Carina Bratt
ACORDAR CEDO, bem cedinho,
antes das galinhas. Tomar café com leite, comer pão com manteiga, ligar o som
costumeiro e ouvir as músicas que nos inebriam a alma. Particularmente amo a
saudosa Vanusa cantando manhãs de setembro, apesar de não ser setembro. Em
seguida, colocar uma roupa caseira, andar de pés no chão, sair, ver pessoas,
sem aquelas formalidades horrendas e desconfortáveis dos blazers, dos terninhos
de giz, dos sapatos altos, das maquiagens, enfim, nos vermos livres das necessidades
que os outros dias da semana nos impõem goela abaixo, como se fosse uma pena
imposta por alguma lei mal digerida.
Caminhar no calçadão da praia, sem pensar em nada, depois na areia, molhar os pés nas ondas que rebentam de encontro ao nosso encantamento. Não há nada mais reconfortante que entrar em sintonia meridiana com a natureza e com o infinito disponível bem ali diante dos olhos. Escancarar, nestas horas, as portas do coração, abrir as janelas da alma e deixar que o sol radiante, ainda embalado nos braços ternos da noite venha, de mansinho e entre, leve e solto e se sinta livre e senhor de tudo, para invadir cada cantinho oculto existente dentro de nós.
Sentir o ar, o vento batendo
no rosto, ouvir os pássaros nas árvores... e nada de preocupações insanas ou
sequer pensar que o dia seguinte será segunda-feira. O dia de domingo deve ser
sagrado, sempre, intocável, venerável, santo, intangível e completo. É o dia em
que a gente pode ouvir os conselhos da mamãe, comer uma comidinha feita por ela
na hora, rever os demais consanguíneos, se divertir com os gritos dos sobrinhos
correndo pela casa, rever os amigos, abraçar cada familiar ausente que se
achava indisponível em face das correrias e das obrigações cansativas e
massantes do cotidiano enfadonho.
O cotidiano, embora não pareça, mata aos poucos, e antes de nos levar para o buraco, de vez, fere. Deixa marcas profundas e indeléveis. Às vezes montam cicatrizes que não somem e grudam na gente pelo resto da existência. O dia a dia de algumas pessoas que conheço está longe do que Ivan Lins canta na música Vitoriosa. O fato é que se formos colocar tudo na ponta do lápis, tipo assim, em pratos limpos, fazermos um retrospecto profundo de tudo que nos envolve, que nos castiga, de segunda a sábado, chegaremos à conclusão de que os percalços deste rotineiro nos mostram claramente que a via crucis desastrosa da repetitividade das coisas inúteis e banais que nos escravizam nos sinalizam o contrário.
Qual seja, devemos debandar,
deixar de lado os momentos supérfluos e nos atermos a dar maior atenção aos
instantes deliciosos e benfazejos que nos alimentam o espírito e nos enchem das
graças e das coisas boas e gratificantes que a vida nos proporciona sem nos
pedir nada em troca. O dia de domingo tem a receita perfeita. A de renovar as
nossas forças esvaídas, o nosso interior, e não deixar que tudo seja como nos
outros dias. Lembranças amargas não trazem boas recordações. Apenas afastam,
para longe, tudo aquilo que poderia simplesmente nos fazer felizes e nos tornar
mais alegres e literalmente à vontade, para encaramos o futuro.
Título e Texto: Carina Bratt, de Viracopos,
Campinas São Paulo, 25-7-2021
Anteriores:
Ritual pra lá de superado
Estopim implantado
Entre o contínuo cair da aridez
Cúmplice de mera encenação
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-