Carina Bratt
CARLOS EDUARDO acordou nessa manhã de domingo com uma súbita e avassaladora constatação: precisava de uma namorada. Necessitava urgente de um cobertor de orelha. Não se constituía, essa lacuna, apenas numa questão de solidão ou carência. A coisa desandava mais para as bandas de uma questão de completude. Aos quarenta, Carlos Eduardo se deu conta que faltava algo premente em sua vida. Sua existência se tornara num vazio meio que medonho. Por conta, colocou na cabeça que apenas o amor, ah, o amor!... unicamente ele poderia preencher o vazio que o atormentava. Como em finais de semana passados, pulou da cama, tomou seu banho demorado e, em seguida, pelado como estava, partiu para a cozinha e providenciou seu café. Em seguida, ganhou o quarto.
Ligou a televisão num canal de músicas e passou a fase do ‘se vestir.’
Hoje, entretanto, mudaria o foco. Aproveitou e colocou uma camisa nova e uma
calça jeans que comprara no mês passado. Ambas as peças –, iguais a ele –,
desde que saíram da loja onde foram adquiridas, amargavam um esquecimento que
não ia além da cara feia de um sisudo cabide despenteado. Pronto para
escancarar a porta de saída, Carlos Eduardo se lançou então numa busca
diferente e fervorosa, tipo a de um aventureiro faminto em caçar um tesouro
perdido. As redes sociais, apesar de se tornaram seu campo de apoio, os
aplicativos de namoro, a sua bússola, tudo no final de uma cansativa
investigação, redundava em nada. Estava, pois, aperreado de deslizar o dedo
pela tela do celular com a esperança de que o próximo perfil feminino fosse a
chave para abrir as pernas e os braços de seu coraçãozinho solitário.
Qual o quê! Entre tantas idas e vindas, o desditoso aprendeu, às duras penas, que o amor não se consubstanciava em algo que se farejava com pressa. Ainda mais com aquela sofreguidão descomedida que o açoitava semanas e meses. Cada encontro desastroso que tivera, cada conversa na qual se atirava afoito e aguerrido, não fluía. Mesmo desfecho, sorrisos aqui, outros ali, um terceiro e não sei quantos acolá, não alcançavam o píncaro do ‘menino maroto’ de seus olhos. Sem exceção, se tornavam apenas lembretes de que a urgência (que droga!), a ‘urgência-urgentíssima’ se mostrava a inimiga número um (número um não, número zero) do que conhecia como ‘perfeição.’’ Entre tapas e beijos, pulos e ‘despulos,’subidas e descidas, idas e vindas (mais vindas que idas), Carlos Eduardo concluiu que talvez o problema não fosse o padecimento ou a ‘ausência extrema e inópia’ de uma namorada –, aquela lastimável passagem descrita por Luiz de Camões,’ mas a pressa em encontrar uma beldade no tapa, no ‘vem cá, meu pedaço faltoso.’’
Decidiu mudar a estratégia. Se embrenhar em outro tipo de abordagem. Em
vez de procurar tresloucadamente por alguém, unicamente para tapar um oco cada
vez mais insípido e leviano, se aperfeiçoaria primeiro. Como assim? Receita
simples. Passou a cultivar hobbies; a fortalecer as amizades entre seus mais
chegados; buscou novos conhecimentos em seu bairro e até nos arredores onde
morava. Valeu a pena? Num primeiro momento, mais ou menos. Aprendeu,
entretanto, a apreciar a própria imbecilidade na qual vivia mergulhado. Se deu
conta da sua solidão interior e enfadonha, desregrada de boas companhias, de
amizades espinoteadas, que não lhe acrescentavam nada de aproveitável.
Ironicamente, foi quando Carlos Eduardo menos esperava o amor bateu à sua cueca
–, perdão –, caiu a seus pés.
Em uma tarde de quinta-feira, em um café numa padaria que nunca dantes
havia entrado, um sorriso diferenciado adentrou em sua percepção, e, a partir
daí, não arredou de sua mente. Não houve aquela urgência das vezes passadas,
menos ainda, a pressa atropelante. Apenas o suave e doce desabrochar de uma
‘conexão genuína.’ Minhas amigas e leitoras da ‘Grande Família Cão que Fuma,’ a
história do Carlos Eduardo em buscar por uma namorada, nos ensina uma lição por
demais primorosa. Nos leva a pensar que a ‘urgência-urgentíssima’ em encontrar
o amor, muitas vezes nos cega para o amor que está bem ali, ou aqui, diante das
nossas ansiedades. Nos doutrina que às vezes precisamos desacelerar a euforia,
frear os ‘instintos interiores’ para que o coração possa, finalmente, meter o
pé no acelerador, porém, moderadamente e no ritmo certo.
Devemos ter em conta que em uma cidade repleta de rotinas, onde cada dia
parece uma cópia do anterior, pode acontecer, do nada, o milagre que tanto
buscamos, ou seja, o esbarrão que desafia o comum. Bárbara, uma jovem de trinta
e cinco anos, jornalista em busca de inspiração para sua próxima crônica para
publicação em um jornal de grande circulação, decidiu tomar café em um lugar
que normalmente evitava por ser demasiado previsível. Sentada em uma mesa lá
nos fundos do salão, a musa observava o movimento das pessoas ao redor. Do
nada, um pequeno papel dobrado caiu de um livro que havia trazido. A bem da
verdade, uma página arrancada de um diário antigo, com palavras escritas à mão
e que falavam de sonhos e desejos esquecidos. Intrigada, Bárbara começou a ler
em voz alta, sem perceber que alguém se aproximava. Não outro, senão Carlos
Eduardo.
Atraído pela melodia das palavras da jovem senhorita, nosso personagem
se aproximou. Trocaram ‘ois’ recheados com algumas palavras, e, juntos,
descobriram que o cupido do amor, de algum lugar oculto ali dentro, havia
atirado uma flecha. Desse encontro ao ‘sabor do nada,’ enroupado num
estabelecimento que nem um dos dois tinha por costume frequentar, atonou o
insondado. Bailou com força total. Coincidência ou não, destino, talvez, não
importa. Aquele ‘acaso’ foi o pontapé inicial de um de amor não previsto. Agraciados
pelo momento, ambos optaram unir cada um por sua vez, a solidão pesada que os
tirava o fogo exótico e bonito da vida plena. Desde então, Carlos Eduardo e
Bárbara passaram a celebrar a formosura das histórias não contadas, e,
logicamente, das ‘conexões inesperadas.’
Final de tudo, em um dia comum, em uma mesa de padaria comum, um
encontro incomum. Verdade, minhas caras leitoras e amigas. O destino
transformou o ordinário em extraordinário, provando que a magia bucólica do
verdadeiro gostar, ou do verdadeiro sentir e querer, podem ser encontrados e
capturados nos lugares mais simples: seja numa padaria, num restaurante, num
shopping, no subir e descer de um elevador, escada rolante, meio da rua, no
atravessar de um sinal vermelho... o amor está no ar. Livre, leve e solto,
esperando apenas por corações enamorados, para fazê-lo se revelar com as fúrias
e as intensidades dos que perseguem, incansavelmente, pelo AMOR incondicional e
ETERNO. Imortal, sobretudo imortal para os que acreditam e creem piamente na F
E L I C I D A D E que ele traz dentro de si.
Título e Texto: Carina Bratt, de Vila Velha, no Espírito Santo,
21-4-2024
Súbita tempestade
Esse medo bobo que mantemos dentro de nós
Pelo olho mágico
Das canções que se fizeram eternas
Muito linda está crônica e verdade sem menos agente esperar caí um amor nos nossos braços 😍 Helena
ResponderExcluirObrigada, amiga Helena, por comentar meu texto. Fiquei lisonjeada, acredite. Obrigada, também, de coração, por acha-lo 'lindo.' Bondade sua. Com relação ao 'amor,' de fato, ponto pacífico, sem a gente esperar, ele aparece. Do nada. Surge ao acaso, de onde menos se espera. O que precisamos é aprender a mantê-lo firme e forte, salutar e vigoroso, bem ainda imorredouro. Para tanto, devemos alimentá-lo de todas as formas possíveis e imagináveis, para que não caia no esquecimento do anonimato, ou não enfraqueça as pernas, ou, ainda, via idêntica, não caia em desuso permanente, ou descambe vertiginosamente para o marasmo tresloucado, seja pela falta de afeto diário, pela ausência de carinho constante e o mais importante: pela magia incondicional de a cada dia, a cada minuto, a cada segundo, inventar uma 'coisinha nova,' um mimo, usque uma 'bobagenzinha' básica, que o faça resplandecer e se tornar indestrutível. Continue e me prestigiar.
ResponderExcluirCarina Bratt
de Vila Velha, Espírito Santo.