terça-feira, 20 de julho de 2021

[Aparecido rasga o verbo] Somente o básico bastaria

Aparecido Raimundo de Souza

O PARADELO MANHOSO ficou sabendo pelo amigo dele, o Xiado, que a sua esposa, a elegantíssima Mariá da Conceição estava lhe colocando um belo par de chifres. E não era só um sujeito que fazia parte do seu extenso currículo. A safadinha gostava de variar de parceiros.

Segundo a ficha corrida passada no tête-à-tête pelo Xiado, Mariá da Conceição, na ausência do marido (ele trabalhava a noite, como vigia) marcava com os interessados numa aventura diferente toda vez que o companheiro saia para a labuta em busca do pão deles de cada dia.

Paradelo Manhoso, a princípio, pensou em descarregar a arma que usava em serviço nos cornos da despudorada e manda-la, de uma vez por todas, para os quintos do inferno. Contudo, a turma do ‘deixa disso’, acalmou os ares mais tenebrosos. De roldão, o pai, a mãe, os irmãos e amigos mais adjacentes, aconselharam a ‘pedir a separação’.

No geral, ponderaram ao corno, que uma morte nas costas não lhe faria se transformar em herói, ao contrário, o colocaria num processo criminal que se arrastaria por anos e anos, além da inconveniência de vir a ser sentenciado por feminicídio e, por conta desta nova modalidade passar um bom tempo reclusado atrás das grades.

A bem da praticidade, não seria a Mariá da Conceição que purgaria suas iniquidades no inferno. Ele, Paradelo Manhoso, é quem viveria num caldeirão do demônio sem ter como se livrar dos corolários impostos por seu ato inopinado e irreflexivo. Restava, pois, diante dos assestos robustos e cabais, levar um papo sério com a adultera e, numa boa, sem brigas, sem qualquer tipo de rusga ou ressentimento, cada um seguir um novo caminho em busca de um recomeço.

Abrindo aqui um parêntese, as pessoas deveriam entender que não careceria por causa de uma traição conjugal —, viesse ela da parte do homem, ou da mulher —, duas criaturas se afundarem em desgraças, pondo fim à vida em comum de maneira obsessiva, trágica e o que ainda é trocentas vezes mais degradante. Sem meios de voltar à outrora tranquilidade de antes.

O mais razoável e de batida afinada com o equilíbrio, em casos assim, obviamente cada um saber discernir o certo e o errado e, no final, sair em campo, buscar horizontes ainda não visitados, sem descambar para atos arbitrários e contrários às leis de Deus, onde o arrependimento poderia chegar (como, de fato, chegará) tarde demais. Fechando o parêntese aberto.

Levado, pois, por estas sugestões e ensinadelas de pares próximos à seu cafife, Paradelo Manhoso e Mariá da Conceição, finalmente, se encontraram num restaurante próximo de onde moravam. Aliás, o ponto nevrálgico onde, pela primeira vez, se viram e começaram a trocar olhares mais acentuados, culminando no patamar de vinte dias depois, ‘endedarem’ às alianças do enlace matrimonial.

Assim que avistou a sua consorte na porta do estabelecimento, o galhudo, ato contínuo, num primeiro momento considerou a sua ‘ex’, como carta fora do baralho. Apesar de ter colocado esta ideia dos chavelhos na cabeça e, como um mantra repetitivo reiterar para si mesmo Mariá ‘é ex’, Mariá é ´’ex’, Mariá é ‘ex’, Mariá é ‘ex’, o infeliz sentiu seus brios fraquejarem. Como se esperava, no momento seguinte se enfureceu sobremaneira e se empenhou a soltar um amontoado de impropérios. Não se contendo, gritou à alta voz:
— Sua vagabunda, safada, ordinária. Já sei tudo. T-U-D-O entendeu?

Senhora absoluta de si, a linda deidade Mariá da Conceição, sem perder a pose, o tino, o rebolado e o deslumbramento do sorriso mavioso, não esperou outra investida. Mandou a resposta no mesmo diapasão, sem contudo, perder a sua pose de granfina e a dignidade:
— Sabe nada, sou bobinho. N-A-D-A...

Soltando fogo pelas ventas, Paradelo Manhoso aventou o que havia recitado, desta feita, numa nota mais acentuada, o que, por breves segundos, fez os demais casais frequentadores das mesas próximas se voltarem para eles, boquiabertados e estarrecidos:
— Eu sei tudo, tudinho, sua vaca mundana...

Mariá da Conceição, revestida com a capa sóbria da calma e da educação, irradiando uma cordialidade requintada que brotava direto de dentro do seu interior de forma diluvial e abundante, não deixou por menos. Partiu para o ‘é agora que além das cornaduras, provo à galera que o sujeito é burro como um cavalo chucro:
— Sabe tudo mesmo? Prove, então... testifique não só para mim, para todos os que aqui se encontram: em que ano derrubaram as Torres Gêmeas do Word Trade Center, em Nova Iorque??!!
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha, no Espírito Santo. 20-7-2021

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