O português que conquistou a América
Silvana Lagoas
A primeira coisa que vi na capa da Economist foi uma bola de futebol prestes a ser chutada por alguém que lembra, imediatamente, o Cristiano Ronaldo. Obviamente aquela primeira página é muito mais complexa, cheia de camadas políticas e económicas, mas hoje vou concentrar-me no simbolismo futebolístico.
Sinceramente, não percebo nada
de futebol. Fui apanhando uma coisa ou outra ao longo dos anos, mas não é o
desporto que me prenda. O que realmente me chamou a atenção foi o ódio quase
irracional que os portugueses nutrem pelo CR7. Dei por mim a pensar se a Amália
Rodrigues ou o Egas Moniz sofreram o mesmo tipo de preconceito. Seriam eles
mais humildes? Ou será simplesmente cultural esta tradição profundamente
portuguesa de olhar de lado para quem se destaca, como se o sucesso alheio
fosse insolência e precisasse de ser punido? Nesse caso, o Cristiano tem
demonstrado uma resiliência fora de série.
Ao analisar aquela capa da Economist, repleta de simbolismos perturbadores, a minha imaginação criou asas e voou imediatamente para um cenário hipotético delicioso. Imaginei Portugal na final do Mundial de 2026 contra a França, nos Estados Unidos, diante de Trump e Macron. Cristiano Ronaldo, odiado pelos portugueses e aclamado pelo resto do mundo, a marcar o golo que decide o título. O laranjão a entregar a taça ao craque, enquanto Macron tenta consolar o inconsolável Mbappé. E, claro, num instante iam surgir teorias de que o Cristiano comprou a Copa.
Agora imaginar a reação dos
portugueses é outro capítulo. O povo que passa a vida a dizer que o Cristiano é
insuportável, narcisista, foleiro e que já não joga nada entra imediatamente em
pane. É quase perceptível o barulho das sinapses a fritar. De repente estão
todos a gritar golo como se não passassem a vida a destilar veneno. A alegria é
imediata, mas acompanhada daquele travo amargo que só o orgulho ferido consegue
dar. É provavelmente o único país do mundo capaz de celebrar um título mundial
enquanto murmura “foda-se, logo ele?” entre dentes. O português é assim:
comemora com entusiasmo, mas sempre com um ligeiro desconforto gastrointestinal
emocional.
O clímax da minha visão quase
cinematográfica: Trump atravessa o relvado com a postura implacável do lutador
russo do Rocky, iluminado pelos holofotes como se estivesse ali para nocautear
a diplomacia mundial. O presidente mais polémico do século XXI avança com a
taça na mão para entregá-la ao Cristiano Ronaldo, num momento tão improvável
que faria tremer metade do Twitter português. É a fotografia capaz de deixar
milhares de pessoas a suarem frio, sem saber se comemoram, se fingem indignação
ou se bloqueiam o X para não lidar com a própria incoerência. Bastava aquela
imagem, Trump, Cristiano e a taça, para deixar os moralistas nacionais à beira
de um ataque de nervos. Portugal campeão do mundo e, paradoxalmente, metade do
país a precisar de ir respirar para dentro de um saco de papel.
At last but not least! A
França. A França! Perder o Mundial para Portugal nos EUA teria a beleza
estranha das coincidências perfeitas. Uma daquelas ironias do destino que
parecem encenadas. Entre a velha rivalidade com os americanos e a ferida ainda
aberta de 2004, este cenário soaria a poema kármico: uma derrota francesa com
bandeiras dos EUA ao fundo, como se o universo tivesse sentido de humor.
Obviamente, isto não passa de
um devaneio, não totalmente improvável, de quem tem aversão a bullying. O
Cristiano, pelo seu empenho e dedicação, merecia ganhar esse título, e os
portugueses mereciam o primeiro Mundial, ganho precisamente pelo português mais
cromo de todos os tempos.
Título, Imagens e Texto: Silvana
Lagoas (é mãe a tempo inteiro, autodidata, livre pensadora) ContraCultura,
20-11-2025
Cristiano Ronaldo na Casa Branca 👏


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