sexta-feira, 19 de julho de 2024

[Aparecido rasga o verbo] Desacompanhado e intimamente só. Todavia...

Aparecido Raimundo de Souza 

SENHORAS E SENHORES, acreditem, estou me sentindo sozinho. Terrivelmente solitário. Como um cachorro abandonado, magro e faminto, que não foi visto quando caiu do caminhão de mudança. Apesar de rodeado “entre aspas” de um emaranhado de pessoas as mais diversas, essa coisa de “solidão-a-um” está mexendo comigo. Muito. Penso que às vezes vou pirar na batatinha, ou ficar louco... 

Principalmente com a minha cabeça rodando como se fosse uma enorme roda gigante descontrolada num parque abandonado num bairro periférico largado às moscas. A vida, não sei por qual cargas d’água; nos coloca constantemente em eventos sociais; como reuniões de amigos; festas de crianças; acasos de trabalho ou comemorações regadas a almoços e jantares de regozijos familiares. 

No entanto, nem sempre a presença física de um parente ou alguém (tipo uma preciosa-amada, seja ela ficante, namorida, ou no melhor dos mundos, uma amiga de verdade, dessas que a gente possa gritar aos quatro cantos, ser uma dádiva “bem chegada”), significa que literalmente nos sentimos ladeados por uma pessoinha especial. 

Alguém sem cópia, ou sem fotocópia extraída de uma dessas máquina de xerox. Para ser única, essa figura tem que saber chegar e se abrir, se destrancar, se arreganhar como mala velha a ponto de colocar no chão a porta de nosso “eu interior,” e depois jogar a chave pela janela, ou se não houver janela, num lugar que ninguém possa encontrar. 

Às vezes, na nossa afoiteza, buscamos esse aconchego numa “pessoa-escolta” ou “pessoa-figura” apenas para preencher vazios, substituir espaços ocos, espantar sentimentos de tristezas de angústias ou incertezas. A percepção de solidão não está necessariamente ligada à linha do “agora ou do fio tênue do já presente.” 

Ou ainda, numa sequência mais abrangente, na estrada da ausência física de outras criaturas em comunhão de reciprocidade, ou por qualquer outra forma ligada ou divorciada do nosso cotidiano. Pode estar atrelada a outros parâmetros que ainda não trouxemos para ver aquele mar bonito ou conviver debaixo de um escaldante sol de quarenta graus.  

Sinalizo com essas palavras, o seguinte: podemos estar rodeados de criaturas anônimas ou da nossa consanguinidade, e, ainda assim, nos sentirmos sós. Igualmente desprotegidos, solitários, abandonados à própria sorte. Isso ocorre por um fato simples. A solidão é um estado emocional sarcástico, zombeteiro, diabólico e mefistofélico.  

Associado às experiências passadas que causaram ou ainda fomentam sofrimentos contrários ao nosso anfêmero, o quadro pode se agravar e evoluir para satânico, ou medonhamente viperino. Além disso, a qualidade da pessoa ao nosso lado, também conta muito, ou seja, importa deveras que ela se coadune entrelaçada aos nossos momentos, sejam eles bons ou perniciosos. 

E por que isso ocorre?  Simples e de fácil compreensão. Compartilhar momentos com seres próximos têm um efeito diferente daquele ligado ao aquinhoar na verdadeira acepção da palavra, notadamente se for com pessoas recém-conhecidas. Existem algumas razões -, ou melhor dito -, muitos e muitos caminhos pelos quais poderemos meter os pés, e, via idêntica, nos sentimos sós, ainda que rodeado por uma infinidade enorme de pessoas. 

A falta de empatia (entendam “empatia” como respeito, afeto, capacidade de compreensão e de sentimentos) não estaria descartada. A total ausência desses “fios-de-compreensão”, por exemplo, sobre nós mesmos, a bem da verdade, pode aumentar a sensação de abandono, e, pior, gerar a “solidão em grupos”. Empatia, pois, é a capacidade ou o domínio de entender os sentimentos e “desentimentos” uns dos outros. 

Desempenha um papel por demais fundamental e importante. Lado igual, a falta de “escuta ativa,” ou a “falta de dar ouvidos,” por exemplo, ou seja, não discernir o que os demais têm a dizer também contribui muitíssimo para a sensação tétrica da solidão. “Ah, a solidão vai acabar comigo” -  cantava maviosamente a voz inconfundível e terna da saudosa Dolores Duran.    

Compreender os demais, sem sombra de dúvida alguma, é primordial, ou essencial como, mesmo saco de gatos, contribui ferozmente para colocar “fim-término” a estampagem da degradante solidão. Nesse tom, temos em apoio as experiências angustiantes: os traumas e as manchas dolorosas que podem resultar em sentimentos outros oriundos da mais completa desolação, mesmo quando estamos cercados por pessoas -, não importa quem seja -, de onde surgiu -, ou para onde seguirão. 

Portanto, senhoras e senhores, superar esse alvoroço envolvente, ou essa arruaça enternecida, (ou melhor, cultivar a empatia, praticar a “escuta ativa” e trabalhar com afinco e perseverança em nome do auspicioso “bem-estar-emocional.”) No fim das contas, tudo acaba em excelentes resultados. Pois bem! Devemos lembrar também que não estamos sozinhos nessa jornada. 

Muitos outros iguais a nós, por aí afora, enfrentaram ou melhor, ainda tropeçam, escorregam e caem nesses sentimentos, e, incansavelmente, buscam conexões verdadeiras e certas -, sobretudo trilhas e veredas que desaguem num caminho sempiterno de amanhã e dias condescendentes, obviamente com uma cesta cheia de um futuro farto e menos oprobrioso e elegantemente de rosto promissor.

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, Vila Velha, Espírito Santo, 19-7-2024

Anteriores: 
Como seta feita em pau tostado 
Saudades 
Espírito de porco 
Dobraduras com saquinhos de chá 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-