Aparecido Raimundo de Souza
Algumas noites dormia sob marquises de lojas elegantes, outras debaixo de pontes e viadutos. Em oportunidades raras, estancava o corpo moído em calçadas de prédios fechados. Trazia consigo um cobertor molambento e malcheiroso que conseguira há meses e que, apesar dos buracos, ainda lhe dava algum conforto em noites de frio intenso. Pedro da Silva Ninguém não sabia quantos anos estava mais perdido que cego em tiroteio, porém, tinha a convicção de que a cidade aos seus pés (perdão, ao seu redor) nunca lhe pertenceria. Havia momentos deselegantes em que desejava ser visto, como um ser normal, não apenas como parte da paisagem esquecida ao deus dará. Na maioria das vezes, alimentava a realidade e sabia que a sua invisibilidade se consubstanciava em sua única proteção.
A fome persistente e negra, se fazia diária, sempre presente, a solidão se tornara um hábito, e o tempo inexorável se arrastava como a sua vidinha infame, tipo uma espécie rara de doença sem cura. Dias atrás, ao atravessar uma praça, alguém lhe disse que “morar na rua se assemelhava a como adoecer de uma enfermidade que não tem tratamento”. E é a mais pura verdade. Primeiro, se perde o emprego, depois a casa, em seguida a esposa, os filhos, os pais, os amigos (aqueles que se diziam “amigos”) e finalmente o nome. Quando menos se percebe, já não se é mais alguém. De seu passado, apenas um reflexo mal-ajambrado de algo ruim e pernicioso que ninguém quer enxergar.
A cidade esplendorosa, saudável e pulsante aos seus olhos esbugalhados, continuava insensível e apática. Os semáforos abriam e fechavam, fechavam e abriam como “bucetas operosas em casas de Mães Joanas’ e ninguém olhava para ele. A criatura também não se debruçava a desviar seus receios e desventuras para ninguém. Afinal, para todos, sem exceção, notadamente para moradores de ruas, praças e jardins, desde muito vinha compreendendo que ser visto nem sempre significava ser lembrado. Existir, ou pior, ser efetivamente enobrecido, é coisa do passado, ou pior, de um ontem que não regressará. A população em situação de “ruas” é resultado de uma série de fatores interligados, que vão desde questões estruturais até circunstâncias individuais. A nosso entendimento, algumas das principais causas incluem: desemprego e falta de oportunidades.
A perda de trabalho ou a dificuldade em encontrar outra ocupação pode levar ao empobrecimento e, em casos extremos, à perda de moradia. E o mais degradante: a obstrução da própria personalidade. Existe também a famosa e indestrutível “desigualdade social e econômica”. A concentração de riquezas e a deficiência de políticas de distribuições justas dificultam, sobremaneira, o acesso de muitos ao considerado “básico” para a sobrevivência e uma vida digna. Em caminho paralelo, é bom deixar esclarecido que corroboram também para essa epidemia gritante, os mais de trocentos problemas familiares, bem ainda a descomedimentos domésticos seguidos de conflitos intensos, atrelados a uma “manada” de abusos e violências constantes.
Como um todo, pequenos entraves podem levar indivíduos a saírem de suas casas sem ter para onde ir. Em trilho igual, as inseparáveis questiúnculas de saúde mental: transtornos psiquiátricos não curados com a eficácia, devida, seguida e tratadas, ou sem um acompanhamento adequado. Todas essas falhas (como bocas desdentadas) podem levar e, de fato levam, à incapacidade de manter um emprego fixo e teto estável. Em cena idêntica, temos a dependência química. O uso imoderado de drogas e álcool pode gerar (e gera) uma “espiral de embaraçamentos financeiros e sociais” que empurram os menos desavisados, para os degredos das ruas.
Somado a isso, a falta de políticas públicas eficazes –, a ausência grandiosa de programas habitacionais acessíveis, apoio social e sistemas de reabilitação podem agravar assustadoramente a permanência das pessoas dependuradas nas imundícies dos sem destinos. Contribuem, no mesmo patamar, os despejos e as especulações imobiliárias. O aumento estapafúrdio dos preços dos imóveis e aluguéis pode expulsar (e expulsa) pessoas de suas casas, deixando-as sem alternativas viáveis. Esses fatores geralmente não atuam isoladamente, mas sim de maneira combinada, criando um ciclo difícil de romper. Grosso modo, como a virgindade de uma mulher virgem em sua primeira vez. Resolver essas querelas exige abordagens que considerem tanto a assistência social quanto as oportunidades reais de uma boa e excelente reintegração.
A pergunta que faço, amigos e amigas da “Grande Família Cão que Fuma”. Voltando um pouco a fita: como os problemas de saúde mental embaraçam as populações de rua? Sabemos, de cor e salteado, que os problemas de saúde mental têm um impacto profundo na população em situação de descaso, tanto como “causa” quanto como “consequência” da vida por nossas praças e avenidas. Vejamos alguns dos principais efeitos. Eles incluem a apertura de manter o emprego e a moradia. Reveses e estorvos como a depressão, a esquizofrenia e ansiedade severa. Em conjunto, podem tornar difícil para a pessoa manter um trabalho estável e cuidar de suas responsabilidades diárias, levando à falta de moradia.
Pois bem! Não devemos nos esquecer do isolamento social. A estigmatização e a falta de suporte fazem com que as pessoas com problemas de saúde mental sejam rejeitadas ou se afastem da convivência diária, reforçando o ciclo cada vez mais robusto da exclusão. Em seguida teríamos o agravamento dos sintomas. Sem o acesso adequado a tratamento, os vestígios e prenúncios de transtornos mentais podem se intensificar, tornando cada vez mais difícil para aos depauperados buscarem ajuda. Não podemos fazer ouvidos de mercador, outrossim, da automedicação desregrada e da dependência química. Muitos “despreparados” acabam recorrendo ao álcool e às drogas para aliviar o sofrimento psicológico, o que leva a um agravamento do quadro e dificultando ainda mais o retorno ao convívio da sociedade.
Outro item que se faz gritante: a vulnerabilidade à violência. A população das ruas, especialmente aqueles que lidam com transtornos mentais, frequentemente se tornam vítimas de violência e exploração, o que pode intensificar traumas preexistentes. Empecilhos iguais em acessar serviços de saúde. Aliás, o sistema de saúde pública, o glorioso e catastrófico (SUS, por exemplo, ou SISTEMA ÚNICO DE SUSTO, ou SISTEMA ÚNICO SUCATEADO) é uma merda, um cocô fedorento, um cagalhão, vez que não consegue oferecer um atendimento contínuo e adequado para as pessoas em situações de “ruas” (não só as de “ruas”, falo aqui da população inteira), o que perpetua de forma drástica a ausência de tratamentos e acompanhamentos. O acesso a programas de apoio psicológico, centros de acolhimentos e políticas de reinserção social são essenciais para quebrar esse ciclo pavoroso que aos mais antigos (como eu) simplesmente envergonham.
Mesmo norte, devemos ter em conta, que o desafio não é apenas estrutural. Também serve para o “sobre o enxergar dessas pessoas como indivíduos que precisam de suporte e dignidade”. Sobretudo de comida para matar a fome cotidiana. Quais políticas públicas poderiam ajudar a população em situações de “pauperrimidades galopantes? Na minha visão, existem várias políticas públicas que poderiam ser implementadas para ajudar a “galera” em situação de “ruas”, promovendo a inclusão, a dignidade e oportunidades reais de reintegração. As mais eficazes, tomei a liberdade elencar abaixo: Habitação social e programas de moradia – Projetos de moradia e quando menciono moradia, sinalizo as subsidiadas iniciativas como o "Housing First", (esse caralho não é para comer), que oferecem residências permanentes antes de outras formas de assistência, até agora têm demonstrado sucesso na reintegração de seres humanos em situações consideradas emergentes. Pelo menos para os que pensam.
Aqui no nosso nariz, existe no coração da Gávea, o abandonado Conjunto Residencial Marques de São Vicente (projetado exatos setenta anos, por Affonso Reidy) conhecido como “Minhocão”. Engraçado que entra governo, sai governo, entra prefeito, sai prefeito, entra ladrão e sai bandido, entra bandido e sai filho da puta, mas não tem nenhum safardana de coragem, ou que tenha três colhões que pare e pense: – “Porra! Vamos reconstruir esse marco da história e fazer outros, ao invés de campos de futebol, pracinhas, enfiar nos cus dos ralos dinheiros com brinquedos que logo serão destruídos por vândalos, arruaceiros e desordeiros”. De bom entendimento também o acesso à saúde e a assistência psicológica. Seria fundamental garantir serviços gratuitos de saúde mental, consultas médicas, atendimentos odontológicos e apoio para as trocentas maneiras de dependências químicas existentes.
Mesmo pacote, capacitação profissional e emprego – oferecer programas de qualificação e oportunidades de frentes de serviços, em parcerias com empresas para a contratação de pessoas em situações de “ruas”. Todas essas saídas “básicas” poderiam ajudar na autonomia financeira e na reinserção social. Mesmo chute no olho da bunda, o acolhimento e a proteção social – tipo abrigos, centros de assistência social e espaços de acolhimento com suportes básicos garantiriam a dignidade e a segurança para quem está vulnerável. Fortalecimento das redes de apoio. Parcerias entre governo, ONGs e voluntários poderiam ampliar o impacto de ações sociais e permitir uma abordagem mais humanizada.
Mesma lista, o combate à descriminação e a proteção legal. É essencial garantir que as pessoas em situações de “ruas” tenham acesso a direitos fundamentais e que sejam protegidas contra violência e preconceito. Educação e reintegração social, sempre. Programas de alfabetização, acessos às escolas para crianças e jovens em situações grotescas e incentivos à educação para adultos, acredito piamente poderiam abrir novas chances. A chave para uma política eficaz não é construir pracinhas lindas, reformar estádios de futebol, ou teatros fantasmas, ou ainda tirar a mancha do batom da porra da estátua da justiça em frente ao STF, atos que não servem para nada. A solução mais urgente, para ontem, seria os “políticos” criarem vergonha em suas caras e garantirem que essas medidas sejam e fossem aplicadas integralmente levando em conta as diferentes necessidades de cada indivíduo.
Muitas cidades já adotam alguns desses projetos, mas há um longo caminho a percorrer (chamado caminho da morosidade, da putaria, da falta de respeito, do pouco caso), entre outros, para garantir que ninguém seja deixado ao salve-se quem puder. Tenho uma outra indagação que em face das demais, não quer calar. Está entalada na garganta. O que vocês achariam que poderia ser feito para fortalecer essas políticas? Num primeiro tapa no focinho de cada um, os nossos políticos, (perdão, os nossos representantes deixarem de ser babacas, ladrões e vigaristas dos bolsos da população, cessarem de vez os absurdos, as falcatruas e implementarem em ato contínuo, leis rígidas que efetivamente cumprissem a sua finalidade, qual seja a de tirarem os moradores das “ruas” espalhados pelas grandes metrópoles, bem entendido, ruas, avenidas, ruelas e becos.
A questão da população em situação de “ruas” (tipo a Cracolândia em São Paulo, acabou? De verdade? E para onde foi? Mudaram para Floripa?... ou a polícia matou todos os seus ocupantes??!!). É extremamente complexa, tenho plena convicção disso, e compreendo que envolve fatores sociais, econômicos e de saúde pública. Leis rígidas (e não leis de merda, decretos de latrinas, canetadas de descargas de esgoto) que apenas retiram essas pessoas das calçadas sem oferecer alternativas eficazes podem gerar efeitos negativos, como uma marginalização ainda maior e o deslocamento forçado, sem solucionar o problema real. Políticas mais eficazes costumam ser aquelas que focam em reinserção social, (já mencionei isso lá em cima) oferecendo oportunidades de habitação acessível, capacitação profissional e apoio psicológico. Programas de moradia assistida, iniciativas de emprego social e acompanhamento de saúde são exemplos de abordagens que mostraram em tempos idos, resultados positivos em algumas cidades ao redor do mundo.
O grande desafio está em encontrar soluções que garantam dignidade e autonomia para essas criaturas, ao invés de apenas deslocá-las de um lugar para outro. Afinal, o objetivo não deve ser apenas “tirar” as pessoas das ruas, mas garantir que elas tenham condições reais de reconstruírem suas vidas. Amigos e amigas leitoras, como vocês imaginam que poderia ser feita essa transição de forma justa e eficaz? A situação dos em situações de “ruas” realmente exige atenção, sensibilidade e políticas públicas eficazes. No entanto, tratá-la como um "câncer contagioso" pode reforçar estigmas que dificultariam ainda mais a busca por soluções. Essas almas sem Deus, enfrentaram ou melhor, enfrentam desafios enormes, muitas vezes decorrentes de problemas estruturais como falta de oportunidades, saúde precária e desamparo social.
Se o governo é falho (como sempre) e as “artoridades” são relapsas em oferecer suportes adequados, a sociedade também pode ter um papel importante na busca por mudanças. O envolvimento de organizações sociais, iniciativas de acolhimento e pressão popular por políticas mais eficientes podem gerar impactos positivos. Alguns lugares implementaram programas de moradia assistida e reabilitação que mostraram resultados espantosos. Para tanto, amigos e leitores da “Grande Família Cão que Fuma”, precisa “aparecer do nada” aquela sementinha da vontade eficaz, o jardim da dedicação, a floresta da boa vontade dos que tem as leis a seu favor e sequer dão atenção aos problemas. Essa mudança da água para o vinho exige mais do que discursos. Precisa de ações concretas, políticas bem estruturadas e um olhar humano para aqueles que foram deixados às margens de todas as desgraças. Enquanto isso não acontece na escala que deveria, pequenas ações podem fazer diferença.
O engajamento da sociedade, repetindo, de novo, para que fique gravado, o trabalho de ONGs e até mesmo a pressão popular (não destruindo prédios, incendiando ônibus, estuprando velhinhas), podem forçar mudanças. Muitas políticas eficazes surgiram porque as pessoas exigiram que fossem implementadas. Tudo isso se resume numa palavrinha linda, simpática, alegre e saltitante: MOBILIZAÇÃO. A mudança pode parecer lenta e frustrante, mas cada avanço, por menor que seja, conta. A pressão da sociedade e o envolvimento de organizações podem ser um impulso para exigir respostas mais efetivas. O que você acha que poderia ajudar a acelerar essas transformações?
Se essa realidade QUE ACIMA MENCIONEI fosse tratada com o comprometimento necessário, com políticas bem estruturadas e ações coordenadas entre governo e sociedade, poderia haver uma redução significativa do problema. Falta apenas os nossos representantes criarem vergonha em suas “carinhas de pau oco” e agirem. Agirem, obviamente, em prol do POVO SOFRIDO. Certamente o Pedro da Silva Ninguém (e uma legião de outros Pedros iguais a ele) teria ao alcance das mãos uma esperança. A de ser FELIZ e gritar: “BRASIL UM PAÍS DE TOLOS”, perdão, de “TODOS...”. de T O D O S.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de São Paulo, Capital, 6-6-2025
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