José Manuel
Muito se tem falado e escrito sobre a dramática fuga de Afegãos e
estrangeiros, no aeroporto de Cabul, com cenas de deixar envergonhado qualquer
ser humano, na estupidez cometida pelo presidente americano ao ordenar uma
retirada completamente "non sense", deixando para trás vasto material
militar e valiosas vidas humanas à própria sorte.
Cenas como a de pessoas caindo do avião militar na decolagem atabalhoada
são vergonhas para não serem esquecidas, muito menos repetidas.
Curiosamente, no mesmo mês de agosto próximo passado, mas em 1975, e lá
se vão 46 anos, a VARIG, empresa de bandeira brasileira, prestou um dos maiores
serviços humanitários que se tem notícia no mundo, mas que os brasileiros mais
velhos esqueceram e os mais novos nunca irão saber, se nós que participamos
ativamente desse processo nada escrevermos sobre isso.
O Brasil, por sua vez, e suas politicalhas desclassificadas ao longo dos
tempos, em agradecimento a uma empresa privada por estes serviços prestados à
humanidade, permitiu que atos espúrios dizimassem essa empresa, seus
funcionários e ainda tenta a todo custo apagar qualquer vestígio dessa epopeia
vivida por nós. Mas enquanto formos vivos estaremos aqui para lembrar a esses
pulhas e aos brasileiros honestos, aquilo que com orgulho fizemos em nome do
Brasil.
Nunca recebemos, enquanto pessoas, um sequer agradecimento pelo serviço à
pátria com louvor.
No dia 20 de agosto de 1975, a VARIG, a pedido do governo brasileiro, que
à época não dispunha de aeronaves em condições de participar de uma ponte-aérea
humanitária de tamanha envergadura, iniciou a retirada de refugiados do
aeroporto de Luanda, fugindo da guerra que se instalara em Angola, após
Portugal ter concedido a independência àquela sua colônia.
Logo, foram realizados os primeiros 14 voos com os Boeing 707, e eu estava por duas vezes entre os primeiros, mas nada que se comparasse aos episódios de Cabul, pois o governo português teve a hombridade e a responsabilidade de manter as forças armadas em Luanda, até à retirada total dos que queriam sair de lá.
Saíamos do Galeão, ferry, com os tanques abarrotados de querosene, e os
porões de comida, pois não havia como abastecer em Luanda, tanto de combustível
como de alimentos. Usávamos a
configuração Tango de 160 Pax, o que não significava coisa nenhuma pois só
fechávamos as portas quando não havia mais espaço nenhum na aeronave!
No trecho GIG/Luanda, aproveitávamos para descansar ao máximo pois depois
da travessia do Atlântico, era pousar, embarcar e decolar para Abidjã na Costa
do Marfim, escala técnica de reabastecimento, com decolagem imediata para
Lisboa.
Dá para imaginar o que foi aquilo? Se olhar no mapa não dá para acreditar
que fazíamos aquilo, e por volta de mais de vinte horas trabalhando direto sob
pressão, inclusive psicológica, pelos relatos desesperados que ouvíamos durante
o voo todo. Pessoas que perderam tudo, inclusive membros da família e sem comer
nada durante dois, três dias era o mais comum, e alimento e colo era o que
tínhamos a oferecer.
Mas a pressão não parava após chegar a Portugal.
Todos os hotéis em Lisboa naquela época foram requisitados, para alojar os retornados, e o hotel Roma, onde ficávamos, estava abarrotado com pessoas que inclusive haviam sido transportadas por nós, ou seja, depois de uma programação intensa como aquela ainda tínhamos os novos "amigos" para conversar pois passamos a ser a única referência entre eles e o seu mundinho novo.
Vinte Mil Cento e Quarenta quilômetros voados numa mesma programação!
Um estresse físico e emocional, para nunca mais esquecer!
Foi uma experiência e tanto que não gostaria de revivenciar, mas ao mesmo
tempo uma sensação gostosa de dever cumprido me invade, cada vez que recordo
pelo que passei nas asas inesquecíveis da VARIG.
Infelizmente não posso dizer o mesmo com relação ao governo brasileiro da
época, aliás, mais do mesmo, sempre!
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