sexta-feira, 3 de maio de 2024

[Aparecido rasga o verbo] HELENA

Aparecido Raimundo de Souza  

HELENA NÃO ENTROU na vida dele, como um sopro de vida que abandona o espírito, ou como um ruído estrépito de trovão que logo em seguida se faz calmo e apenas assusta. Ela não pretendeu ser a simples namorada, a passageira que desceria na estação seguinte. Ela se imaginou ir além da estrangeira que transpõem o faz de conta, e, nesse tom, ser mais que a dona do seu coração. Ela se transformou, da noite para o dia, num círio afogueado, aquecida na brasa de uma musa inspiradora, sempre desejando na expectativa densa da reciprocidade enfeitar os momentos cinzentos retratados em telas de cores vibrantes manifestadas numa espécie de exposição em uma galeria de sonhos onde só ele tinha livre e total acesso. 

Com um sorriso terno e solene, célebre e mavioso que rivalizava com o brilho do sol e um par de olhos profundos tipo o “quarenta e três cantado pelo Paulo Ricardo,” e a melodia serenizada que nascia deles, acalentava a promessa de mil e uma aventuras. Não só isso. Ela, em paralelo, mergulhava de cabeça, se fazia poesia em volúpia na prosa corriqueira do cotidiano. Cada momento, ao lado do seu escolhido, sem sobra de dúvidas, bailaria uma animosidade rígida e restauradora, tipo um elo vertiginoso e santificante, onde a história envolvente fluiria e se colocaria à espera de ser contada. Fosse em passeios descompromissados pelas ruas e avenidas, ou pelo Parque da Prainha, ou em conversas profundas e informais sob o céu estrelado cobrindo o Convento da Penha, Helena tinha o dom de tornar o ordinário em extraordinário. 

O feio no bonito, o escuro, no claro, a desesperança na esperança, o hoje no agora e o agora, no já. Essa história surreal que acumulava tudo para ser linda, com final feliz nos moldes dos romances de Jojo Moyes, deu seus primeiros passos numa tarde dentro do atelier de costura de dona Dorys, uma amiga de ambos. Foi ali, entre máquinas de costuras, linhas e agulhas, cabides, e lingeries, vestidos e calças, que os atalhos deles se cruzaram. Ela, perdida em pensamentos, sentada numa cadeira, parecia alma perdida à procura de reza.  Ele, um cliente desejoso de mandar arrumar meia dúzia de camisas, naquele instante mágico teve a sorte de notar aquela preciosidade sentada num canto da peça em conversa animada com a costureira dona do pedaço. 

Delicadamente a deidade segurava nas mãos uma ternura exposta e no rosto formoso o sofrimento de passos vividos. Apesar disso, seus seios esguios repousando sobre fina blusa branca, embalava uma emoção cativante. E o melhor de tudo: seu porte se destacava indescritível. Ao se deparar com aquele senhor que chegara e lhe cravou os olhos, esse simples e despretensioso gesto acidental, na verdade, se tracejou como uma bala disparada de um revolver exasperado por um cupido de mira excelente. A detonação, por conta, acertou o alvo e o sangue nas veias de ambos passou a jorrar e a correr, a queimar e a arder como brasas tonitruantes. No instante seguinte, o tempo pareceu parar. Nenhum, nem outro, se atreveu a puxar conversa. 

A dizer um simples “oi.” Todavia, na primeira impressão que flutuou no ar sedimentada por alguma coisa nova e intocável, aos poucos foi se materializando, usque se delineando entre os futuros “pombinhos.”  Mesmo tempo, um vento benfazejo soprou entrelaçando em meio a um ardente nascer de um gostar que se agigantou pressuroso. Não parou mais. Respingou esperanças, construiu um futuro inverossímil com promessas de encontros e deleites futuros. Foi exatamente esse vento que “a depois” falou mais alto no derradeiro em que ela se levantou e se despediu indo embora. Da porta, em pé na calçada, a diva se voltou e acenou um adeus ao recém-chegado. Dias depois, o primeiro encontro. 

Agora, fora da base do atelier de dona Dorys, papos e trocas de impressões. Conversaram, trocaram blandícias e desvelos, amabilidades e deleites. Se encontraram, em dias alternados, e neles se fizeram íntimos em quatro paredes num colchão armado em chão de quitinete onde mal cabia um. Nessa noite, as estrelas tomaram o céu, de assalto. Cada palavra pronunciada, cada gota de suor, deixou a certeza de que ambos haviam encontrado algo especial um dentro do outro e, no escondido do querer à primeira vista, se solidificava um futuro promissor. Helena tinha a habilidade de ouvir não apenas com os ouvidos, mas com a alma, e cada resposta sua, se transformava num convite para o descobrir de novos mistérios advindos do seu “eu interior.”  

De repente, a fatalidade. A separação. O desviar dos sorrisos, a bofetada das palavras ditas e soltas que só fizeram machucar. Helena num abrir e fechar de pálpebras, deixou de ser a inspiração que fez a sua metade faltosa da laranja cair do chão e se pegar voando em quimeras. Num relance melancólico, ele deixou de ser a canção que nunca mais saiu da cabeça dela. Veio o tédio, o afastamento, as mensagens via WhatsApp se escassearam. Com ela, cada novo momento se faz numa nova página de um livro que começaram escrevendo juntos. Para ele, uma história bonita de amor angelical repleto de risadas e enlevos que tinha tudo para prosperar e se tornar imorredouro. Para Helena, a destituição da não mais companheira, a confidente, a melhor amiga, a mulher. 

Ele, por seu turno, igualmente deixou escapar o inaudito, o insólito, o segredo pujante que vestia a prenda na sua forma mais pura. Esta simples crônica é apenas um fragmento transformado em pó do que ela poderia representar para ele —, e ele —, para ela. Em resumo, dois enamorados apartados, distanciados pela solidão absoluta do que no amor, pode ser rotulado como desencontro. Se ela não tivesse ido, ou ele ficado, o trilhar de suas vidas poderia levá-los aos píncaros, ou via outra, ao ágape de um eterno indubitavelmente sem limites. 

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, 3-5-2024

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Um dia o amor 

2 comentários:

  1. Linda história de amor mas está crônica não e só uma história foi real eu participei sou a Helen 😘😘

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  2. UMA DÚVIDA: Helena ou Helen?
    Aparecido Raimundo de Souza
    Em Vila Velha ES

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