J.R. Guzzo
É um sinal trágico do fundo de poço para o qual o Brasil de hoje foi empurrado o puro e simples fato que se segue: foi preciso a Câmara de Deputados dos Estados Unidos denunciar a censura no Brasil, porque o Congresso brasileiro, na figura dos presidentes da Câmara e do Senado, não faz nada a respeito. É, realmente, superar os limites no esforço para passar vergonha, agora na frente do mundo inteiro.
Presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, foto: Marcos Oliveira/Agência Senado |
Nenhum dos dois, até o
momento, se importou a mínima em passar vergonha aqui dentro do Brasil. Foram
capazes de não dizer uma única palavra, desde que assumiram seus cargos, diante
das centenas de atos explícitos de censura cometidos pelo STF em geral e pelo
ministro Alexandre de Moraes em particular. Para quê? Estão preocupadíssimos em
colaborar com a “governabilidade”, é claro – ou seja, suas prioridades de 1 a
10 consistem em se dar bem. Resultou nisso aí.
Já
que a Câmara e o Senado, em Brasília, são aliados dos censores, os brasileiros
conseguiram aliados em Washington
Os brasileiros sabem há muito
tempo que o STF pratica censura nas redes sociais; a Câmara americana citou 88
casos, envolvendo 300 perfis, mas são literalmente centenas de violações
flagrantes à liberdade de expressão determinada no artigo 5º da Constituição
Federal. Mas não podem fazer nada porque a força bruta está do lado do STF. Foi
preciso que uma das casas do Congresso americano, enfim informada dos fatos
pelo controlador do X, o antigo Twitter, denunciasse o escândalo que a direção
do Congresso brasileiro se recusa a denunciar.
A denúncia não vai obrigar os ministros a respeitarem as leis do seu próprio país, pois eles não estão nisso por acaso. A censura das redes, na verdade, é uma peça-chave do seu projeto pessoal de “democracia”, como dizem o tempo todo. Mas a defesa das liberdades e dos direitos civis no Brasil ganhou um novo apoio. Já que a Câmara e o Senado, em Brasília, são aliados dos censores, os brasileiros conseguiram aliados em Washington.
A vergonha, com certeza, não é
dos deputados e senadores brasileiros como um todo. Muitos deles, com claro
risco pessoal, integridade e coragem, denunciam publicamente a censura. Da
mesma forma, a imprensa independente, onde a repressão não chegou até agora –
salvo em alguns episódios – tem informado seu público sobre o que está
acontecendo.
Mas a máquina do Estado, com o
apoio da maior parte da mídia e de quem não aceita o ambiente de tumulto da
internet, tem todas as vantagens a seu favor. Os censurados não são informados
do que fizeram. Os advogados não têm acesso às decisões da censura. Não há
processo legal. Não há recurso à instância superior – na verdade, à instância
nenhuma. Como no AI-5 da ditadura militar, não é possível recorrer ao sistema
judicial para se defender das determinações ilegais.
É realmente uma aberração,
nessas condições, que as mesas diretoras da Câmara dos Deputados e do Senado
Federal não defendam, nem mesmo, os próprios deputados e senadores que são
censurados pelo STF. Na verdade, não defendem os parlamentares de nada – nem da
prisão, nem da obrigação de depor na polícia, nem da invasão de seus gabinetes,
nem da apreensão dos seus celulares e computadores. Se agem assim com os
habitantes do seu mundo, por que iriam se preocupar com os direitos do cidadão
que os sustenta? É sem dúvida um dos piores momentos na história do Congresso
Nacional.
Título e Texto: J. R. Guzzo,
Gazeta
do Povo, 20-4-2024, 8h
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