Carina Bratt
DONA EFIGÊNIA tinha mãos que sabiam fazer café forte e afagar com delicadeza. Morava na mesma casa há mais de cinquenta anos, com janelas que davam para um jardim que insistia em florescer, mesmo quando ela esquecia de regar. Os vizinhos próximos diziam que era milagre. Ela batia os pés e retrucava que tudo era fruto do mais puro perdão.
— O perdão é como água — argumentava
sorrindo, enquanto mexia o açúcar no fundo da xícara de café oferecido à dona
Margarida, uma senhora quase porta com porta. — Se você não deixa correr, a
coisa simplesmente apodrece.
O bairro inteiro conhecia a história de cor e
salteada: o marido que partiu com outra, o filho que não voltava de uma viagem
há anos, a vizinha dona Barbara, uma fofoqueira que falava mal dela na feira,
na padaria, onde tivesse oportunidade. E mesmo assim, Dona Efigênia sorria. Não
aquele sorriso de quem finge, mas o de quem sabe que a vida é curta demais para
carregar rancor como se fosse a medalha de alguma santa envolta em torno do
pescoço. Um dia, assim de chofre, indagaram se ela não sentia raiva. A contradita
estava pronta e afiada na ponta da língua, como uma metralhadora em ponto de
bala para ser disparada:
— Já senti — respondeu, sem pestanejar. — Mas
o ódio é como um armário bonito trancado: você guarda tudo lá dentro achando
que está protegido, mas aos poucos, de forma lenta, tudo, sem tirar nem
‘destirar’, vai mofando. Suas roupas, seus sonhos e até a sua paz.
Dona Efigênia não era santa. Em tempos idos e
também em tempos recentes, chorou de raiva, desejou que o telefone tocasse com
pedidos de desculpas. Nada veio em seu socorro. Apesar dos altos e baixos, mais
baixos que altos, aprendeu que esperar o arrependimento dos outros é como
sonhar acordado acreditando que o tempo volte: inútil e doloroso. Doloroso e
inútil. E acrescentava, com voz potente:
— Perdoar não é esquecer. É lembrar, sempre,
sempre, sempre, sem perder o bom senso e sangrar.
E assim, entre plantas que brotavam e cafés que aqueciam, sempre que alguém batia palmas em seu portão, Dona Efigênia ensinava ao mundo ao seu redor, aos vizinhos chatos e também aos não chatos, que o perdão não é fraqueza, é liberdade. Que o ódio não é escudo, é prisão. E que viver leve, livre e solta, como o vento, se fazia tão eficaz e necessário como um ato de coragem.