Os ataques às mudanças no funcionalismo público evidenciam uma velha tara da política: a compulsão por decidir contra os brasileiros
J. R. Guzzo
A reforma proposta pelo governo, e destruída peça por peça por deputados que passam a vida de joelhos diante do funcionalismo público, é uma tentativa muito modesta, racional e realista de segurar um pouco a progressiva privatização do Brasil em favor dos servidores, e a consequente entrega dos recursos de todos para o desfrute de uns poucos — mais ou menos uns 5% da população, incluindo-se as três áreas da administração. (O pior é que a imensa maioria dos funcionários ganha muito pouco; o grosso do dinheiro e dos privilégios vai para as castas superiores. É a desigualdade dentro da injustiça) A intenção da reforma, note bem, era deixar tudo como está para os atuais servidores; ninguém perderia um milímetro do que já tem, daqui até o fim da vida. Tudo o que se pretende é criar regras mais justas para os que entrarem no serviço público a partir de agora — só a partir de agora. Nada feito, decidiram os deputados. É proibido tocar no presente. É proibido melhorar o futuro.
Nada revela tão bem essa
perversão quanto a tentativa de se limitar a estabilidade no emprego para os
funcionários — um presente, pago com o seu dinheiro, que nenhum dos demais 220
milhões de brasileiros tem, ou jamais terá. A intenção era deixar a
estabilidade só para os que exercem “funções de Estado”, como diplomatas, militares
ou servidores da Justiça. Pode haver alguma proposta mais razoável do que essa?
Num país em que os políticos se manifestam histericamente em favor da
“igualdade”, a cada minuto do dia e da noite, a criação de regras iguais, em
matéria de segurança no emprego, para os novos funcionários e todos os demais
brasileiros seria realmente um mínimo. Nem isso eles deixaram fazer. Esqueça,
então, as tentativas de reduzir outras vantagens absurdas. Todas elas são
“direitos adquiridos” e, portanto, sagrados — mesmo para quem ainda nem
adquiriu o direito de entrar no serviço público.
Eis aí como os políticos
brasileiros, com a Constituição que os protege e com as leis que eles mesmos
aprovam, acabaram se tornando geneticamente incapazes de defender qualquer interesse
da maioria quando isso desagrada às minorias a quem prestam servidão. No caso,
o perigo é acabarem fazendo uma contrarreforma, que pode deixar a situação
ainda pior do que já está agora. É o que costuma acontecer a cada vez que os
deputados ganham a oportunidade de proteger ainda mais os seus senhores.
Título e Texto: J. R. Guzzo,
O Estado de S. Paulo, via revista
OESTE, 19-9-2021
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