Mandar todo mundo ficar em casa por meses é
um plano assassino. Mais letal que o pior cenário imaginável para a epidemia do
coronavírus. E agora?
Guilherme Fiuza
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Foto: Gerd Altmann/Pixabay
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O governador de Nova Iorque
disse que as pessoas devem se preparar para viver confinadas em suas casas por
meses. “Distanciamento social e conexão espiritual”, formulou Andrew Cuomo,
numa coletiva sobre o combate ao coronavírus. Aí surgiu num telão Robert De
Niro mandando todo mundo ficar em casa porque ele está “de olho”. Volta para o
governador – e o vemos rindo da tirada do astro de Hollywood. Tudo normal.
Já que a massa catatônica
assiste a esse estranho ritual se imaginando diante de um homem sensível e
diligente que está ali endurecendo sem perder a ternura para salvar vidas,
alguém tem que fazer o serviço sujo de estragar o transe: Sr. Cuomo, isso não
vai acontecer. O mundo não viverá meses de confinamento doméstico nem se
estourar uma guerra nuclear.
Mas vamos ficar no caso do
coronavírus, que ainda não provocou uma guerra. Nove meses de confinamento
populacional, como chegou a admitir o governador de NY – projetado para o mundo
todo –, significa contratar uma tragédia humanitária muitas vezes maior que a
da atual epidemia. Vamos repetir, para que não haja engano: uma tragédia MUITAS
vezes maior. Quantas vezes maior? Peçam para algum assessor graduado do Sr.
Cuomo (que saiba fazer conta) montar a estimativa. Não vale o De Niro.
Essa conta começa mais embaixo
– em latitude e em escala social – com os mais pobres. Em países distantes como
o Brasil, por exemplo, as cidades fantasmas já estão gestando a devastação –
entre as pessoas (muitas pessoas) que não podem consertar um cano ou pintar uma
parede pela internet, que não têm para quem vender seus biscoitos na rua ou na
praia, para quem, portanto, a tradução de roumeófice é barriga
vazia. Não têm rede de proteção social, não têm grana pro remédio da mãe
doente, que vai morrer amanhã, ou talvez hoje, fora das estatísticas.
Essa bomba atômica não elimina
a necessidade das defesas contra o coronavírus. Apenas não pode ser ignorada em
qualquer plano que pretenda salvar vidas. As mortes pelo garrote social não são
uma abstração. Não são redutíveis a um dilema cínico entre economia e saúde.
Tudo é vida. Quer morrer de quê?
A devastação humanitária que
será provocada pelo confinamento de populações inteiras em casa por meses está
sendo negligenciada por inúmeros planejadores e autoridades. O fantasma da
epidemia é totalitário – criou em grande parte da população uma percepção
unidimensional do perigo, com o pensamento substituído pelo pavor. Então vamos
dizer com todas as letras, pedindo licença à patrulha linchadora: mandar todo
mundo ficar em casa por meses é um plano assassino. Mais letal que o pior
cenário imaginável para a epidemia do coronavírus. E agora?
Enquanto deixamos essa
reflexão para os talibãs do fica em casa indefinidamente até o corona sumir da
paisagem, vamos trazer outra perspectiva subversiva: um “lockdown” geral de
meses não vai matar mais gente do que o coronavírus só em 2020. Vai matar mais
gente do que a epidemia atual por vários anos. E vai começar pelos pobres, mas
vai pegar todo mundo.
A depressão mundial sem
precedentes vai espalhar uma epidemia de fome e violência – fora o tsunami de
doenças e pragas que sempre se expandem a qualquer avanço da escassez de meios
para combatê-las. Se você está preocupado hoje com o colapso das redes de saúde
pública, você tem a obrigação de procurar saber o que vai acontecer com elas
após a maior depressão econômica da história da humanidade. E você não tem o
direito de pensar em um colapso para depois pensar no outro. Não dá tempo.
Cresce entre médicos e
analistas responsáveis a tese da paralisação “vertical” das atividades sociais
– concentrando as medidas de isolamento na população idosa e grupos de risco e
permitindo a circulação (com o protocolo completo do bloqueio de contágio) dos
que estão fora da faixa vulnerável. Quanto mais o coronavírus se espalhar pela
população que só terá sintomas leves ou sintoma nenhum (a imensa maioria), mais
rápido será o fim da epidemia. Ela só vai decair depois de se expandir.
Governantes e autoridades do
mundo todo sabem disso. E estão com medo da execração por parte dos que estão
apavorados. Vamos ver o que vai acontecer primeiro:
1. a tomada de
consciência da opinião pública (vencendo o pânico);
2. a revolta dos
confinados;
ou 3. um surto de
coragem dos tomadores de decisão.
Título e Texto: Guilherme
Fiuza, Revista Oeste, 25-3-2020, 19h58
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