Lourenço Ribeiro
À altura em que escrevo,
muitos devem pensar que já decidi o meu voto nas eleições presidenciais. Mas,
na verdade, ainda não decidi.
Isto porque considero que
Gouveia e Melo tem feito uma figura cada vez mais triste. Primeiro, lembrou-se,
muito provavelmente por conveniência, de informar o país de que passara a
precisar de militares que caiam na “tentação da política”, dispensando “cordas”
para os “enforcar”. Lá se vai o que dissera a 28 de Outubro de 2021. Depois, expressou o
orgulho pelo seu próprio país ao afirmar que “passados 10 anos, um imigrante é tão
português como nós”. E, por último, para que ninguém se esquecesse de que cai
facilmente nas armadilhas de André Ventura, acusou o seu concorrente de ter entrado num “corrupio
de xenofobismo e racismo” e de adotar comportamentos que a “democracia não deve
tolerar”.
Aproveitou também para agitar
o fantasma do etno-nacionalismo, insinuando que, em Portugal, existe uma epidemia de
políticos e outras pessoas convencidas de que a imigração se deve definir “pela
cor ou pelos trajes” das pessoas que nós, portugueses, acolhemos. Como se o
nosso antigo império tivesse sido situado por completo na Europa latina,
caucasiana ou eslava.
E não escapou à fórmula da histeria anti-Ventura, tendo comentado que os cartazes “Isto não é o Bangladesh” e “Os ciganos têm de cumprir a lei” correspondem a um tipo de comunicação de “racismo puro e duro”, próprio de um discípulo de Salazar ou de um imitador de Hitler, conforme as circunstâncias sejam ditadas pelo mediatismo e por essa corrente de “pseudo-antifascismo”. Pelos vistos, não passa pela cabeça de ninguém que o líder do Chega está apenas a recorrer a uma frase retirada de um videoclipe criado com inteligência artificial por um anónimo evidentemente desdenhoso de tudo o que ele representa, e a usá-la em proveito próprio, mostrando que, numa democracia, é preciso saber ter sentido de humor e até transformar as paródias feitas pelos seus críticos numa vantagem política.
António José Seguro, que,
apesar de tudo, continua a ser um dos membros mais honestos e inteligentes do
Partido Socialista (PS), não escapou à moda e considerou os cartazes “inaceitáveis” e suscetíveis de
“repúdio”. Certamente, no dia 15 de novembro, não deixará de aproveitar a
prometida “convenção pela democracia (…) para falar desse regime
nos seus aspetos formais” e na sua forma “substantiva”. É difícil discordar de
que, para além das eleições, dos direitos de representação e da distribuição de
responsabilidades entre os órgãos de soberania, há muito a fazer para assegurar
a realização da justiça, combater a pobreza, facilitar o crescimento económico
e garantir a igualdade perante a lei. Mas Seguro não poupará palavras para
tentar justificar a convicção de que o extremismo encontra no Chega um exemplo.
Todos nós, uns mais do que
outros, já esperávamos isto. E, para piorar, o advogado e, até 2022, professor
de Direito no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), António Garcia
Pereira, apresentou, na última semana de Outubro, uma queixa
ao procurador-geral da República, Amadeu Guerra, com o objetivo de extinguir o
Chega enquanto partido político.
Convencido de que o perfil
racista e fascista do partido é óbvio para todos, Garcia Pereira beneficia da
ignorância de muitos que não sabem que, por detrás de um jurista com o espaço
mediático que tem tido, está um ex-candidato às legislativas de 2015 por um
partido, o PCTP/MRPP (Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses/Movimento
Reorganizativo do Partido do Proletariado), que distribuiu, nesse ano, panfletos onde se podia ler “Morte aos traidores! Fora
do Euro”.
Tendo-se conformado com a
decisão última do partido (tomada certamente por pressão social), em virtude
das “queixas apresentadas
publicamente e referidas por órgãos de comunicação social”, da “iminente
decisão da Comissão Nacional de Eleições sobre a eventual suspensão dos tempos
de antena do PCTP/MRPP” e, não menos importante, das reservas apresentadas por
José Machado, então cabeça de lista por Braga, e pelos “camaradas da Madeira –
na pessoa da Fernanda Calaça –”, além da então mandatária para a Juventude e,
possivelmente, outros militantes, Pereira admitiu que a frase não teve “o mérito de
isentar os traidores do opróbrio e da morte certa que os espera”.
Esta afirmação, vinda de um
dos mais antigos e destacados militantes do partido maoísta, torna pouco
plausível que o advogado e político esteja realmente convencido de que a
distribuição e a exposição de cartazes com aquela frase tenham sido uma
“sabotagem de campanha”, como escreveu mais
tarde num dos seus artigos para justificar a sua desfiliação do partido.
Tendo sido, até Novembro de
2015, membro do Comité Permanente do Comité Central do MRPP, é indesmentível
que o advogado português participou, até há dez anos, num projeto comum com
figuras como Arnaldo de Matos, que, no mês seguinte aos atentados de 13 de
Novembro de 2015, em Paris, escreveu no site do órgão central do partido, Luta
Popular, que “não é o islamismo, mas o imperialismo a causa real, verdadeira e
única do ataque”. Desenvolvendo o seu argumento, o fundador do partido
maoísta continuou: “os atacantes de Paris nem chocolates roubaram:
levaram a guerra aos franceses, apenas para acordá-los — para lembrar-lhes que
o governo e as forças armadas do imperialismo francês estão, em nome da França
e dos franceses que julgam ter o direito de se poderem divertir impunemente no
Bataclan, a matar, a massacrar, a aterrorizar com crueldade inenarrável os
povos do mundo”.
É importante referir que
Arnaldo de Matos, autor destas palavras e amigo de longa data de Garcia
Pereira, ordenou a suspensão deste e de outros membros do Comité Permanente do
Comité Central, no contexto de uma luta interna dentro do partido. Portanto, é
relevante saber que as relações de Garcia Pereira com o partido comunista
“anti-revisionista” já não eram saudáveis. Contudo, nos oito artigos que o
atual queixoso do pseudo-fascismo divulgou online
para explicar a sua decisão de se afastar do PCTP/MRPP, não fez qualquer
referência ou crítica às palavras de Arnaldo de Matos, que, aliás, acusou o Partido Comunista Marxista-Leninista Francês,
por ter condenado aqueles ataques terroristas, de hipocrisia e de ter
abandonado “a revolução proletária, o comunismo e a classe operária”.
De resto, embora não tenha
encontrado fontes documentais que o comprovem, um marxista assumido, insuspeito
de qualquer simpatia pelo Chega, por André Ventura ou pela direita, contou-me
que o PCTP/MRPP, na década de 1980, chegou a defender o Sendero Luminoso, a
guerrilha de inspiração maoísta que, segundo a Comissão da Verdade e
Reconciliação do Peru (CVR), foi responsável pela
morte de aproximadamente 30 mil pessoas, incluindo militares, polícias,
políticos e civis.
Quando Otelo Saraiva de
Carvalho, que foi preso preventivamente por ter sido acusado pelo Ministério
Público de ter fundado e dirigido a organização terrorista Forças Populares 25
de Abril (FP-25) admitiu, numa entrevista, que acreditava que Portugal
“precisa de um homem com inteligência e a honestidade do ponto de vista do
Salazar” para resolver uma crise económico-social, foi só mais uma opinião.
Quando Mário Soares, que sempre se apresentou como
“inimigo de Salazar”, opinou, noutra entrevista que “nem no tempo de Salazar (…)
se via pessoas a revolver caixotes do lixo para comerem”. Mas quando André
Ventura é entrevistado e afirma entender que, para enfrentar muitos problemas
estruturais da sociedade, da economia e da política portuguesas, são precisos 3
Salazares, parece que o mundo acaba. É um duplo-padrão a que nós não devíamos
estar habituados.
Mais uma vez, insisto que não
decidi em quem votarei nas próximas presidenciais. Apesar de ter votado em
André Ventura nas duas últimas eleições legislativas e de ser militante do
Chega, considero que o seu fundador, dotado de inteligência e carisma indesmentíveis,
é, por enquanto, uma personalidade incapaz de agregar pessoas de diferentes
correntes intelectuais e ideológicas. Não duvido da sua capacidade para liderar
um governo ou assumir responsabilidades numa eventual coligação de direita, e
acredito que, nessa condição, poderia encaminhar o país numa boa direção. No
entanto, continua, a meu ver, demasiado enviesado e pouco associado à imagem de
neutralidade que se exige a quem ambiciona a chefia de estado. Nos convívios
que tenho com outros militantes do partido, não faltam aqueles que consideram
que Ventura foi um pouco longe demais ou que, simplesmente, está a adotar um
estilo de campanha mais condizente com a ambição de ser primeiro-ministro, uma
perspetiva com a qual não tenho dificuldade em identificar-me.
Aqui, eu poderia nem estar a
defender Ventura. E nunca o absolverei dos seus excessos. Mas reconheço que a
qualidade debate político se deteriora à medida que os antigos moralistas da
extrema-esquerda ou da esquerda radical se erguem, com a ajuda da academia e
dos mais importantes veículos de comunicação, como paladinos da democracia. E,
do lado dos candidatos, e já nem falemos no caso de Ana Gomes, que concorreu
contra Ventura em 2020-21, apressam-se a declarar fidelidade a um ideal de
sabedoria e de tolerância a que, na verdade, não aderem. Outro aspecto que
jamais contribuirá para a elevação do debate político (e público) em Portugal é
esta dependência do medo de ser mal interpretado, algo que Ventura
manifestamente não tem. A histeria antifascista, que é um reflexo da confusão
existente entre excomunhão e crítica, e entre divergência e crime de
pensamento, só atrasa o diagnóstico dos verdadeiros problemas e a formulação
das soluções mais eficazes. A este ritual de hipocrisia poderá, ainda, suceder
a ilegalização do segundo maior partido político português, o que criaria
precedentes muito graves. Espero que o país saiba ouvir quem deve ouvir, e
consultar quem deve consultar.
Título, Imagem e Texto: Lourenço
Ribeiro (licenciado em Sociologia pela FLUP e mestrando em Políticas
Públicas pelo ISCTE. É filiado ao Instituto Trezeno), ContraCultura,
19-11-2025

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