terça-feira, 23 de julho de 2024

[Aparecido rasga o verbo] Manias e hábitos

Aparecido Raimundo de Souza 

NO BANHO, eu só saio debaixo da água fria, depois de contar até vinte, pelo menos umas quinze vezes. Na rua, ao pegar a condução para onde pretendo me dirigir, deixo passar uns cinco carros e então, embarco no primeiro, depois do sexto. No restaurante miro direto o prato que está por baixo. Jamais utilizo o de cima. Mamãe chama isso de Transtorno Obsessivo Compulsivo. Eu prefiro simplesmente o TOC. Me faz lembrar o Roberto Carlos.  

Quando vou ao banheiro para as necessidades fisiológicas, nunca uso papel sanitário para limpar o “pescoço em francês.” Adotei o hábito de meu velho avô João, que Deus o tenha.  Após a cagada, vovô lavava as partes com o chuveirinho de esguicho. O único inconveniente nessa empreitada é que somente costumo usar a privada de casa. No conforto do lar, você não precisa se livrar dos excrementos que ficam grudados em ambas às bandas do sanitário. 

E por qual motivo isso acontece? Eu explico. A defecada, em contato com a esguichadela do chuveirinho, espirra um óleo tipo aquele “Lubrax Quatro” por todos os cantos, o que me leva a não pensar no trabalho a seguir, qual seja, o de me desfazer da sujeira extra, “a depois.” A nossa empregada fica pê da vida. Se pudesse, me engoliria vivo.

Outro particular. Quando bebo refrigerante não uso canudinho, uma vez que não consigo enfiar a porcaria do canudo na boca sem antes ferir os olhos. 

Só assisto televisão com volume baixo. E qual o objetivo dessa palhaçada? Na hora da novela eu jogo a minha fala aos personagens e me irrito comigo mesmo quando a minha voz não se enquadra aos atores ou à cena. Não deixo que varram meu quarto da porta para fora. No momento em que dona Graciosa Rodela (nossa empregada) vem fazer a limpeza, passo a mão na vassoura e acondiciono o lixo dentro de um saco plástico (que, em seguida, escondo no roupeiro de papai). 

Quando não ponho em prática tal disparate, dispenso todo o entulho embalado em uma caixa que enfio no congelador da geladeira, ou quando ela está muito cheia, acomodo tudo sob os travesseiros da cama da Olofontina Fufucas, minha irmã. Digitar com alguém no WhatsApp usando a câmera e falar como se a pessoa estivesse não só me vendo, como me ouvindo, logicamente sem usar o microfone do aparelho. E a pior delas, no meu entender: copiar além das minhas, as fantasias dos outros. 

Vou tentar explicar em poucas palavras as tais fantasias. Essas, realmente, são de deixar qualquer um com os nervos em frangalhos. Na última, um pouco difícil de acreditar. Me travesti de Alexandre de Morais. Cortei o cabelo, até a careca dar sinais de vida.  Em seguida, saí dando canetadas a torto e a direita. Enfiei, para começo de conversa, uma no nariz de um senador chato, o Anatalino Veado Prematuro e, por pouco, não fui parar na Papuda. Me liberaram porque na “hora agá,” convenci a todos que era o Lula.   

Geralmente essas cessões obstinadas e inflexíveis, ou ainda relutantes e fantásticas (o que quer dizer a mesma coisa), são as mais esquisitas possíveis. No caso aqui trazido, torrar o saco de quem está lendo. Todavia, repetir a mesma palavra em “cinquenta tons” diferentes, não é nada comparado a um amigo de longa data. O Benedito Frôscolo. Assim que termina uma conversação, o cara tem por hábito cuspir três vezes para cima. Geralmente nunca acerta ninguém, a não ser nele mesmo.  

Outro mais pirado, o Jose Antônio do Pinto Tapado. O amalucado, mete a cabeça debaixo da água fria. Dias atrás, em face dessa loucura (havia acabado de jantar), abriu a torneira do chuveiro e se molhou todo. Sem tirar as roupas. Foi parar no hospital. Graças a Deus, não morreu. Entretanto, ficou com um lado do rosto paralisado e a boca totalmente entortada -, tanto para a direita -, como para a esquerda, obviamente dependendo do lado que a pessoa esteja posicionada. 

Não consegui me livrar de uma pecha por demais inoportuna. Juro que tentei, diversas vezes, me desfazer desse maldito incômodo, porém, tudo redundou em vão. Mas, que defeito esse -, ou melhor -, que fraqueza contumaz e teimosa seria, alguém haverá de indagar? Aqui vai a resposta. Peidar em surdina em lugares cheios de pessoas almoçando. Apesar da galera em derredor desconhecer e não apontar o célebre autor da façanha. 

No fundo, a gente tem consciência, sente na pele, percebe claramente (pela cara de poucos amigos dos que nos cercam) que os senhores e as senhoras presentes sabem ou desconfiam quem se travestiu de malcriado e sem noção e propagou a fedentina reinante. Apesar dessa defectibilidade ridícula, eu particularmente considero esses melindres um tipo de imbecilidade brandamente inocente. O que isso quer dizer?  

Simples! A merda, em si, não gera maiores consequências. Considero coisa pior, por exemplo, aquela obstinação que de fato me trouxe sérios problemas. Graças a Deus, consegui me safar ileso. Adorava, de paixão, gritar, gritar mesmo, berrar, à plenos pulmões, logo que me acomodava em minha poltrona dentro de um avião. Por oito vezes, se não me falha a memória, fui retirado praticamente à força de dentro de algumas dessas aeronaves de voos domésticos. 

A demência de uivar feito um desesperado, ou pior, sem qualquer motivo aparente, me fez parar na Polícia Federal de vários aeroportos Brasil afora. Parei de viajar de avião. Optei pelos ônibus interestaduais. Cansativas as viagens, diga-se de passagem. A gente chega morto. Porém, uma boa noticia. No lugar dos “esgoelamentos” descomunais, decidi criar pânico entre os passageiros, tardão da noite. Comprei, no câmbio negro da Vinte e Cinco de Março, uma arma de fogo e me municiei de várias caixas de balas. 

Passei a atirar para o teto com essa arma, à hora em que todos dormiam tranquilamente. Não deu outra. Fui preso e processado. Dos males, o melhor. Hoje me encontro (graças a um advogado porreta que meus familiares arranjaram) num manicômio judiciário como um verdadeiro maluco varrido. Varridão, para ser literalmente exato. Objetivando não cair no marasmo, vez em quando, perturbo a galera dos médicos no refeitório à hora em que todos estão jantando. 

Deblatero com todas as forças que consigo arrancar da garganta. Não dá outro BO. Uma pá de enfermeiros sai em meu encalço em desabalada carreira. Sempre tendo eu na frente e a galera, em meus calcanhares. Geralmente costumo pegar o caminho de uma espécie de jardim (tipo o de uma chácara) tomado por árvores, e, entremeado a elas me escondo aqui e ali deixando as criaturas “emputecidas” da vida. Só me aquieto, quando exausto e sem forças, a camisa de força entra em mim como um uma bola chutada por alguém em direção à rede balouçante do gol. 

Mas estou melhorando. Acreditem, estou indo de vento em popa. A derradeira façanha por mim posta em prática, se fez legal. Estupenda. Acendi uma vela e encostei a chama perto de uma das mangueiras que acessam os botijões de gás da cozinha. Coisa de cinco ou seis minutos depois, o alvoroço. Pelo menos meia dúzia de sobreviventes estão descansando os ossos na enfermaria. Dos males, o melhor. Ruim, de verdade, ou “mais mau,” na verdadeira acepção da palavra, seria se estivessem amontoados no necrotério.  

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Ribeirão Preto, São Paulo, 23-7-2024 

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