quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Once upon a time in America

O português que conquistou a América


Silvana Lagoas

A primeira coisa que vi na capa da Economist foi uma bola de futebol prestes a ser chutada por alguém que lembra, imediatamente, o Cristiano Ronaldo. Obviamente aquela primeira página é muito mais complexa, cheia de camadas políticas e económicas, mas hoje vou concentrar-me no simbolismo futebolístico. 

Sinceramente, não percebo nada de futebol. Fui apanhando uma coisa ou outra ao longo dos anos, mas não é o desporto que me prenda. O que realmente me chamou a atenção foi o ódio quase irracional que os portugueses nutrem pelo CR7. Dei por mim a pensar se a Amália Rodrigues ou o Egas Moniz sofreram o mesmo tipo de preconceito. Seriam eles mais humildes? Ou será simplesmente cultural esta tradição profundamente portuguesa de olhar de lado para quem se destaca, como se o sucesso alheio fosse insolência e precisasse de ser punido? Nesse caso, o Cristiano tem demonstrado uma resiliência fora de série.

Ao analisar aquela capa da Economist, repleta de simbolismos perturbadores, a minha imaginação criou asas e voou imediatamente para um cenário hipotético delicioso. Imaginei Portugal na final do Mundial de 2026 contra a França, nos Estados Unidos, diante de Trump e Macron. Cristiano Ronaldo, odiado pelos portugueses e aclamado pelo resto do mundo, a marcar o golo que decide o título. O laranjão a entregar a taça ao craque, enquanto Macron tenta consolar o inconsolável Mbappé. E, claro, num instante iam surgir teorias de que o Cristiano comprou a Copa.

Agora imaginar a reação dos portugueses é outro capítulo. O povo que passa a vida a dizer que o Cristiano é insuportável, narcisista, foleiro e que já não joga nada entra imediatamente em pane. É quase perceptível o barulho das sinapses a fritar. De repente estão todos a gritar golo como se não passassem a vida a destilar veneno. A alegria é imediata, mas acompanhada daquele travo amargo que só o orgulho ferido consegue dar. É provavelmente o único país do mundo capaz de celebrar um título mundial enquanto murmura “foda-se, logo ele?” entre dentes. O português é assim: comemora com entusiasmo, mas sempre com um ligeiro desconforto gastrointestinal emocional.

O clímax da minha visão quase cinematográfica: Trump atravessa o relvado com a postura implacável do lutador russo do Rocky, iluminado pelos holofotes como se estivesse ali para nocautear a diplomacia mundial. O presidente mais polémico do século XXI avança com a taça na mão para entregá-la ao Cristiano Ronaldo, num momento tão improvável que faria tremer metade do Twitter português. É a fotografia capaz de deixar milhares de pessoas a suarem frio, sem saber se comemoram, se fingem indignação ou se bloqueiam o X para não lidar com a própria incoerência. Bastava aquela imagem, Trump, Cristiano e a taça, para deixar os moralistas nacionais à beira de um ataque de nervos. Portugal campeão do mundo e, paradoxalmente, metade do país a precisar de ir respirar para dentro de um saco de papel.

At last but not least! A França. A França! Perder o Mundial para Portugal nos EUA teria a beleza estranha das coincidências perfeitas. Uma daquelas ironias do destino que parecem encenadas. Entre a velha rivalidade com os americanos e a ferida ainda aberta de 2004, este cenário soaria a poema kármico: uma derrota francesa com bandeiras dos EUA ao fundo, como se o universo tivesse sentido de humor.

Obviamente, isto não passa de um devaneio, não totalmente improvável, de quem tem aversão a bullying. O Cristiano, pelo seu empenho e dedicação, merecia ganhar esse título, e os portugueses mereciam o primeiro Mundial, ganho precisamente pelo português mais cromo de todos os tempos.

Título, Imagens e Texto: Silvana Lagoas (é mãe a tempo inteiro, autodidata, livre pensadora) ContraCultura, 20-11-2025

Relacionado:
Cristiano Ronaldo na Casa Branca 👏

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-