domingo, 19 de setembro de 2021

[As danações de Carina] Vírus mortal

Carina Bratt

FICO ME PERGUNTANDO, a todo instante: quem é você, que me tirou da mira do sério, me afastou da senda objetiva, me desatou do prumo, me desfraldou da senda que tracei para chegar aos meus objetivos? Quem é você, que me encantou e me alucinou, me abrasou e me faz ver estrelas, me extasiou e, ao mesmo tempo em que me fez ver um mundo cheio de ilusões e assombros, enfeitiços e magias, no minuto seguinte me deu uma tremenda pernada no traseiro, me jogando num buraco fundo, em um poço escuro e embaçado, angustiante e aterrador, de onde não consegui sair? Meu Deus! Quem é você, cara, quem é você, que me desmontou os sonhos, me subverteu aos seus caprichos e estragou os momentos mais bonitos e agradáveis da felicidade plena que vivia pacificamente dentro de mim?

Quem é você que, num estalar de dedos, me tolheu a liberdade de seguir em frente, de ver onde pisava, onde tocava, onde, aliás, estou agora, submissada, que sigo me entregando fraca e cansada, exausta e sem o viço propulsor para me levantar e seguir lutando pela minha vontade de vencer? Quem é você —, você quem é —, canalha sem mãe, que assumi e aceitei, que me entreguei de corpo e alma e não achei como desistir, que não me desprego, que não largo; tampouco abandono ou me divorcio? Quem é você —, você —, afinal, quem é... moço, por favor, me explica: quem é você você, tremenda criatura tresloucada, enigmática, trancada dentro de si mesmo, que me roubou a racionalidade, que me maculou os desejos, deturpou o meu ‘eu’ interior que até então imaginava ser inviolável e intransponível?

Me diga, seu cachorro dos gestos calculados, estuprador dos meus invioláveis, secretos e impenetráveis? Quem é você, diabo em figura de homem, que não contente, me deixou largada, à deriva, em meio a um marzão proceloso de águas profundas e agitadas, avassaladoras, que do nada, aparece e desaparece diante das minhas tremedeiras? Por tudo quanto é mais sagrado, me fale, me esclareça, quem é você que, ao mesmo tempo em que me constrói e me reinventa, me estorva todos os movimentos, me proíbe de enxergar a realidade, o futuro, até mesmo o que está por vir? Que espécie de doença é você, pior, que vírus infame é este, que mal medonho e imortal que não sei como e onde contraí, e, agora, para o desassossego dos meus pecados e ais, me colocou sem saída?

Quem é você maldito devorador de corações puros e castos, que me deixou as mãos e os pés atados, a alma aprisionada, mercê dos seus regozijos... mais pecaminosos? Meu Deus, me explica: que doença é essa que não vejo nenhum médico capaz de me restituir a paz, a felicidade, a tranquilidade... e, sobretudo, me reformar, me corrigir, me consertar, me aperfeiçoar? Quem é você leão de unhas afiadas, que não me situa no tempo ou no espaço, que não me deixa remendar os pedaços do que ontem eu era e tinha o controle? Quem é você, vilipendiador compulsivo que me manuseia, me indica os pontos para onde devo ir ou não? Que droga alucinógena é você, que substância poderosa e mortal brota de você, que me deixa tonta e abestalhada?

Ladrão de inocentes: quem é você que me manobra, me pega, me enrola, me joga na cama, me come, me traça, me engole, me faz ver estrelas, me submete a ser gata sem sapatos e me prende num terceiro espaço de inconsequentes loucuras e desatinos e me deixa... me deixa por toda a carne enfraquecida, entranhado, o espírito da posse total? Responda, moço dos olhos avassaladores, dos lábios de mel, da boca cheia de beijos desvairados: quem é você que me injeta sensações intrínsecas, me inocula o sangue, que interfere em meus medos e receios, me abarrota de fragmentos desconhecidos... que, enfim, por fim, fez do meu ontem maravilhoso e mirífico, estupefaciente e gostoso de ser vivido e sentido? Quem é você, pedaço de caminho sem volta, quem é você que eu tatuei no âmago da minha mais pura e bucólica inocência?! 

Título e Texto: Carina Bratt, de Vila Velha no Espírito Santo. 19-9-2021

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Receita de domingo

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