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| Arte: Paulo Márcio |
Rafael Nogueira
Antes de qualquer "agenda
do futuro", existe uma tarefa anterior: devolver ao Estado a dignidade do
rito, a seriedade da execução e a coragem do longo prazo. Falar do futuro do
Estado brasileiro empilhando palavras como inovação, governança, sustentabilidade
me parece preguiçoso. O problema é mais velho, mais simples e mais cruel. Antes
de decidir o que o Estado fará amanhã, é preciso recuperar o que ele é hoje. E
o que ele é hoje depende de três coisas: credibilidade, capacidade e
continuidade.
Foi durante o seminário
internacional "O Futuro do Estado Brasileiro", ontem, no mosteiro do
São Bento do Rio, que apresentei estas reflexões. O evento reuniu pesquisadores
do Brasil e da Europa para discutir como instituições respondem em momentos de
transformação política e tecnológica.
O Estado precisa voltar a ser
confiável no procedimento. O cidadão tem de acreditar que o dinheiro público
não é vaquinha sem dono, que eleição não é formulário com dono, que o devido
processo não é acessório, que a regra existe e vale. Tem que ser competente na
execução, o que é diferente de ser grande ou inchado.
E precisa ser guardião do
longo prazo: memória, cultura, instrução, coesão nacional. Sem esse tripé, o
que temos é caos imediato e amnésia duradoura.
Por trás disso há uma ideia que parece abstrata, mas é tão prática como um boleto: instituições são rituais públicos. Orçamento é ritual. Concurso é ritual. Eleição é ritual. Julgamento é ritual. E ritual só funciona quando é reconhecido como legítimo — para não dizer sagrado —, quando a comunidade acredita que ali existe regra, limite, forma.
Cada procedimento desviado é
uma exceção que se impõe, e a confiança geral de esvai. Daí o país recomeça do
zero, esperando o "novo", porque deixou apodrecer o velho. É sempre
isso. E um Estado pode ser enorme e ainda assim ser fraco — não resolve só
aumentar orçamento aqui e ali.
A fraqueza se instala de vez
quando o Estado deixa de ser digno de crédito.
Credibilidade institucional é
o capital invisível do Estado: confiança nos ritos, previsibilidade,
impessoalidade, coerência. Perde-se pelo vício fazendo-se de virtude: atalhos
"pelo bem", decisões sem regra clara, instabilidade permanente. Sem
credibilidade, todo mundo tenta capturar, puxar vantagem, garantir o seu antes
que virem a mesa. É isso que evita que política se converta em violência.
Capacidade estatal é a segunda
perna. Tamanho não é capacidade, já disse. Capacidade é executar, medir,
corrigir, prestar contas. É o método aplicado ao sonho. É contrato bem
desenhado, burocracia profissional, transparência que mede o que importa. O Estado
brasileiro sofre de falta de execução, de credibilidade e de memória.
A terceira perna é a
continuidade. Memória é identidade. Identidade é infraestrutura de sentido. O
país com amnésia está entregue à política de momento, ao mau uso de estruturas
públicas, aos aproveitadores, ao crime.
Meu programa não é fácil, mas
é simples. Restaurar credibilidade: limites, previsibilidade, regra clara.
Construir capacidade: execução, gestão, quadros profissionais. Proteger
continuidade: memória, patrimônio, instrução cívica. O futuro do Estado brasileiro
não pode estar na exceção, tem que estar na instituição. Não pode estar no
improviso, mas na competência. Nem pode coexistir com amnésia, porque tem que
preservar (e aprimorar) uma civilização.
Título e Texto: Rafael Nogueira, O Dia, 17-12-2025

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