Aparecido Raimundo de Souza
Lafaiete por
conta desse vazio terrificante, vivia batendo cabeça entre as estrelas e a
melancolia. Entre o sonho não vivenciado e uma realidade não palpável. Nas
noites mais escuras, olhava demoradamente para o céu e imaginava que cada
estrela representava uma quimera não decantada, um desejo não correspondido, um
tempo incerto e não vivenciado. Cada brilho distante se adumbrava como uma
lembrança dolorosa; um eco daquilo que poderia ter sido; mas nunca se fez
palpável.
Por conta
disso, trocentas vezes mergulhava em pensamentos ociosos, relembrando os
momentos cavernosos e anorexos, em que a pessoa amada estava por perto, sem
estar. Cada sorriso, cada olhar, cada toque, eram guardados como preciosidades
raras em seu coração. Contudo, ao mesmo tempo, essas lembranças e regalos
também se transformavam em punhais perfurando a sua alma com a certeza de que
nunca seriam mais do que isso: lembranças.
O amor não correspondido, para ele, se assemelhava a uma ferida que não cicatrizava. Se fazia pesado numa dor que não se resolveria com remédios ou palavras de consolo. Tudo se agigantava numa sensação estranha e densa de estar desabrigado, de não ter um lar para o aconchego do coração. Lafaiete se perguntava: “como poderia algo belo e intenso, causar angústia tão degradante”?
Todas as
noites, depois que chegava do trabalho, se trancava em seu quarto. Sentava na
escrivaninha e escrevia cartas. Compunha missivas longas que nunca seriam
enviadas. Poemas que jamais seriam declamados. Redigia para exorcizar a dor,
para dar voz e forma aos sentimentos que o sufocavam interiormente. Assim, meio
que abrupto, nasceu um poeta dentro dele. Cada verso, uma lágrima transformada
em palavra, cada linha uma saudade eternizada na tinta de sua caneta
esferográfica.
Mas o tempo
passou, e Lafaiete aprendeu, a trancos e barrancos, que o amor não
correspondido não mostrava o fim do mundo. Ele descobriu que a amargura poderia
se transformar em algo mais suportável. Que as mágoas, em uma série de versos,
os seus pensamentos dariam lugar à aceitação. Afinal, o amor não é apenas sobre
ser amado ou ter alguma compensação em troca. É sobre sentir, assimilar, viver,
usufruir, gozar, mesmo que num determinado ponto, alguma coisa descambe para a
dor causticante e estopadorada na sua maior forma de expressão.
Assim, entre
as estrelas e a melancolia, a consternação e a repugnância, Lafaiete se deparou
com um novo caminho a ser seguido. Percebeu que o amor não correspondido não o
mataria, ao contrário, o transformaria num novo ser. Um corpo de concepções
vivificadas. Quem sabe; talvez um dia; encontrasse alguém de verdade. Uma
criatura que olhasse para o mesmo céu e visse as mesmas estrelas. Alguém de
olhos deslumbrantes que igualmente tivesse um coração descompassado, dançando
ao som de uma música elegantemente invisível, contudo, maviosa e fruitivamente
sonorosa.
Quem sabe,
outro lado da mesma moeda, nesse encontro de almas solitárias, oxalá o amor
finalmente se tornasse recíproco, mútuo e equivalente. Até lá, enquanto a
esperança não bate definitivamente em sua porta, Lafaiete continuará a grafar
as suas crônicas, suas poesias e cartas não enviadas. Afinal, o amor não
correspondido ou não galardoado, também tem a sua beleza, a sua amenidade, a
sua magia e a sua profundidade.
Um dia
(sempre há um dia), ele, Lafaiete, se torne o protagonista único de uma
história de amor marcante, chique, saliente e infinita, tipo um conto perpétuo
e, que não caiba apenas entre as estrelas... também se coadune nos braços de
uma jovem elegante que o ame de volta, com a mesma intensidade e deleite. E
cujo amor ardente e garboso será incondicionalmente palpável até o final de
seus dias.
Título e
Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha, no Espírito Santo,
23-4-2024
Em estado de decomposição
O menino e o peso medonho do silêncio
Nem todos devem ser lembrados, apenas esquecidos...
[Aparecido rasga o verbo – Extra] O eterno “Menino maluquinho” foi morar lá no céu
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