma polarização interna que corrói o consenso mínimo necessário a qualquer recuperação. O contraste é brutal.

A BYD, que começou com baterias recarregáveis, é hoje um dos maiores produtores automóveis do planeta, controlando toda a cadeia de valor. Está a erguer, por exemplo, em Zhengzhou uma megafábrica com capacidade para um milhão de veículos elétricos por ano, integrada desde a origem na robótica, na inteligência artificial e na sustentabilidade.

Na Europa, pelo contrário, a Alemanha, outrora motor da zona euro, perdeu cerca de 48.700 empregos na indústria automóvel nos primeiros nove meses de 2025, prevendo-se que perca mais 90.000 até 2030. O modelo industrial do século XXI já existe: está na Ásia. E funciona.

A Europa, pelo contrário, mergulhou numa economia dominada pelos serviços, que já representam cerca de 65 por cento do PIB. É um sinal inequívoco de dependência externa e de uma estrutura laboral cada vez mais precária, assente em trabalho pouco qualificado e facilmente substituível.

A agricultura e a indústria foram sacrificadas; as cadeias produtivas, deslocalizadas; o trabalho, precarizado. O resultado é o inevitável aumento do emprego pobre. Uma União Europeia obcecada com regulamentação, taxas, metas ambientais e burocracia estrangulou a pequena e média produção, transformou-se num consumidor líquido e perdeu autonomia estratégica. 

Entre 2005 e 2020 desapareceram 5,3 milhões de explorações agrícolas, menos trinta e sete por cento e, embora as exportações tenham crescido, as importações extra-UE cresceram ainda mais depressa. Pior: uma parte crescente das exportações já não é controlada por capitais europeus.

Em vários países, empresas estrangeiras dominam sectores estratégicos. O investimento chinês na Europa, insignificante há duas décadas, vale hoje milhares de milhões de euros e abrange infraestruturas, empresas e tecnologias sensíveis. Isto não aconteceu por acidente.

A partir dos anos noventa, líderes como Mitterrand desmontaram a possibilidade de uma Europa das nações culturalmente diversa, economicamente robusta e politicamente cooperativa e substituíram-na por um projeto supranacional desligado das soberanias, da realidade social e dos interesses estratégicos dos povos europeus.

O resultado está à vista: a União Europeia tornou-se um ente moralista, sem substância e sem capacidade de execução. Transformou a defesa ambiental numa cruzada ideológica, isolada da realidade produtiva; promoveu políticas de género, migração e comportamento com uma arrogância normativa divorciada da vida concreta; perseguiu publicamente qualquer força política que desafie o consenso vigente.

Durante vinte e cinco anos, a Europa combateu sistematicamente aquilo que a tornava forte: a agricultura porque polui; a indústria porque não é verde; o carvão, o gás e o nuclear porque não são puros; a propriedade porque é privilégio; a cultura e a história porque são opressivas.

Hoje interroga-se, perplexa, por que motivo está mais pobre, mais fraca e sem futuro.

A consequência desta ideologia aplicada à economia é desastrosa. A transição verde, mal concebida e pior executada, resultou numa vulnerabilidade energética que aumentou dramaticamente os preços e reduziu a competitividade.

A Europa perdeu quota de mercado no aço, na química, nos automóveis e até nas renováveis. Os Estados Unidos, pelo contrário, aprenderam com os erros e iniciaram um ciclo de reindustrialização e defesa da soberania económica, rotulado por alguns como protecionismo, mas essencial à sobrevivência de qualquer potência.

A China e a Índia crescem entre seis e dez por cento; os EUA rondam os dois; a UE estagna entre um e dois. O défice comercial europeu com a China, irrelevante no início do século, ultrapassou 300 mil milhões de euros em 2024.

Face a tudo isto, a Europa dedica-se a políticas simbólicas sem relação com a vida material. Inscreve o aborto como direito fundamental, impõe quotas de género, taxa o metano dos bovinos, permite mudanças de gênero legal para menores sem avaliação médica, proíbe palhinhas e cotonetes, regula minúcias administrativas enquanto ignora a base produtiva que sustenta a prosperidade.

O europeu comum aspira hoje a um automóvel barato, trabalha em condições precárias e enfrenta uma habitação proibitiva.

A Europa trocou a força pela culpa, a soberania pela dependência, a produção pela regulamentação, a cultura pela vergonha. E nenhum povo sobrevive quando deixa de acreditar na legitimidade da sua própria civilização.

O continente está em declínio relativo grave, mas não está irremediavelmente perdido. Continua a ser o segundo maior mercado global, possui empresas de vanguarda (ASML, Airbus, LVMH, Novo Nordisk, Siemens Healthineers), mantém uma qualidade de vida elevada em vários indicadores e conserva uma capacidade científica respeitável, ainda que ameaçada.

Mas encontra-se num plano inclinado e a Europa de 2050 poderá ser irreconhecível. O liberal-progressismo e a promessa de uma globalização ilimitada fracassaram. Sobraram guerras culturais artificiais, moralismos estéreis e festivais de virtude que nada produzem.

Sem uma estratégia clara de reindustrialização, assente na produtividade e não apenas nos salários, sem coesão política e social, sem soberania energética e tecnológica, não há competitividade possível. E sem competitividade, a Europa continuará a caminhar para a irrelevância.

Se quiser existir no século XXI, terá de recuperar o que abandonou: indústria, autonomia, cultura, comunidade, sentido histórico e vontade política.

Tudo o resto é decadência disfarçada de superioridade moral.

Título e Texto: João Maurício Brás, SOL, 25-11-2025, 19h26 

Relacionados: 
O antifascismo também pode ser terrorismo 
“Nada terá de conhecer qualquer obstáculo em nome da liberdade individual” 
Charlie Kirk um herdeiro do filósofo Sócrates 
“A dimensão moral se esvaziou e toda a interferência na dimensão egoísta é vista como interferência inadmissível.” 
“O Ocidente é hoje um hospício repleto de tribos, turbas histéricas…” 
[Livros & Leituras] O Laboratório Progressista e a Tirania dos Imbecis 
O fracasso das democracias liberais 
Só o Ocidente é mau e tem uma história tenebrosa. A África e a Ásia não 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-