terça-feira, 18 de novembro de 2025

[Aparecido rasga o verbo] O sem noção

Aparecido Raimundo de Souza

TUDO ESTAVA magnífico e perfeito. Nos trinques. A decoração impecável, os arranjos florais parecendo saídos de uma revista chique, os convidados em seus melhores trajes. A noiva Lisbela Borboleta, como sempre, radiante, lembrava a Ana Maria Braga nos tempos em que namorava o Louro José nos corredores da Globo e depois, em vista de uma briguinha tola, o ter substituído pelo motorista. Furúnculo Alberto o noivo, se mostrava nervoso. Aliás, superexcitado. Mais nervoso que excitado. Já havia comido as unhas. E o Francisco Lambada, ah, o Francisco Lambada... bem, o Francisco Lambada, seu melhor amigo, estava lá. De terno vermelho alugado, gravata torta e um brilho estranho no olhar que anunciava: “hoje vai ter história”.

A cerimônia começou tranquila. Até que, no momento mais solene, ou seja, aquele em que o padre pergunta aos presentes se alguém tem algo contra o casamento, Francisco Lambada saindo de trás de uma pilastra enorme pigarreou alto. Tipo essas irritações de algo preso na garganta de cachaceiros que comem o que não devem e de contrapeso entornam todas e perdem o rumo de casa e do ridículo. Todos viraram o pescoço. Ele sorriu calmamente e disse alto e em bom tom numa enquizila incômoda e perturbadora:
— Senhoras e senhores desculpem o transtorno. Seu padre, me perdoa pela intromissão. Sei que por debaixo da sua batina, bate um coração grandioso, tanto quanto em sua cueca. Vim aqui para dizer a todos os presentes, que não tenho nada contra o casório do meu amigo Furúnculo Alberto, mas queria só lembrar à ele, meu amigo e agora desempenhando o papel de noivo, não me convidou. Sou seu melhor amigo. Cachorro...

Tomou folego e continuou, impassível como se fosse senhor de si:
— Teve coragem de fazer isso comigo? Nós que passamos fome juntos, que dividimos a mesma cama, o mesmo travesseiro, o mesmo lençol sujo, e também o prato de comida na birosca do tio Leopoldo. Mas esquece. O passado, passado. Só vim aqui para te lembrar, e no mesmo vácuo que se formou, esclarecer a você e à todos os convivas presentes, que você, seu caloteiro fofudo... você, me deve R$ 500 reais desde 2025...

Risos se fizeram nervosos. A noiva congelou. O padre atônito, perdeu a voz, sem saber se continuava ou chamava a polícia. Em dado momento deixou cair os óculos de grau que usava.

Apesar dos pesares, e da intromissão em hora imprópria, o casamento seguiu em frente. Logo depois, agora no salão paroquial, a festa tomou forma. Francisco Lambada de novo se superou a si mesmo. Começou dançando com a avó da noiva, depois com um dos garçons, em seguida, com um vaso de samambaia.

Quando o DJ tocou “Propostas”, do Roberto Carlos, Francisco Lambada subiu no palco, arrancou o microfone de uma jovem que se preparava para fazer a sua apresentação, e mandou brasa num dueto com ele mesmo, um troço desafinado, emocionado, e com lágrimas que ninguém entendeu se eram de alegria ou de cachaça. Na hora do brinde, enquanto todos erguiam suas taças com frases bonitas, Francisco Lambada gritou, a plenos pulmões:
— Ao casal! Que eles tenham mais sorte que eu tive com minha última ex, que nem chegou a ser ex. A desgranhenta levou meu último centavo, me colocou na justiça por pensões em atraso, e em face de uma suposta filha que não sei se é minha e hoje me vejo abandonado. Por derradeiro, a caninana me bloqueou em todas as redes sociais.

Silêncio pesado. Depois, risos e gargalhadas espocando de canto a canto. Em seguida, a mãe da noiva pediu para os seguranças “acompanharem gentilmente o senhor criador de caso até a saída”.

Mas ele não foi. Porque Francisco Lambada não ia, ou não saia. Ele encerrava. E por conta, colocou um ponto final com chave de ouro, dançando “Macarena” sozinho na pista, enquanto o noivo tentava convencer a noiva de que aquilo não era nenhum tipo de sinal desventurado vindo das entranhas do universo que em breve eles seguiriam de mãos dadas.

Na lua de mel, num hotel de luxo afastado da cidade, tardão da noite, justamente na melhor hora, ou seja, no instante em que os pombinhos discretamente subiram para o quarto nupcial, Francisco Lambada voltou a aprontar. Ao ver ambos pelados, noivo e noiva, prontos para as bonanças auspiciosas da primeira noite, agora como homem e mulher, Francisco Lambada saindo inopinadamente debaixo da cama, aos berros, pulou sem maiores melindres nas genitálias do amigo e gritou coisas completamente disparatadas e fora de controle:
— Meu amor, minha vida, você, meu homem, meu herói, pombas, me trocou por essa lambisgóia?

Apertando com as mãos em concha grudadas nas partes intimas do amigo desesperado Francisco Lambada, fora de si, gritou, ou melhor, berrou o mais alto que pode:
— Logo eu, logo eu, que você dizia me amar de forma fulminante e incondicional? Traidor, traidor... bastou me ver (olhe pra você) bastou me ver para ficar em ponto de bala... olha... meu gato, vou tirar as minhas calças, ficar pelado e fazer aquele amor com você...

Os seguranças do hotel foram chamados. A polícia acionada. Os pais, a maioria dos amigos e alguns convivas de última hora foram todos parar na delegacia local.

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. 18-11-2025

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