Aleksandr Soljenítsin
“A escolta abre fogo sem
aviso!” Nesta fórmula está contido todo o estatuto especial da escolta, o seu
poder sobre nós, para além da lei.
Ao dizer “escolta” usamos a
palavra habitual do Arquipélago: dizia-se também (e até com mais frequência nos
ITL) – Vojhra ou simplesmente “Okhra”. Mas o nome oficial era Voieniziróvannaia
Strelkóvaia Okhrana (Guarda Militarizada de Infantaria) do MVD, e “escolta”
era apenas um dos serviços possíveis da Vokhra, a par dos serviços “de guarda”,
“de zona”, “de cordão” e “de divisão”.
O serviço de escolta, mesmo
quando não há guerra, é comparável ao da frente. A escolta não teme quaisquer
julgamentos e não tem de dar explicações. Qualquer um que dispare tem razão.
Qualquer morto é culpado, porque queria fugir ou saiu de linha.
Aqui temos duas mortes no campo de Ortau(multiplique-se pelo número de campos). Um fuzileiro conduz um grupo sob escolta, um preso sem escolta aproxima-se da sua namorada que vai no grupo, e caminhou ao lado dela.
“Afasta-te” – “Isto incomoda-te?” Um disparo. Morto.
Um julgamento de comédia, o
fuzileiro foi ilibado: ofendido no desempenho das suas funções.
Um zek se aproxima, com um
papel na mão, de outro fuzileiro que estava de guarda. (no dia seguinte ia sair
em liberdade.) Pediu: “Deixa-me passar, vou à lavandaria (fora da zona), é só
um instante!” – “Não se pode”. – “Mas eu amanhã saio em liberdade, parvo!”
Disparou. E nem sequer foi a julgamento.
Em 1938, perto do Ural, junto
ao rio Vichera, um incêndio florestal avançava como um furacão – da floresta em
direção a dois campos. O que fazer dos zeks? Era preciso decidir em minutos,
não havia tempo para consultas. A guarda não os deixou sair e morreram todos
queimados. Assim mesmo, tranquilamente. Mas se os soltassem e eles fugissem, a guarda
seria julgada.
Não há dúvida que a seleção da guarda armada do MVD tinha uma grande importância no ministério. Mas o verdadeiro recrutamento e treino científico dessas tropas só começou com o aparecimento dos Campos especiais – no final dos anos 40 e princípio dos 50. Passaram a incorporar nelas apenas rapazes de dezanove anos e a submetê-los de imediato a uma intensa radiação ideológica.
Antes disso, a composição da
Vokhra era por vezes variegada. Suavizou-se em especial durante os anos da
guerra germano-soviética: os jovens mais bem treinados (com “boa raiva”) tinham
de ir para a frente, e a Vokhra ficava com os fracos reservistas, inaptos por
motivos de saúde para o exército ativo e, no capítulo da raiva, totalmente
impreparados para o Gulag (não tinham sido educados sob o regime soviético).
Nina Samchel recorda o seu pai, que me 1942, homem já de certa idade, foi chamado ao exército e mandado servir como guarda num campo da região de Arkhanguelsk. A família também se mudou para junto dele. «Em casa, o pai falava amargamente sobre a vida no campo e os bons homens que lá se encontravam. Quando o papá tinha de ir sozinho guardar uma brigada de trabalho agrícola, eu ia muitas vezes vê-lo e ele me deixava falar com os presidiários.
Os presos respeitavam muito o papá: nunca
era grosseiro e eles diziam-me: “Se todos os soldados da escolta fossem como o
teu papá!”. Ele sabia que muitas pessoas inocentes estavam presas, e
indignava-se sempre, mas só em casa – era impossível falar assim na seção, isso
dava julgamento». No final da guerra desmobilizou-se imediatamente.
Mas também por Samchel não se
pode avaliar a Vkhra do tempo da guerra, como o prova o seu destino ulterior:
logo em 1947 foi ele próprio detido, segundo o artigo 58! Em 1950, em estado
quase moribundo, foi solto e morreu em casa cinco meses depois.
Depois da guerra essa guarda
difusa ainda se manteve durantes uns dois anos, e chegou a um ponto que muitos
dos guardas começaram a falar do seu serviço como um “período de pena”: “Quando
acabar o meu tempo”. Compreendiam a vergonha do seu serviço, do qual nem aos
vizinhos podiam falar.
Naquele mesmo campo de Artau,
um soldado roubou de propósito um objeto do serviço cultural e educativo, foi
destituído, julgado e logo anistiado – e os outros fuzileiros ficaram com
inveja: safou-se! valente!
Natália Stoliárova lembra-se
de um fuzileiro que a deteve no início de uma fuga e encobriu essa tentativa,
de modo que ela não foi punida.
Um outro suicidou por amor de
uma presidiária que tinha sido transferida.
Antes da introdução de medidas
verdadeiramente severas nos campos das mulheres, estabeleciam-se entre estas e
os membros da escolta boas relações de amizade e por vezes até relações amorosas.
Nem mesmo o nosso grande Estado conseguia esmagar em toda a parte o bem e o
amor.
Texto: Aleksandr Soljenítsin, in “O Arquipélago Gulag”, páginas 362, 363 e 364; Digitação: JP, 26-11-2025
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