Henrique Pereira dos Santos
Quando vi duas ou três coisas a falar de 680 mil mortos
em Gaza, um terço da população, tive curiosidade em perceber de onde vinha esta
súbita alucinação
Se tivesse morrido um terço, a
população de gaza teria passado de dois milhões para um milhão e trezentos ou
quatrocentos mil, o que significaria que a ajuda humanitária que entra em Gaza
já devia estar a sobrar por todos os lados, mesmo antes de lá entrar o
espantoso carregamento de alimentos e medicamentos que é transportado pela
flotilha que ia chegar em quinze dias mas parece que afinal demora um mês.
A primeira referência que vi era de Francesca Albanese [foto], e fui verificar se realmente tinha dito o que era transcrito nos jornais, de tal maneira é absurda a afirmação. Sim, é verdade, Francesca Albanese diz mesmo que terão morrido 380 mil crianças abaixo dos cinco anos numa população em que as crianças abaixo dos cinco anos não chegam às 350 mil.
A origem da reprodução destas
alucinações é vaga, no discurso da senhora Albanese, e por isso fui ver de onde
vinha a informação, o que, naturalmente, é uma coisa fácil que qualquer
jornalista poderia fazer para verificar as alucinações da senhora Albanese.
Como seria de esperar, é uma estimativa supostamente científica feita por uns académicos
quaisquer que, evidentemente, nada nem ninguém corrobora (compreende-se, e
sempre difícil confirmar que o absurdo existe).
Se deixarmos as altas esferas
patrocinadas pela ONU (tanto quanto sei, a ONU nunca desautorizou a senhora
Albanese, apesar da evidente alucinação em que vive), e nos ficarmos por coisas
mais caseirinhas, lá temos Ana Sá Lopes (não, não é ela, uso-a apenas como um
exemplo de discurso dominante da comunicação social sobre a Palestina) a fazer
uma comparação entre o holocausto nazi e o que se passa em Gaza.
A comparação é tão estúpida que nem deveria merecer comentário, mas vamos lá olhar para factos.
O holocausto nazi foi
precedido de leis anti-judaicas (ninguém conhece uma lei israelita anti-árabe),
que abriram caminho à identificação obrigatória de todos os judeus (ninguém
conhece nenhum processo de identificação individual de cada palestiniano, dentro
ou fora de Israel), que permitiram o perseguição legal aos judeus pelo sistema
repressivo e judicial do Estado (em Israel 20% da população é palestiniana e
tem todos os seus direitos de cidadania garantidos), que se traduziu num
sistema de trabalhos forçados, detenção, deslocação forçada e abate
indiscriminado pelo Estado nazi (ninguém conhece qualquer sistema
administrativo e logístico semelhante em Israel e nos territórios envolventes
de Israel, sendo Gaza um território governado autonomamente pelo Hamas, e não
por Israel, desde há quase duas décadas), tendo como resultado final a
eliminação de dois terços dos judeus europeus, contra 3% de mortes de
palestinianos em consequência de uma guerra desencadeada pelo Hamas.
A isto Ana Sá Lopes chama um
paralelismo que só os acéfalos (a palavra é dela, que acha que os seus leitores
que não pensam como ela num assunto complexo são forçosamente acéfalos) não
conseguem ver.
Com este contexto, não admira
que os Estados com problemas internos se entretenham a reconhecer o Estado
Palestiniano, até porque convenhamos que o Estado Palestiniano, mesmo sendo
igualmente uma alucinação é, apesar de tudo, uma alucinação bem mais realista
que as que citei anteriormente.
Infelizmente, para os
palestinianos, para quem vive em Gaza, nada disto tem a menor importância, o
que realmente os poderia ajudar era eliminar ou conter o poder do Hamas, isso
sim, abria portas para que a sua vida fosse menos complicada, menos perigosa,
menos miserável e com mais esperança.
É que a esperança até se pode
alimentar de alucinações, mas normalmente a ressaca imposta pela realidade é
demasiado pesada para que esse método seja considerado razoável para melhorar a
vida de quem quer que seja.
Título e Texto: Henrique Pereira dos Santos, Corta-fitas, 22-9-2025
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