Aparecido Raimundo de Souza
TODA NOITE, A MESMA HORA, ou seja, por volta de duas da manhã, o telefone tocava. Miresola deixava o que estava fazendo e corria a atender. Largava a máquina de escrever na mesa da sala, onde fazia seus textos e voava para dentro de seu quarto, sabendo, de antemão, o que aconteceria assim que tirasse o auscultador do gancho. A curiosidade, entretanto, falava mais alto. Instigava, sobremaneira, a sua imaginação:
— Alô...?... alô...?... alô...?
— ......
— Alô?
— ......
Do outro lado da linha, como sempre, ninguém dava sinais de vida. O rapaz insistia:
— Alô...?
Miresola ouvia a respiração descompassada, os dedos baqueteando, possivelmente sob o tampo de uma mesinha onde deveria estar fixado o aparelho, mas a voz, que seria esclarecedora...
— Ora, vamos. Quem é você? Diga seu nome. Sua idade? O que quer? Por que me liga todas as noites nesse mesmo horário?
— ......
— Fale. Se abra. Acaso se esconde de alguém? Está passando por algum problema sério?
— ......
— Tem medo do quê? — É casada? — Creio que não! Se fosse, o maridão questionaria para quem está ligando...
— ......
— Olha, não vou lhe machucar, nem morder. Ainda que pudesse chegar até a sua beira, viajando pelos fios... invadiria a sua casa, o seu quarto... e movido por uma loucura desesperante, lhe cobriria de beijos. Juro que lhe afagaria em meus braços. Se você deixasse, faria amor com você... lhe daria meu ombro amigo... mas pararia por aí. Juro por Deus. Não lhe forçaria em nada. Alguma coisa me diz que você é uma moça solitária. Vamos, ao menos me dê uma pista. Seja uma boa menina e se identifique.
— ......
— Minha linda, converse comigo... por favor, me fale de você. Sonhos? Amores desfeitos? Está se sentido sozinha? O que gosta de fazer? Ler, ouvir música, sair, ir ao cinema? Frequenta barzinhos? Vamos, se abra... mora aqui perto de mim? Quem sabe no mesmo prédio? Acertei? Qual seu andar? Tem amigos? Pratica algum tipo de esporte? Acaso você é aquela moça bonita e elegante que outro dia ajudei com as compras no elevador de serviço?
— ......
Sem mais nem menos, um clique interrompia a ligação e ele ficava no vazio de um pi, pi, pi, intermitente.
***
Vinha sendo assim meses à fio. Miresola não sabia mais o que fazer. Percebia que, de certa forma, se tornara refém daquela situação que não se explicava. Se sentia como um idiota. Todas as noites conversava com alguém, ou melhor, não conversava. Só ele falava, perguntava, indagava, mas a criatura fazia questão de continuar por detrás de um secreto obscuro. Percebia, constatava que ela o escutava. Todavia, achava estranho. Só ele tagarelava para uma personagem desconhecida que não lhe retornava em socorro.
Algo do fundo bem profundo de sua alma lhe afirmava que a estrangeira, sem dúvida alguma, era uma mulher. Uma mulher jovem. A respiração calma, comedida. A maneira como tamborilava os dedos. Tinha absoluta certeza de que a pessoa que estava do outro lado, não outra, senão a beldade que ele ajudara semanas atrás no elevador. Entretanto, não conseguia ligar os pontos em relação ao inexplicável dessa maluca não responder. Em dias passados, ela foi mais longe. Chorou. Caiu em um pranto copioso e sentido por breves minutos.
Ele, inconsequente, fora de si, sem saber de quem se tratava, ou o que fazer, só queria, na verdade, ajudar. Simpatizara com essa garota. Sofria, sem conhecer, sem saber quem, todas as noites, se fazia presente em sua solidão. Pior, se afeiçoara de uma loucura sentida, se moldara corpo e alma de um amor avassalador por esse ser vivo, sem rosto, sem olhos e sem sorriso. Ansiava, sonhava em tê-la ao seu lado. Amava essa protagonista figurante que ele não saberia afirmar categoricamente quem poderia ser. O que desejava, o que pretendia dele? Finalmente depois de tantas e tantas ligações, Miresola optou por comprar um identificador de chamadas. Assim... se ela ligasse de novo... todavia, para desencanto seu, os telefonemas cessaram de vez.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, 30-7-2024
Anteriores:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-