Carina Bratt
NUMA DESSAS NOITES, dias atrás, perdi o sono. Nunca tal coisa me aconteceu. Pelo menos que me recorde. O fato é que por algum motivo inexplicável, despertei, como se tivesse saindo de um sonho bonito. Ainda tentei. Juro que fiz das tripas coração. Me virei de um lado e de outro, mas qual o quê. Em cama vazia, o espaço se torna mais alargado, o lençol entra em colapso e o travesseiro se torna pesado como uma consciência intranquila. Naquele momento, todavia, tinha plena convicção de que não conseguiria reconciliar a calmaria que me invadia e, menos ainda, restabeleceria o meu acolhimento original nos braços de Morfeu (1).
Pulei da cama num salto e como estava vestida (só de calcinha, mania de moça sem cobertor de orelha), corri para a minha varanda. Os prédios em frente ao meu (graças à Deus coisa de dois andares abaixo) madorravam narcotizados pela semana quente e ensolarada. Vasculhando os andares, do topo ao térreo, cheguei à conclusão que seus ocupantes habitavam rincões distantes, ou seja, todos os moradores desfrutavam de um sossego benfazejo e gasalhoso. Mudei a posição dos olhos e os fixei para o alto céu.
Lá em cima, no firmamento, as estrelas pareciam sardas grudadinhas na pele maviosa da noite. Pensei que se tivesse alguém dividindo a minha alcova, eu seria como um ‘Nazar’ (2) colado no pescoço do meu parceiro. Possivelmente, com seu sorriso encantador, o coração em festa, euzinha seria o mistério que ele desejaria desvendar. E eu, solitária como uma pomba sem marquise, seria o seu talismã. Aquele objeto que a maioria das pessoas carrega consigo, tocando nele sempre que precisasse de sorte ou proteção.
Eu queria ser o fio condutor invisível que ligaria esse extraordinário da alma, ao inexplicável do ‘âmago-essência.’ Então um pensamento bobo me invadiu a curiosidade. Como me tornar um Trevo de Quatro Folhas’? (3). Pensei nas histórias que ouvira de mamãe e de vovó, quando criança, sobre pedras mágicas e patuás encantados. Talvez meu corpo inteiro precisasse de um feitiço macho, ou de uma poção afoita tipo assim, valentemente secreta. Se pudesse escolher, decidiria pela ‘Figa da Coragem.’” (4).
Aquela falange distal do polegar introduzida entre o indicador e o médio, que me inspiraria a enfrentar meus medos, a seguir meus devaneios sem qualquer tipo de hesitação. Fechei os olhos. Viajei. Na maionese, logicamente. Mas saí do chão. Nessa hora, ele se aproximou de mim, o coração acelerado, e sussurrou:
‘Ca, eu quero ser o seu amuleto. Aquele que te dará forças quando tudo parecer difícil. O que te lembrará que você é capaz de voar, de ir até lá no infinito e tocar aquelas estrelas, mesmo quando o mundo aqui embaixo, visto do seu alpendre insistir em te prender’.
Eu o olhei com curiosidade, como se visse além das aparências com as quais ele me acarinhava os orifícios da audição: ‘Como meu pequeno príncipe faria isso’? — Perguntei entrementes.
Ele sorriu e mandou bala: ‘Com cada gesto, cada olhar. Com a certeza de que estarei aqui, mesmo quando me fizer ausente. Eu quero ser o seu ‘Morcego da Cabeça Vermelha,’ (5) o ‘Cavalo de Dalarna’ (6) dos seus segredos, o confidente das suas noites solitárias.’”
Maquinalmente toquei o rosto dele, como se buscasse respostas nas linhas tênues do tempo: ‘E se eu não quiser um amuleto?’
Ele riu lindamente: ‘Não é uma escolha. Ca, eu sou o seu ‘Caduceu.’ (7) O destino guindado por forças desconhecidas, nos entrelaçou, e agora sou parte de você.’”
Assim, naquela noite de lua cheia, as estrelas fundidas umas às outras, nós, nos tornamos uma só pessoa. Ele é, indubitavelmente, o ‘Hansá’ (8) da coragem, o porto seguro da minha força interior, e eu, a defensora árdua e suprema dos seus mais intrincados mistérios.’” Tenho plena convicção, juntos, atarracados como arroz cozido e colado em fundo de panela, enfrentaremos os desafios e as intempéries.
Dançaremos sob as estrelas reluzentes e no bailar incandescente e devoluto do meu leito, nos perderemos nos labirintos do amor. Por assim, quando o mundo tentar nos separar, eu sussurrarei em seu ouvido: “Apa, meu príncipe sem dono, eu sou —, quer você queira ou não —, eu sou o caminho secreto, a trilha oculta que te levará ao meu ‘Olho de Gato.’ (9) E você, desde sempre é, e sempre será, a minha ‘Escama de Carpa,’ (10), ou dito de forma mais abrasileirada, o meu ‘Machado do Sacrifício,’ (11) a minha Ferradura (12) ‘ad aeternum.’” Quando voltei para meu quarto, inacreditavelmente a minha cama não estava lá. Impossível? Irreal? Ilógico? Fui encontrar a infeliz escondida atrás da minha geladeira.
ESCLARECIMENTOS NECESSÁRIOS:
1 – Morfeu, o Deus do Sono.
2 – Nazar – Proteção contra o Mau-olhado.
3 – Trevo de Quatro Folhas – Responsável por atrair a Sorte e a Fortuna.
4 – Figa da Coragem – Tem por condão afastar as energias negativas.
5 – Morcego da Cabeça Vermelha – Símbolo da longevidade.
6 – Cavalo de Dalarna – Representante da total Proteção. Edifica as forças, a fidelidade, a sabedoria e preserva a dignidade.
7 – Caduceu – Cuida do equilíbrio e dos movimentos cósmicos.
8 – Hansá – Espanta para longe o Mau olhado e traz a Felicidade e a Sorte.
9 – Olho de Gato – Estimulante da intuição. Dissipador das energias negativas.
10 – Escama de Carpa – Traz sorte para cada novo ano que se inicia.
11 – Machado do Sacrifício – Conhecido também como TUM. Atrai boa sorte, longevidade e renova as esperanças.
12 – Ferradura – Acumulador de Prosperidade e quebrador de negatividades.
Título e Texto: Carina Bratt, de Linhares, Espírito Santo, 10-3-2024
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