sexta-feira, 17 de setembro de 2021

[Aparecido rasga o verbo] A gripe das galinhas

Aparecido Raimundo de Souza 

A FAZENDA DE TIO AMÉRICO, irmão do meu pai, em Boituva, interior de São Paulo, é o que se pode chamar, sem sombras de dúvidas, de um paraíso. Todavia, de uns meses para cá, a quinta vem passando por uma desordem dos cambaus. Dez das cem frangas de seu aviário particular, estão com gripe. Uma das galinhas mais velhas, a Gleisi, foi encontrada chorando, de nariz entupido e espirrando. Ao correrem atrás, para medicá-la, notaram um cacarejar meio áspero, consequência, talvez, de alguma amígdala inflamada. 

Mesmo bater de asas, Celso e Gilmar, dois galos reprodutores vindos de Ponta Grossa, igualmente, pelo mesmo problema, estão indóceis. Intocáveis, tipo os chatos de galocha, ou, dito de forma mais contundente, verdadeiros aporrinhadores malas sem alças, nesta manhã, não quiseram cantar. Imaginem que coisa horrível! O primeiro, sequer chegou a deixar o poleiro, onde dorme, à sono solto, com duas franguinhas frescas, a (Rosa e a Carmem), chegadas recentemente de Curralinho, no Pará. 

O outro, amanheceu com indisposição e deveras baqueado para dar trabalho às demais adolescentes do pedaço. Na hora em que foi jogado no meio delas, para escolher qual seria a primeira a entrar na muvuca do bem bom, o infeliz sentiu fortes dores nas pernas e na crista. Por esta razão, saiu do galinheiro direto para as mãos do doutor Fachin, o médico que o Tio Américo mantém dia e noite na propriedade. 

Tal veterinário, contratado pelo tio, disse que é possível, entretanto, não deu certeza, mas os galos podem estar com o vírus conhecido pelos granjeiros como a toga maldita do H711, enquanto as frangas, com o STFH5NI, proveniente da Ásia. Pelo sim, pelo não, os envolvidos foram retirados do convívio com os demais de sua linhagem e colocados sob vigilância, em quarentena, em aposentos separados, com segurança particular, televisão e som ambiente, exatamente para que se restabeleçam e o possível surto da tal gripe (caso realmente seja comprovado), não se espalhe para o restante das cabeças da corte. 

Seria, na concepção de Tio Américo, o caos total. Um crime sem precedentes na história dos seus galináceos. Somente o fato de se cogitar sacrificar as suas indefesas criaturinhas de penas carinhosamente chamadas de — “As Teteias do Tio Ame” —, Tio Américo, sem sombras de dúvidas, perderia o chão, entraria em profundo e inquietante desespero e seria, inclusive, capaz de dar uma bela de uma “pirada” em seu cabeção e culminar chamando o Temer para aconselhá-lo à como sair da crise galopante. 

Tio Américo tem, por suas aves, um amor especial, um carinho inquestionável, incondicional e, acima de qualquer suspeita. É mais fácil um boi voar que o homem matar uma de suas franguinhas, ou na mesma fusão de perplexidade, deixar que algum empregado desavisado o faça. Cogitem, pois, a título de curiosidade, no suposto fato de meu amado tio ter que sacrificá-las por uma doença que ninguém sabe, ao certo, de onde foi que surgiu. Com certeza, o tio setentão entraria em profunda depressão e poderia, até, vir a dar uma de dona Marisa: sair do armário e morrer de desgosto profundo. 

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha, no Espírito Santo. 17-9-2021

Colunas anteriores: 
Desafios 
[Aparecido rasga o verbo] A pergunta que não podia ficar entalada 
Lâmina de corte profundo 
Criaturas de um dia 
Feito um pateta ao desabrigo do caos 
Efeito colateral 
O terceiro testículo

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