Silvana Lagoas
Alguns dias depois do terror
nas favelas do Rio de Janeiro, deparei-me, nas redes sociais, com o fenómeno
Tremembé. A série que retrata a vida de reclusas do presídio
homónimo. Ficou ainda mais evidente o fascínio pela decadência.
Há quem já chame Tremembé de
“o prédio das estrelas” e diga isso com um certo orgulho. Espantem-se: não se
trata de personalidades públicas que cometeram crimes, mas de criminosas
brutais que se tornaram famosas justamente pelos crimes que cometeram. Crimes
verdadeiramente horríveis.
O caso mais popular é o de Suzane von Richthofen, uma jovem de 19 anos que planeou o assassinato dos próprios pais, mandou executar o crime e assistiu ao resultado sem pestanejar. Foi um crime premeditado, frio e meticulosamente orquestrado. Desde o início ficou claro que não havia ali nenhum surto, apenas cálculo.
A psicopatia não é uma doença,
é um traço de personalidade, e por isso mesmo não tem cura. Não se trata de uma
fase, mas de uma essência irreversível. Suzane nunca demonstrou arrependimento
pela morte dos pais, nem pelo sofrimento que causou ao irmão. Pelo contrário,
lamentou apenas ter arruinado a própria vida.
Durante os vinte anos de pena,
conseguiu passar no ENEM e iniciar uma licenciatura em Direito. Ironicamente,
tinha o direito de sair no Dia das Mães.
Hoje está em liberdade. Recebeu a herança da avó e chegou a tentar reivindicar a dos pais. Enquanto esteve presa, acumulou dinheiro com entrevistas, livros e filmes. Quando saiu em liberdade, constituiu família e abriu um negócio. Vive agora uma vida que a maioria dos brasileiros só pode imaginar.
Se antes Suzane optava por uma
vida discreta, agora, graças à série, voltou a ganhar visibilidade. O interesse
do público devolveu-lhe a exposição que o crime lhe tinha custado. E é isso que
me incomoda profundamente: perceber que o tempo, a fama e a curiosidade
conseguem limpar até o sangue das mãos de uma assassina.
Talvez o problema não esteja
apenas na violência do acto, mas na conivência de quem o transforma em
entretenimento. A violência não acaba com uma condenação; é alimentada pela
curiosidade mórbida. É o público quem recicla o horror, quem o partilha, quem o
torna rentável. E quanto mais cruel for a história, maior o fascínio.
A indústria do entretenimento
aprendeu a explorar esse apetite. Sabe que a violência vende, que o crime
desperta curiosidade e que a tragédia humana rende audiência. O sofrimento
tornou-se um produto rentável, embalado em séries e documentários que fingem
refletir sobre o mal, mas apenas o reproduzem com melhor fotografia.
O que me entristece é perceber
como o espanto desapareceu. Já não há choque, só curiosidade. A dor tornou-se
conteúdo, e a crueldade, rotina. A psicopata cumpriu pena e voltou à vida.
Eu, que nunca fui vítima nem
cúmplice, saio destas histórias sempre com a sensação de ter perdido algo de
mim.
Título, Imagem e Texto: Silvana Lagoas, ContraCultura, 12-11-2025

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