João Maurício Brás
(...)
A hostilidade à liberdade de expressão e de pensamento é uma das características principais desta ideologia falsificadora, pseudodemocrática, pseudoliberal, pseudoprogressista, que domina as democracias ocidentais e a sua visão concentracionária do mundo que perverteu os conceitos mais emblemáticos.
Conceitos como direitos
humanos, tolerância, igualdade, liberdade de imprensa são agora vacuidades e
peças de propaganda.
Neste pouco admirável mundo
novo vão ganhando força comitês e comissões estatais (incluindo secretarias de
Estado e até ministérios) que vigiam e corrigem os pensamentos errados e punem
as pessoas que os utilizam, imputando-lhes comportamentos criminosos.
Esses comitês policiam livros,
expressões, ideias e opiniões, formatam currículos escolares, patrocinam cursos
e conferências e impõem leis.
Tornou-se cada vez mais comum
encontrar pessoas, que, na sua vida privada, no local de trabalho, nas redes
sociais, expõem e denunciam quem não pensa de acordo com a novilíngua.
Patrulhas da linguagem e do
comportamento são normais e a academia transforma cursos em campos de treino de
justiceiros sociais que integram as fileiras dos grupos ativistas com forte
influência na mídia, na educação, na justiça e na política.
A novilíngua progressista é o
novo idioma oficial. (Recordemos o jargão neoliberal, pois o manicômio
contemporâneo não é apenas sobre comportamentos. Os despedimentos são agora
designados por flexibilização, o desemprego será uma oportunidade, a
estabilidade profissional uma acomodação indesejável, o crescimento econômico e
a produtividade têm valor totêmico.
Ora, por exemplo, o pânico com as alterações climáticas não devia ser conjugado com esses conceitos?, etc). Quem não interiorizou o pensar e o agir da novilíngua no plano dos valores e da visão economicista da existência incorre em “crimeideias”.
Todos os conceitos do pesadelo
orwelliano têm agora o seu uso mais apropriado. O “negrobranco” é o modelo de
inúmeros conceitos da novilíngua como da respectiva estutura cognitiva. A mesma
palavra tem dois sentidos contraditórios, conforme se aplique a um adversário
ou a um membro de um “partido”. Por exemplo, fazer humor com as modas culturais
será sintoma de uma qualquer patologia criminosa; o racismo é abjeto como ação
de um branco dirigida a um negro, mas compreensível se dirigida por um negro a
um branco.
O “duplipensamento” é sinônimo
de dissonância cognitiva, da necessidade de encontrar uma coerência, uma
racionalidade para a inadequação entre aquilo em que se acredita e aquilo que
acontece.
Há uma censura boa, a do
“partido”, a da “causa” e uma censura má e inaceitável, a dos outros. Uma
tolerância boa e outra má, uma repressão boa e outra má. É espantoso que
gerações com acesso ao estudo e à informação em sociedades consideradas livres
e abertas pratiquem o duplipensar em detrimento do espírito crítico e
informado.
A defesa de duas crenças ou
conceitos opostos é cada vez mais comum. Expressões como “a minha ideologia é a
mais civilizada”, “o que está para trás é retrógado”, “estou a defender o
progresso”, “não podes pensar assim, vamos eliminar o teu modo de pensar” são
compatíveis com “Nunca como hoje se defendeu tanto a liberdade de expressão”.
Prega-se a tolerância, luta-se
pela liberdade de expressão ao mesmo tempo que se é intolerante face a qualquer
opinião contrária. Pensar criticamente pode ser confundido com discurso de
ódio. Defende-se a liberdade de expressão, mas proíbe-se quem nos contradiz.
Somos livres, mas não podemos
pensar livremente sobre as verdades da mundividência oficial. Temas como o
casamento homossexual, o aborto, a eutanásia, a coadoção, a transexualidade
etc. não podem ser questionados e o questionamento será criminalizado.
Outra característica desta
armadilha, cada vez mais comum, é que as pessoas acreditam deliberadamente em
mentiras, em afirmações infundadas e incoerentes, mas que são apresentadas como
indiscutíveis e de elevado valor cultural, moral e civilizacional. O que os
outros dizem são fake News, temos a visão correta do mundo perante uma visão
falsa que a nossa desmascara.
Quando um grupo pretende fazer
valer reivindicações falsificadas e um qualquer dogma obtuso, agita a bandeira
da luta pela igualdade e invoca uma terrível opressão histórica da qual se é
vítima. Por exemplo, no caso do aborto, invocam-se direitos das mulheres, em
relação à eutanásia defende-se a liberdade de escolha, no suicídio assistido
trata-se da vida digna.
Em janeiro de 2019, um cidadão
morreu na rua na miséria e solidão, devorado por ratos, na cidade de Almada (Portugal). (NdE: O município de Almada é administrado por uma Câmara
Municipal composta por 11 vereadores. Em 2017, Inês de Medeiros, do Partido
Socialista venceu a câmara de Almada à CDU – Partido Comunista Português + um
satélite criado por ele –, que governava o município desde as primeiras
eleições pós-25 de Abril.). Não mereceu notícia, mas se alguém fizer uma
piada sobre gays, mulheres ou etnias terá problemas sérios e será
notícia em todos os média. Estes são exemplos de uma estratégia mais vasta onde
as teses culturalistas e relativistas são apresentadas como dogmas
civilizacionais.
A lógica dos grupos culturais
que se apresentam com a explicação central da história oferece-nos exemplos inesgotáveis
dessa prática. É considerada convicção normal que ninguém nasce homem nem
mulher, que a vontade expressa de uma criança deve ser realizada, podemos ser
aquilo que quisermos, o gênero é uma construção, há uma indiferenciação
identitária; a história da humanidade compreende-se olhando para a tirania
masculina que reduziu a mulher a um objeto de valor secundário tal como o
racismo praticado por muçulmanos e africanos durante séculos não existiu. Este
modo de pensar falsifica a realidade com o fim de torná-la resultado de um pensamento
único.
A normalização do duplipensar
não é um acaso, mas o resultado de um aturado trabalho ideológico com objetivos
precisos. Ideias que se consideram grandes avanços civilizacionais não passam
de slogans e ideias feitas são vividas como se fossem escolhas pessoais e
grandes passos do desenvolvimento.
Estas descobertas não passam
de inoculações mentais assimiladas como verdades autoevidentes e
autorreferenciais, espécie de alucinação de sentido que não pode ser criticado
e que depois é replicado de modo automático como uma boa nova irrecusável.
(...)
Texto: João Maurício Brás, in “Os democratas que destruíram a Democracia”, páginas 47 a 49
Digitação: JP, 9-9-2021
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