quinta-feira, 9 de setembro de 2021

A novilíngua progressista é novo idioma oficial

João Maurício Brás

(...)

A hostilidade à liberdade de expressão e de pensamento é uma das características principais desta ideologia falsificadora, pseudodemocrática, pseudoliberal, pseudoprogressista, que domina as democracias ocidentais e a sua visão concentracionária do mundo que perverteu os conceitos mais emblemáticos.

Conceitos como direitos humanos, tolerância, igualdade, liberdade de imprensa são agora vacuidades e peças de propaganda.

Neste pouco admirável mundo novo vão ganhando força comitês e comissões estatais (incluindo secretarias de Estado e até ministérios) que vigiam e corrigem os pensamentos errados e punem as pessoas que os utilizam, imputando-lhes comportamentos criminosos.

Esses comitês policiam livros, expressões, ideias e opiniões, formatam currículos escolares, patrocinam cursos e conferências e impõem leis.

Tornou-se cada vez mais comum encontrar pessoas, que, na sua vida privada, no local de trabalho, nas redes sociais, expõem e denunciam quem não pensa de acordo com a novilíngua.

Patrulhas da linguagem e do comportamento são normais e a academia transforma cursos em campos de treino de justiceiros sociais que integram as fileiras dos grupos ativistas com forte influência na mídia, na educação, na justiça e na política.

A novilíngua progressista é o novo idioma oficial. (Recordemos o jargão neoliberal, pois o manicômio contemporâneo não é apenas sobre comportamentos. Os despedimentos são agora designados por flexibilização, o desemprego será uma oportunidade, a estabilidade profissional uma acomodação indesejável, o crescimento econômico e a produtividade têm valor totêmico.

Ora, por exemplo, o pânico com as alterações climáticas não devia ser conjugado com esses conceitos?, etc). Quem não interiorizou o pensar e o agir da novilíngua no plano dos valores e da visão economicista da existência incorre em “crimeideias”.

Todos os conceitos do pesadelo orwelliano têm agora o seu uso mais apropriado. O “negrobranco” é o modelo de inúmeros conceitos da novilíngua como da respectiva estutura cognitiva. A mesma palavra tem dois sentidos contraditórios, conforme se aplique a um adversário ou a um membro de um “partido”. Por exemplo, fazer humor com as modas culturais será sintoma de uma qualquer patologia criminosa; o racismo é abjeto como ação de um branco dirigida a um negro, mas compreensível se dirigida por um negro a um branco.

O “duplipensamento” é sinônimo de dissonância cognitiva, da necessidade de encontrar uma coerência, uma racionalidade para a inadequação entre aquilo em que se acredita e aquilo que acontece.

Há uma censura boa, a do “partido”, a da “causa” e uma censura má e inaceitável, a dos outros. Uma tolerância boa e outra má, uma repressão boa e outra má. É espantoso que gerações com acesso ao estudo e à informação em sociedades consideradas livres e abertas pratiquem o duplipensar em detrimento do espírito crítico e informado.

A defesa de duas crenças ou conceitos opostos é cada vez mais comum. Expressões como “a minha ideologia é a mais civilizada”, “o que está para trás é retrógado”, “estou a defender o progresso”, “não podes pensar assim, vamos eliminar o teu modo de pensar” são compatíveis com “Nunca como hoje se defendeu tanto a liberdade de expressão”.

Prega-se a tolerância, luta-se pela liberdade de expressão ao mesmo tempo que se é intolerante face a qualquer opinião contrária. Pensar criticamente pode ser confundido com discurso de ódio. Defende-se a liberdade de expressão, mas proíbe-se quem nos contradiz.

Somos livres, mas não podemos pensar livremente sobre as verdades da mundividência oficial. Temas como o casamento homossexual, o aborto, a eutanásia, a coadoção, a transexualidade etc. não podem ser questionados e o questionamento será criminalizado.

Outra característica desta armadilha, cada vez mais comum, é que as pessoas acreditam deliberadamente em mentiras, em afirmações infundadas e incoerentes, mas que são apresentadas como indiscutíveis e de elevado valor cultural, moral e civilizacional. O que os outros dizem são fake News, temos a visão correta do mundo perante uma visão falsa que a nossa desmascara.

Quando um grupo pretende fazer valer reivindicações falsificadas e um qualquer dogma obtuso, agita a bandeira da luta pela igualdade e invoca uma terrível opressão histórica da qual se é vítima. Por exemplo, no caso do aborto, invocam-se direitos das mulheres, em relação à eutanásia defende-se a liberdade de escolha, no suicídio assistido trata-se da vida digna.

Em janeiro de 2019, um cidadão morreu na rua na miséria e solidão, devorado por ratos, na cidade de Almada (Portugal). (NdE: O município de Almada é administrado por uma Câmara Municipal composta por 11 vereadores. Em 2017, Inês de Medeiros, do Partido Socialista venceu a câmara de Almada à CDU – Partido Comunista Português + um satélite criado por ele –, que governava o município desde as primeiras eleições pós-25 de Abril.). Não mereceu notícia, mas se alguém fizer uma piada sobre gays, mulheres ou etnias terá problemas sérios e será notícia em todos os média. Estes são exemplos de uma estratégia mais vasta onde as teses culturalistas e relativistas são apresentadas como dogmas civilizacionais.

A lógica dos grupos culturais que se apresentam com a explicação central da história oferece-nos exemplos inesgotáveis dessa prática. É considerada convicção normal que ninguém nasce homem nem mulher, que a vontade expressa de uma criança deve ser realizada, podemos ser aquilo que quisermos, o gênero é uma construção, há uma indiferenciação identitária; a história da humanidade compreende-se olhando para a tirania masculina que reduziu a mulher a um objeto de valor secundário tal como o racismo praticado por muçulmanos e africanos durante séculos não existiu. Este modo de pensar falsifica a realidade com o fim de torná-la resultado de um pensamento único.

A normalização do duplipensar não é um acaso, mas o resultado de um aturado trabalho ideológico com objetivos precisos. Ideias que se consideram grandes avanços civilizacionais não passam de slogans e ideias feitas são vividas como se fossem escolhas pessoais e grandes passos do desenvolvimento.

Estas descobertas não passam de inoculações mentais assimiladas como verdades autoevidentes e autorreferenciais, espécie de alucinação de sentido que não pode ser criticado e que depois é replicado de modo automático como uma boa nova irrecusável.

(...)

Texto: João Maurício Brás, in “Os democratas que destruíram a Democracia”, páginas 47 a 49
Digitação: JP, 9-9-2021

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