A Europa trocou a força pela culpa, a soberania pela dependência, a produção pela regulamentação, a cultura pela vergonha. E nenhum povo sobrevive quando deixa de acreditar na legitimidade da sua própria civilização
João Maurício Brás
Uma publicação recente de José
Carvalho chamava a atenção para algo essencial: a queda vertiginosa do poder,
da autonomia e da qualidade de vida no espaço europeu. Os dados apresentados,
cruzados com muitos outros, revelam um cenário negro e, sobretudo, sem perspectiva
de inversão.
Em 2010, o carro mais vendido
na Europa era o Volkswagen Golf; em 2025, no primeiro semestre, é o Dacia
Sandero. Esse detalhe aparentemente trivial resume quinze anos de degradação
estrutural. O Golf de 2010 era produzido com motores alemães, aço europeu e
mão-de-obra altamente qualificada. O Sandero de 2025 é montado na Roménia, com
componentes vindos da Turquia, de Marrocos e da China.
O segundo mais vendido, o
Renault Clio, depende de uma parceria japonesa e de uma linha de produção
central na Turquia. A indústria europeia desfez-se e a incapacidade de
transitar ordenadamente para a indústria 4.0 reduziu a União Europeia a uma
teia burocrática, ineficiente, empobrecida, politicamente fragmentada e cada
vez mais hostil à sua própria identidade. Entretanto, a China consolidou-se
como o novo polo industrial do mundo. Já não é o gigante adormecido, mas a
matriz tecnológica que redefine o futuro.
Os Estados Unidos, após
décadas de desindustrialização, iniciaram um regresso a uma América produtiva e
soberana, embora dificultado por uma polarização interna que corrói o consenso
mínimo necessário a qualquer recuperação. O contraste é brutal.
A BYD, que começou com
baterias recarregáveis, é hoje um dos maiores produtores automóveis do planeta,
controlando toda a cadeia de valor. Está a erguer, por exemplo, em Zhengzhou
uma megafábrica com capacidade para um milhão de veículos elétricos por ano,
integrada desde a origem na robótica, na inteligência artificial e na
sustentabilidade.
Na Europa, pelo contrário, a Alemanha, outrora motor da zona euro, perdeu cerca de 48.700 empregos na indústria automóvel nos primeiros nove meses de 2025, prevendo-se que perca mais 90.000 até 2030. O modelo industrial do século XXI já existe: está na Ásia. E funciona.
A Europa, pelo contrário,
mergulhou numa economia dominada pelos serviços, que já representam cerca de 65
por cento do PIB. É um sinal inequívoco de dependência externa e de uma
estrutura laboral cada vez mais precária, assente em trabalho pouco qualificado
e facilmente substituível.
A agricultura e a indústria foram sacrificadas; as cadeias produtivas, deslocalizadas; o trabalho, precarizado. O resultado é o inevitável aumento do emprego pobre. Uma União Europeia obcecada com regulamentação, taxas, metas ambientais e burocracia estrangulou a pequena e média produção, transformou-se num consumidor líquido e perdeu autonomia estratégica.
Entre 2005 e 2020
desapareceram 5,3 milhões de explorações agrícolas, menos trinta e sete por
cento e, embora as exportações tenham crescido, as importações extra-UE
cresceram ainda mais depressa. Pior: uma parte crescente das exportações já não
é controlada por capitais europeus.
Em vários países, empresas
estrangeiras dominam sectores estratégicos. O investimento chinês na Europa,
insignificante há duas décadas, vale hoje milhares de milhões de euros e
abrange infraestruturas, empresas e tecnologias sensíveis. Isto não aconteceu
por acidente.
A partir dos anos noventa,
líderes como Mitterrand desmontaram a possibilidade de uma Europa das nações
culturalmente diversa, economicamente robusta e politicamente cooperativa e
substituíram-na por um projeto supranacional desligado das soberanias, da realidade
social e dos interesses estratégicos dos povos europeus.
O resultado está à vista: a
União Europeia tornou-se um ente moralista, sem substância e sem capacidade de
execução. Transformou a defesa ambiental numa cruzada ideológica, isolada da
realidade produtiva; promoveu políticas de género, migração e comportamento com
uma arrogância normativa divorciada da vida concreta; perseguiu publicamente
qualquer força política que desafie o consenso vigente.
Durante vinte e cinco anos, a
Europa combateu sistematicamente aquilo que a tornava forte: a agricultura
porque polui; a indústria porque não é verde; o carvão, o gás e o nuclear
porque não são puros; a propriedade porque é privilégio; a cultura e a história
porque são opressivas.
Hoje interroga-se, perplexa, por
que motivo está mais pobre, mais fraca e sem futuro.
A consequência desta ideologia
aplicada à economia é desastrosa. A transição verde, mal concebida e pior
executada, resultou numa vulnerabilidade energética que aumentou dramaticamente
os preços e reduziu a competitividade.
A Europa perdeu quota de
mercado no aço, na química, nos automóveis e até nas renováveis. Os Estados
Unidos, pelo contrário, aprenderam com os erros e iniciaram um ciclo de
reindustrialização e defesa da soberania económica, rotulado por alguns como
protecionismo, mas essencial à sobrevivência de qualquer potência.
A China e a Índia crescem
entre seis e dez por cento; os EUA rondam os dois; a UE estagna entre um e
dois. O défice comercial europeu com a China, irrelevante no início do século,
ultrapassou 300 mil milhões de euros em 2024.
Face a tudo isto, a Europa
dedica-se a políticas simbólicas sem relação com a vida material. Inscreve o
aborto como direito fundamental, impõe quotas de género, taxa o metano dos
bovinos, permite mudanças de gênero legal para menores sem avaliação médica,
proíbe palhinhas e cotonetes, regula minúcias administrativas enquanto ignora a
base produtiva que sustenta a prosperidade.
O europeu comum aspira hoje a
um automóvel barato, trabalha em condições precárias e enfrenta uma habitação
proibitiva.
A Europa trocou a força pela
culpa, a soberania pela dependência, a produção pela regulamentação, a cultura
pela vergonha. E nenhum povo sobrevive quando deixa de acreditar na
legitimidade da sua própria civilização.
O continente está em declínio
relativo grave, mas não está irremediavelmente perdido. Continua a ser o
segundo maior mercado global, possui empresas de vanguarda (ASML, Airbus, LVMH,
Novo Nordisk, Siemens Healthineers), mantém uma qualidade de vida elevada em
vários indicadores e conserva uma capacidade científica respeitável, ainda que
ameaçada.
Mas encontra-se num plano
inclinado e a Europa de 2050 poderá ser irreconhecível. O liberal-progressismo
e a promessa de uma globalização ilimitada fracassaram. Sobraram guerras
culturais artificiais, moralismos estéreis e festivais de virtude que nada produzem.
Sem uma estratégia clara de
reindustrialização, assente na produtividade e não apenas nos salários, sem
coesão política e social, sem soberania energética e tecnológica, não há
competitividade possível. E sem competitividade, a Europa continuará a caminhar
para a irrelevância.
Se quiser existir no século
XXI, terá de recuperar o que abandonou: indústria, autonomia, cultura,
comunidade, sentido histórico e vontade política.
Tudo o resto é decadência
disfarçada de superioridade moral.
Título e Texto: João Maurício Brás, SOL, 25-11-2025, 19h26
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