Tiago Cordeiro
Ao longo de vários meses, não foi possível publicar posts no Facebook a respeito da teoria de que o novo coronavírus vazou de um laboratório chinês. A rede social tratava afirmações do tipo como "teoria da conspiração". Ainda não se provou que o Sars-Cov-2 surgiu em laboratório — nem na natureza — mas a empresa precisou rever sua postura. No final de maio, anunciou: “Devido às investigações atuais sobre as origens da Covid-19 e em consulta com especialistas da saúde, não eliminaremos mais das nossas plataformas as afirmações de que a Covid-19 foi feita por humanos, ou fabricada”.
Até então, a empresa ameaçava
punir as pessoas que publicassem textos alegando que o vírus Sars-CoV-2 foi
criado por humanos. As punições permanecem para outros temas, incluindo
defender qualquer tipo de tratamento imediato, por exemplo, ou apontar falhas
existentes e comprovadas das vacinas.
Aqui é importante frisar que
vacinas salvaram e salvam milhões de vidas, mas apontar falhas faz parte do
processo científico e ajuda a aumentar sua eficácia e ajustá-las quando é
necessário: a Astra Zeneca, por exemplo, não é mais indicada para mulheres
grávidas. Outras vacinas também não são recomendadas para determinados grupos.
Ao censurar posts com questionamentos, as redes sociais trabalham contra o
avanço da ciência.
O Twitter e o YouTube, entre
outros gigantes das redes sociais, também decidem o que pode ou não ser
publicado a respeito do combate à pandemia. Mesmo quando os autores das
mensagens são médicos, que citam pesquisas para apoiar suas afirmações.
Em fevereiro, o grupo de especialistas Médicos pela Liberdade teve a conta no Twitter suspensa. A organização mantém uma conta no YouTube e outra no Instagram. São recorrentes os casos de bloqueio a posts de médicos que questionam o consenso gerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Geralmente os posts sobre o tratamento precoce são alvos da censura, inviabilizando um debate de médicos que estão na linha de frente do combate contra a Covid-19. Muitos desses médicos são chamados de "negacionistas", o mesmo adjetivo usado contra aqueles que apontavam a possibilidade do vírus ter origem em laboratório.
No YouTube, um dos integrantes
do grupo, o médico psiquiatra Carlos Henrique Oliva afirma: “A medicina está
sendo usada como bandeira política e como atitudes autoritárias. Nossa opinião
está sendo tratada como não científica, quando na verdade não ter ciência é o
que eles fazem. Não existe pensamento único em ciência. Existem divergências, e
as pessoas precisam escutar todos os lados para ter uma posição mais clara”.
Outro grupo de médicos que
questiona afirmações da Organização das Nações Unidas sobre a pandemia, o
Médicos pela Vida, buscou outra estratégia: publicou um manifesto com material
publicitário na edição impressa de 11 jornais brasileiros. O conteúdo cita
evidências científicas e clínicas para defender o uso de um coquetel de
remédios para evitar que pacientes progridam para fases mais graves da doença.
Material que, nas redes sociais, é barrado.
Twitter
As reclamações dos médicos se
torna mais contundente se confrontadas com as respostas dadas pelas redes
sociais, que não informam se empregam médicos, epidemiologistas ou outros
especialistas da área para determinar o que pode ser publicado. Procurado pela
Gazeta do Povo, o Twitter afirmou, por meio de uma nota, que possui “regras
para abordar informações enganosas e questionáveis sobre Covid-19. O foco está
em conteúdos com mais potencial de causar danos offline, expondo as pessoas a
riscos de contrair ou transmitir o vírus.”
De acordo com a nota, o
Twitter trabalha “com cinco grandes categorias desinformativas. A empresa toma
medidas de acordo com essas regras, que estão em constante evolução na medida
em que as conversas sobre a pandemia se desenvolvem e modificam na plataforma”.
As punições incluem a exclusão
do tweet, o bloqueio da conta por 12 horas ou sete dias e por fim, a suspensão
permanente, após cinco transgressões.
YouTube
Procurado, o YouTube informou
que “não permite vídeos que promovam desinformação sobre o coronavírus conforme
detalhado em nossa política sobre informações médicas incorretas relacionadas à
Covid-19”. E informa: “Desde o início da pandemia, já removemos mais de 1,3
milhão de vídeos por violarem essas regras, que já passaram por mais de 10
atualizações para se manterem alinhadas às orientações atuais das autoridades
de saúde globais sobre a doença”.
Facebook
Já o Facebook argumenta, em
sua página, que atualiza as regras para a publicação de conteúdo
constantemente. E informa em seu site que, apenas no mês de abril,
aproximadamente 50 milhões de conteúdos relativos sobre a Covid-19 receberam
notificações com base no trabalho de mais de 60 organizações de checagem, em
mais de 50 idiomas.
Em comum, Twitter, Facebook e
YouTube não desfazem a dúvida de muitos médicos: existem especialistas em saúde
entre os checadores das redes sociais? A questão permanece em aberto.
Quem checa os checadores
Em maio deste ano, um
relatório produzido por políticos republicanos do Comitê de Inteligência do
Congresso americano questiona a ação desses checadores – especificamente
aqueles que bloquearam a divulgação de um artigo de fevereiro de 2020,
publicado no jornal New York Post, que debatia a possibilidade de que o vírus
tivesse origem em laboratório.
“Os checadores do gigante da
mídia social decidiram que esta não era uma opinião válida”, contestou o
veículo, à época. “Se você tentasse compartilhar a coluna com seus amigos, seu
post receberia um alerta e seus amigos não conseguiriam acessar o artigo
original para tirar suas próprias conclusões”. O editorial conclui: “Quando sua
defesa contra ‘fake news’ mata o livre debate, o sistema é pior do que nenhuma
defesa”.
A médica Simone Gold,
fundadora do grupo America's Frontline Doctors, também já questionou a falta de
debates amplos a respeito de uma doença nova, sobre a qual as informações se
acumulam e se sobrepõem, muitas vezes de forma contraditória. “A censura viola
direitos”, afirmou à agência Bloomberg o advogado da especialista.
David Relman, microbiólogo da
Universidade Stanford e um dos 18 cientistas que assinou a carta solicitando
investigações mais aprofundadas a respeito da possível origem de laboratório do
novo coronavírus, é outro crítico da censura em casos como este. Em entrevista
ao jornal Washington Post, ele declarou que barrar questionamentos sobre o tema
foi um erro: “No esforço de manter as coisas limpas, eles jogaram fora o bebê
junto com a água do banho”.
Título e Texto: Tiago
Cordeiro, Gazeta do Povo, 27-7-2021, 20h07
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