quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Pensar não é fascista

João Maurício Brás

Pensar não é racista, discordar da ideologia dominante não é ser fascista, divergir de determinadas premissas de movimentos ativistas não é ser machista, homofóbicos ou homofóbico. Votar nos candidatos que não os do partido e da versão oficial não é ser antidemocrata.

O leite não é a bebida preferida dos supremacistas brancos, como diz uma das mais representativas associações de defesa dos animais, ler clássicos infantis, mudar fraldas a bebês sem o consentimento destes, ou pedir a um filho para beijar o avô, contra vontade, porque o avô é velho, ou não lhe apetece, não é contribuir para uma cultura machista e de violação.

Dizer que o feminismo do século XXI é risível e perigoso não é ser contra a igualdade de direitos entre homens e mulheres, considerar anacrônico olhar quinhentos anos para trás e dizer que não temos de reparar nem pedir perdão pela escravatura não é ser colonialista.

As agendas progressistas e a visão neoliberal do mundo, escudada nos seus instrumentos de manipulação, a mídia, nos ativismos e numa ideologia autoritária destruíram as boas tentativas de construir sociedades democráticas assentes no bem comum, na livre iniciativa e no verdadeiro progresso e nos valores liberais.

Vivemos num mundo fake e pseudo, criticamos os conceitos de progresso, liberalismo e democracia, e são criticáveis, mas principalmente porque é em nome deles, da traição das suas origens, que se funda a mundividência pós-moderna pseudodemocrata. As bandeiras da justiça e da liberdade, em nome das quais se diz agir, transformaram-se em visões caricatas que não podemos questionar.

Seguem-se dois exemplos escolhidos aleatoriamente que tipificam o feminismo deste século.

Asia Bibi, mãe de cinco filhos, em 2010, foi condenada no Paquistão por blasfémia, crime que implica a pena de morte.

Asia é católica e, num dia de trabalho no campo, bebeu água de um jarro de uma muçulmana. Em 2018, a pena estava em vias de ser comutada. Passou nove anos na prisão à espera da morte por beber água.

Este caso mereceu levantamentos midiáticos a nível mundial com a caução da elite midiática? Nem por isso, apenas uns frêmitos, não é uma estrela de cinema, da música ou uma qualquer gestora indefesa perante uma qualquer proposta sexual ou de um piropo idiota.

Esta é a diferença entre os problemas fundamentais da humanidade e as causas hipócritas e vingativas dos ativismos ocidentais como o feminismo desembestado do século XXI.

Outro exemplo: em 2019, surgiram t-shirts com a inscrição “justiça de gênero”, com o preço de vinte euros. O dinheiro angariado seria entregue ao Comic Relief para a luta pela igualdade das mulheres. Mais uma iniciativa do neofeminismo ativista.

Esta campanha foi lançada pela banda musical Spice Girls. As t-shirts foram produzidas no Bangladesh por mulheres pagas a quarenta cêntimos a hora, trabalhando para além das oito horas diárias e sofrendo maus tratos.

As condições de trabalho destas mulheres são tais que algumas confessam não conseguirem sequer comprar roupas para os filhos.

Pensar, expressar as nossas ideias e opiniões, se não partilhamos o que deve ser considerado correto e evoluído, não é criminoso ou resultado de uma conspiração diabólica. Quem pensa diferente não tem de ser obrigatoriamente um perigoso fascista.

Perseguições, autos de fé, fogueiras, puros e ímpios repetem-se em todas as épocas e não são prerrogativas das religiões ou de sistemas políticos azuis, castanhos ou verdes.

Novos totalitarismos cada vez mais demenciais nascem mesmo nas democracias mais consolidadas.

A censura, a mentira, a mercantilização de tudo, a manipulação, argumentar que estamos do lado certo da história são sementes das ditaduras.

Questionar, ter uma atitude crítica, reflexiva, problematizadora, desenvolver um espírito crítico e analítico são atividades fundamentais que nos distinguem das outras espécies.

Não se trata apenas de um prazer ou necessidade intelectual, mas de pensar para viver melhor, de modo mais livre e sensato, compreender o nosso justo lugar, aprender a viver conosco e com os outros. É necessário descontruir a desconstrução e o aparato do espetáculo e da festa na produção de seres imbecilizados em que está convertida a encenação deste mundo.

O nosso frenesim é perturbador e cada época tem as suas taras, mas o patrimônio da experiência de milhares de anos é uma boa base para lutarmos contra os delírios que tornam a vida ainda mais desprovida de sentido.

Aprender a contemplar, a partilhar e a transmitir o que de melhor sabemos e fazemos aos que continuarão após a nossa partida, agradecer os dias, apesar da vida ser uma corrida imparável para a morte, pode ser o profundo prazer da nossa existência.

Os defensores do politicamente correto, os relativistas cínicos, os ativismos das agendas progressistas são os talibãs do Ocidente do século XXI, que também vão derrubando estátuas, corrigindo e julgando o passado e defendendo de modo fundamentalista o seu paraíso.

Comentava um amigo que um jornalista, em 2018, foi morto e desmembrado numa embaixada na Turquia, que também a nossa cultura vai sendo silenciada e desmembrada por uma estranha forma de democracia.

Título e Texto: João Maurício Brás, in “Os democratas que destruíram a Democracia”, páginas 187/189
Digitação: JP, 1-9-2021

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