terça-feira, 29 de abril de 2025

[Livros & Leituras] A Igreja e a Política no Brasil

Marcio Moreira Alves, Livraria Sá da Costa Editora, Lisboa, 1.ª edição: 1978, 314 páginas. 


A maior parte das pesquisas bibliográficas e da redação deste livro foi feita em 1973 e apresentada como tese de doutoramento à Fondation Nationale des Sciences Politiques, de Paris. Uma versão reduzida, da qual se eliminou a excessivamente acadêmica introdução metodológica, foi publicada em francês pelas Éditions du Cerf, em 1974. A presente edição, revista, aumentada, reordenada e atualizada, é baseada na publicação francesa, embora a corrija e altere substancialmente. É por ela, e não pela versão anterior, que gostaria de ver julgado o esforço de análise, reflexão e eventual militância que durante mais de dez anos dediquei à Igreja Católica no Brasil.

Mantenho, no presente trabalho, as conclusões gerais a que chegara em 1973 sobre o papel que a Igreja Católica, tomada no seu conjunto organizacional, poderá vir a desempenhar na luta pelas transformações de uma das sociedades mais injustas e violentas que existem no mundo de hoje. No entanto, procuro aprofundá-las, justificá-las melhor e, em alguns casos, matizá-las tendo em conta a evolução de dois fatores de imensa importância: o agravamento do conflito Igreja-Estado, do qual resultou recentemente o assassínio de dois padres e o seqüestro de um bispo, e o florescimento de uma nova estrutura organizacional, potencialmente transformadora, as comunidades ec1esiais de base.

Para os teólogos, igreja é “a Palavra, o Sacramento, a presença do Bispo e a comunhão com todas as demais igrejas” (Pe. Alberto Antoniazzi) e a igreja local é “a porção do Povo de Deus confiada a um Bispo que, aderindo ao seu pastor e por ele congregada ao Espírito Santo, mediante o Evangelho e a Eucaristia, constitui uma igreja particular” (Christus Dominus, 11/1034, documento conciliar). Para o objeto deste estudo, a igreja é uma instituição sociológica concreta, com os seus centros de decisão, as suas estruturas organizacionais, os seus recursos materiais e humanos e o seu discurso ideológico, existentes em um lugar determinado, o Brasil, em um tempo dado, o que vivemos. 

É a ação política desta instituição e as razões que a instruem que procuro examinar. Penso que a exemplificação e as lições contidas no caso brasileiro podem ser extensivas a outras igrejas, latino-americanas e europeias, em particular às de Espanha e de Portugal.

Finalmente, gostaria de registrar a minha gratidão pelas severas e fraternais críticas de Magno Villela, que muito influenciaram a reformulação deste trabalho.

Lisboa, setembro de 1977


Márcio Emanuel Moreira Alves, (Rio de Janeiro, 14 de julho de 1936 — Rio de Janeiro, 3 de abril de 2009) foi um acadêmico, advogado, cientista político e jornalista brasileiro, ex-membro do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Pela Guanabara, foi deputado federal até ter seu mandato cassado. (…)

É lembrado como o provocador do AI-5, ao proferir no início de setembro de 1968, como deputado, um discurso no Congresso Nacional em que convocava um boicote às comemorações do Dia da Independência do Brasil e solicitava às jovens brasileiras que não namorassem oficiais do Exército.

Em função do tom, considerado radical, de seu discurso, o Ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, enviou à Câmara de Deputados um pedido de autorização para que o deputado Márcio Moreira Alves fosse processado, mas, em votação realizada em 12 de dezembro, o pedido do governo foi rejeitado por 216 a 141, com quinze abstenções. Nesse mesmo dia, Márcio Moreira rapidamente abandonou o recinto da Câmara e desapareceu, exilando-se depois.

A represália do governo foi violenta: na manhã seguinte, foi convocado o Conselho de Segurança Nacional e editado o Ato Institucional Número Cinco, considerado o mais duro ato institucional editado durante o Regime Militar, que deu ao presidente o poder de fechar o Congresso Nacional e as legislaturas estaduais e municipais, governar por decreto e suspender os direitos políticos dos cidadãos. (…)

Em 1974, mudou-se para Lisboa, onde foi professor do Instituto Superior de Economia. Durante seu exílio, em 1977, chegou a ser indiciado no Brasil em um inquérito instaurado no Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) do Rio de Janeiro, acusado de redistribuir ilegalmente no Brasil o livro Suor e alegria: os trabalhadores de Cuba, editado em Portugal.

Em 1978, porém, a investigação foi arquivada.

Beneficiado pela Lei da Anistia, em 1979, Márcio voltou ao Brasil e passou a colaborar, até 1986, com o jornal Tribuna da Imprensa. (…) Wikipédia

Abstraindo a ideologia (e a intenção sequente), o livro tem relevantes informações factuais. Por exemplo:

1: Em 1951, depois de uma primeira reunião das equipes regionais e do Nordeste, o MEB (Movimento Educacional de Base) lançava-se na tarefa de “contribuir de uma maneira decisiva para o desenvolvimento integral do povo brasileiro. tendo em vista as dimensões totais do homem e utilizando todos os métodos autênticos de conscientização.

Isso deveria ser levado a cabo a partir de uma perspectiva de autopromoção e deveria conduzir à transformação decisiva das mentalidades e das estruturas. Esta transformação parece-nos, neste momento, necessária e urgente”.

Um ano mais tarde, os coordenadores sentiam a necessidade de elaborar um texto para uma cartilha capaz de ajudar o despertar das consciências que buscavam como seu objetivo primário. Formou-se um grupo de estudos, preparou-se um texto e, depois da, aprovação por alguns bispos, foi encomendada a impressão de cem mil exemplares a uma tipografia de esquerda.

A 20 de fevereiro de 1964, o livro foi apreendido pela polícia política do Estado da Guanabara, governado por Carlos Lacerda, um dos principais chefes da conspiração contra Goulart.

A começar pelo título Viver é Lutar, tudo neste livro foi apresentado como prova da “comunização” da Igreja e da infiltração subversiva no MEB.

Os textos das cartilhas não eram o único instrumento de trabalho dos militantes do MEB e de outras organizações católicas empenhadas na mobilização camponesa.

Em 1961, Paulo Freire, professor na Universidade Federal de Pernambuco e católico radicalmente votado à causa das transformações sociais, tinha posto em prática um método para ensinar os camponeses a ler em quarenta horas de aulas, mas a alfabetização não era, no seu espírito, senão um objetivo quase secundário a atingir.

Fundamentalmente, Paulo Freire queria ensinar os camponeses a pensar, a reconhecer o seu lugar na sociedade, a ver as relações de dominação que impediam o seu progresso.

A razão desta insistência na análise da realidade era idêntica à que compelia os quadros do MEB para a via “não diretiva” — uma profunda crença na possibilidade que o homem tem de modificar o seu mundo e a si próprio, a partir do momento em que toma consciência da opressão de que é vítima. Com efeito, as oito primeiras aulas de cada curso de alfabetização eram exclusivamente destinadas a estimular a “consciência crítica” dos camponeses.

2: Em 26 de maio de 1969, o padre Henrique Pereira Neto, capelão dos estudantes do Recife, foi sequestrado por um grupo não oficial. o CCC (Comando de Caça aos Comunistas). Na manhã seguinte o seu corpo, torturado e degolado, foi encontrado num campo vizinho à Universidade Católica. A censura impediu a publicação da notícia pela imprensa local. O Exército ocupou a cidade, que o cortejo fúnebre, conduzido por D. Hélder Câmara, desfigurado de dor, atravessou de ponta a ponta.

Um ano mais tarde, dia por dia, D. Hélder decidiu denunciar publicamente a tortura dos prisioneiros políticos no Brasil.

Sabendo que a imprensa brasileira não poderia publicar as suas declarações, preferiu fazê-las em Paris, durante uma conferência no Palácio dos Desportos. Limitou-se, então, a citar apenas casos que havia comprovado pessoalmente, entre os quais o de um jovem advogado, tornado paralítico, que visitara no hospital do Recife.

Foi o bastante para reforçar a avalanche de denúncias feitas pelos próprios presos políticos, por correspondentes estrangeiros no Brasil, pelas organizações internacionais de proteção aos direitos do homem e, finalmente, pela própria CNBB.

O Pe. Joseph Comblin, um dos inovadores da Teologia da Libertação e conselheiro de D. Hélder até ser expulso do país, considera a defesa dos direitos do homem como sendo atualmente uma parte integrante dá estratégia política da Igreja por ter ela de opor-se a um novo tipo de regime sócio-político fascizante, em formação na América Latina.

Em 2025, políticos, jornalistas, blogueiros, juízas, exilados, brasileiros, também preferem fazer as suas declarações no Exterior…😉

👏👏👏👏 

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