domingo, 18 de julho de 2021

[As danações de Carina] Ritual pra lá de superado

Carina Bratt

ESTOU NUMA ALEGRIA contagiante, transmitiva, apegadiça, que não está me cabendo. Transbordei meu corpo inteiro numa bacia cheia de alta estima. As rédeas da minha vida voltaram às minhas mãos. Com cavalo e carroça à tira colo e tudo mais a que tenho direito. Kikikikikiki. A cota de dor demente e insana que me atormentava, diminuiu consideravelmente.

Passei a ver as pequenas coisas, ao meu redor, fatos os mais diversos que antes me atazanavam, com olhares mais brandos e pacienciosos. Parei de implicar com as formiguinhas na toalha da mesa da cozinha, com o copo rachado, com o furo no assento do sofá da sala, com as minhas calcinhas na torneira do banheiro, o box e a pia mal lavados pela Viviane, minha secretária do lar.

Até bem pouco tempo atrás, me sentia neuroticamente despatriada de um país que não o meu de origem. Fora de mim, desiludida e exilada, se fosse me contemplar, como gente, diria que parecia uma pomba solitária que passara na frente da turbina de um Boeing. Desagarradamente solta do meu chão de todos os dias e horas, vivia como uma nômade.

Tinha a impressão de ter soterrado, em algum lugar, a minha visão nítida de um amanhã esplendoroso e de bons presságios. Bem ainda os meus momentos bucólicos, a minha paz de todo sempre. Uma prepotência contrariada, me afligia, me dava ordens; me tirava do sério; me fazia ser uma pessoa chata; nojenta; fora dos conformes do catemerino e abnuida; sobretudo divorciada do dia a dia.

Aliás, o trivial, o comezinho me entojava, me dava ânsias de vômitos, me fazia mal, me desequilibrava os nervos e toda eu, toda euzinha parecia prestes a explodir em pequenos fragmentos como em filmes de aventuras espaciais do tempo de Uma Odisseia no Espaço do fabuloso escritor Arthur C. Clark. Fiquei esquisitamente neurótica, me tornei inacessível e sorumbática para os amigos e amigas mais chegados.

Até para mim mesma me fiz sisuda, séria e ojerizada. Meu interior não andava, transitava dentro de minhas veias numa espécie de esteira corrida. Deixei de ser feliz, alegre, sonhadora, dona de mim, de meus anseios e aspirâncias mais prementes, para me transformar numa ‘demônia subversiva’, fustigando meu próprio universo como se quisesse dar cabo de tudo de bom que circulava em meu derredor.

Como num abrir e fechar de olhos, me vi acometida de uma síncope juvenil, como se tivesse retrogradada aos quinze anos. Meu quarto de dormir virou um campo de guerra, a minha cama uma masmorra erótica onde ao me recolher surgiam, do nada, visões bestiais de orgias jamais imaginadas por um ser humano normal e decente.

Voltei a ser normal e decente. A organicidade dos meus planos e metas estão nos trilhos, graças à Deus! A galinha penosa que ciscava dentro de mim, foi cantar em outro poleiro. Nada a ver, nenhuma relação, com o que acabei de escrever, todavia, agora, neste momento, me sinto uma linda mulher e o meu príncipe encantado é um quadro tamanho família de Richard Gere que tenho dependurado com carinho e estima na parede de meu escritório home office.

Não mais me culpo ou me incrimino. Não mais me exprobro ou me castigo. Não mais, me melindro, me condeno, ou me sinto a palmatória de todos os fracassos pelos quais passei. Meu caso, agora, é bola pra frente. Só vivo e curto este momento que se me avizinha afável e hospitaleiro, aceitoso e lhano. Faço de tudo, das tripas coração, para que tudo o que me vier pela frente, me seja ETERNO

Título e Texto: Carina Bratt, de Vila Velha, no Espírito Santo. 18-7-2021

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