Com vídeos virais em Copacabana, Recreio e na Feira da Glória, influenciador expõe extorsões, intimidação a mulheres e a omissão do poder público diante de uma das maiores ilegalidades urbanas do Rio de Janeiro
Bruna Castro
No Rio de Janeiro de 2025, onde a paisagem continua deslumbrante e o cotidiano insiste em tropeçar na desordem, um personagem improvável passou a ocupar o centro de um debate antigo, espinhoso e convenientemente empurrado para debaixo do tapete pelo poder público. Luan Lennon, jovem, sem cargo público, sem mandato em vigor e sem qualquer aparato institucional, decidiu fazer aquilo que a cidade parece ter desaprendido a fazer: fiscalizar. Munido apenas de um celular, de disposição e de uma audiência que já ultrapassa a marca de 760 mil seguidores, ele passou a registrar, confrontar e expor uma das maiores ilegalidades normalizadas do espaço urbano carioca: a indústria informal — e frequentemente criminosa — dos flanelinhas.
Embora hoje atue fora de
qualquer estrutura oficial, Luan Lennon não é um personagem alheio à política
institucional. Ele foi candidato a vereador no Rio de Janeiro nas eleições de
2024, pelo PL (Partido Liberal), mas não chegou a ser eleito após não obter
votos suficientes para conquistar uma cadeira na Câmara Municipal. Registrado
oficialmente como Luan Lennon Camacho Braga Oliveira, teve seu nome nas
urnas e disputou o cargo de forma regular, encerrando o pleito sem vitória. A
ausência de mandato, aliás, tornou-se um dos elementos centrais de sua
trajetória recente: fora do sistema político formal, sem salário público e sem
prerrogativas legais, ele passou a atuar por outro caminho — o da fiscalização
informal, da exposição pública e da pressão social exercida diariamente por
meio das redes.
Quem circula pelas praias do Recreio, de Copacabana ou mesmo pela tradicional Feira da Glória conhece bem o roteiro. O carro estaciona, o “guardador” aparece sem qualquer identificação visível, ignora a tabela oficial da prefeitura — quando existe cadastro — e passa a impor valores que variam de vinte a cem reais. O talão legalizado de dois reais vira peça de ficção. O tom rapidamente deixa de ser cordial, sobretudo quando a motorista é mulher. Há relatos recorrentes de intimidação, ameaça velada, linguagem agressiva e, nos casos mais extremos, retaliação explícita: carros riscados, retrovisores quebrados, pneus esvaziados. Uma prática que mistura extorsão, medo e a completa ausência do Estado. E o que há de pior: uma coisa que todo mundo sabe que acontece há décadas.
É exatamente nesse vazio que
Luan entrou. Seus vídeos mostram cenas que parecem surreais, mas são
profundamente cariocas: flanelinhas que fogem ao perceber a câmera ligada,
arrancam a camisa, atravessam parques, se embrenham pela areia da praia como
quem escapa de um flagrante; outros tentam enfrentá-lo, elevam o tom, cercam,
ameaçam. Alguns aparentam estar embriagados. Em diversos registros, a polícia é
chamada, há condução para a delegacia e o constrangimento público passa a
existir — não para o cidadão comum, mas para quem até ontem agia com total
sensação de impunidade.
O sucesso do conteúdo não é
acidental. Ele toca numa ferida antiga do Rio, que envolve ordem pública,
direito à cidade e a incapacidade histórica do poder municipal de lidar com
atividades informais que cruzam, há muito tempo, a linha da ilegalidade. A função
de guardador de carros até que existe, mas depende de cadastro, identificação
visível e cobrança estritamente vinculada ao talão oficial. Tudo fora disso é
irregular. Quando há coação, ameaça ou dano ao patrimônio, é crime. Ao apontar
a câmera, Luan Lennon retira o manto da normalidade que por décadas protegeu
esse tipo de prática.
Há quem critique o método,
quem questione a exposição, quem veja exagero. Mas os números falam por si. O
alcance nas redes sociais é massivo, os vídeos circulam com força no TikTok, no
Instagram e no Facebook, e o tema voltou ao debate público com uma intensidade
que nem campanhas oficiais, nem operações pontuais da prefeitura conseguiram
produzir. De repente, a cidade passa a discutir a máfia dos flanelinhas como
problema estrutural de ordem urbana, e não como um “mal necessário” do verão
carioca.
Para o DIÁRIO, que
historicamente acompanha os temas da cidade real — aquela que começa na
calçada, no meio-fio, na vaga disputada à força —, esse movimento é impossível
de ignorar. A atuação de Luan Lennon expõe, de forma crua, a distância entre a
lei escrita e a rua vivida. Mostra que a ausência de fiscalização gera terreno
fértil para abusos e que, quando alguém resolve iluminar o problema, o sistema
range.
Se esse trabalho individual
vai ou não produzir mudanças duradouras, ainda é cedo para afirmar. Mas uma
coisa já é incontestável: ao transformar o flanelinha de figura folclórica em
símbolo de desordem pública, Luan Lennon obrigou o Rio a se olhar no espelho.
E, como quase sempre acontece, o reflexo não foi confortável.
Título e Texto: Bruna
Castro, Diário
do Rio, 25-12-2025

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