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Antevendo o enorme crescimento
dos votos no CHEGA, já durante a campanha Montenegro viera isentar esses
eleitores dos defeitos de "racismo" e "xenofobia". Depois,
já na noite eleitoral, também Santos - na sua pe-cu-li-ar dic-ção vi-go-ro-sa,
que tanto faz por denotar a sua esclarecida determinação - ungiu de
democraticidade os nossos conterrâneos inclinados para o professor
Ventura.
E está assim esclarecido o acontecido, resumido a uma amálgama de "votos de protesto". Nisso concordam políticos, comentaristas (alguns politólogos, outros nem tanto) e letrados em geral, muitos dos quais (e desde logo Santos...) anunciam o intento de "estudar" a situação, inquirir as causas deste incómodo público. Um efeito da "iliteracia", constatam também os intelectuais, essa que grassa entre o milhão e tal de compatriotas que votaram ao invés das suas doutas e esclarecidas opções. Este raciocínio ilustra-se, comparativamente, de forma fácil: quando os pobres e ignorantes do Nordeste brasileiro provocaram a recente vitória de Silva sobre Bolsonaro, isso foi saudado como uma vitória democrática, do sentir do povo. Quando os pobres e ignorantes do meio-Oeste americano provocaram a ainda recente vitória de Trump, isso foi aviltado como sinal da abjecta ignorância troglodita. E por cá, se estes tipos votam no CHEGA, é devido a serem ignorantes e iletrados, votam apenas "reativamente", por mero reflexo, com irreflexão, desconhecimento.
Antes as massas camponesas (imortalizadas por Manuel da Fonseca e outros), analfabetas ou quase, votavam PCP? Defendiam militante, corajosa e refletidamente os seus interesses. Os seus filhos ou netos - os que não se baldaram para os subúrbios da Grande Lisboa ou para as suíças -, já com escolaridade obrigatória, votam no "imbecil" Ventura? São ignorantes... Os sectores mais envelhecidos e menos instruídos do país votam PS? "É Abril", com o cravo vermelho ondulante, como tantos no dia eleitoral afixaram nos seus murais de Facebook, ou irão desfilar na rua, como já promete o professor Loff no jornal "de referência". Outros, tão instruídos ou até mesmo um pouco mais do que essas "massas de Abril", votam no CHEGA? São incultos, irrefletidos, boçais mesmo...
É certo que os eleitores votam com a bolsa. Aqui o Pedro Correia elenca fatores económicos que estrafegam os eleitores: custo de vida, acesso ao mercado de trabalho, condições laborais, degenerescência de alguns serviços públicos. Mas apertões destes - e até mais intensos - aconteceram antes com efeitos eleitorais bem diferentes. Ora é relevante assumir que as pessoas votam com a bolsa, mas não só com ela. Exatamente como os doutos opinadores, que votam em função da situação económica - menos a pessoal pois abonados, mais a global -, mas fundamentalmente por questões ideológicas e, ainda mais, identitárias (ser de "esquerda" ou de "direita", acima de tudo). Mas, para este "escol" opinador, o eleitorado popular (o povoléu) tem uma racionalidade diferente da deles, pois vota segundo o saldo mostrado no Multibanco...
Porventura acontecerá agora o mesmo de há quatro décadas, quando a Aliança Democrática ganhou umas eleições: então o ónus estatutário de se votar na "direita" era tamanho que dificilmente se encontrava um cidadão comum que declarasse ter votado na coligação vitoriosa. (Depois houve a divertida rábula da disseminação dos dísticos peitorais "Não tenho culpa, não votei AD", respondida pela similar campanha "Eu votei AD, Eu trabalho" - se a memória não me engana). Algo similar agora não apenas por razões ideológicas, a tal ininteligência atribuída à "direita", mas também por razões estatutárias, um défice social associado ao voto "rasca".
Há mais de dois anos aqui
escrevi sobre como era inapropriada essa "desvalorização"
sociológica. Dando um pequeno exemplo, o de dois conhecidos meus, antigos altos
quadros da administração pública, agora em atividade laboral privada, os quais
se me afirmavam como eleitores CHEGA, e com fundamentações muito bem
elaboradas. Entretanto isso disseminou-se no seu meio sociocultural (e etário),
bem como noutros: fui ontem convidado para uma almoçarada em tasca, pois ali um
grupo festejava o bom resultado do partido em que havia votado ("e
precisamos de um esquerdista como tu para gozarmos..."). Felizmente
estou longe do Trancão... Mas não só nesse: no domingo de eleições, a meio da
manhã antes de partir para Lisboa ao voto, encontrei um conhecido aqui no morro
junto ao Sado. Ele um beirão que para cá veio com 12 anos e a primária incompleta,
trabalhar no campo por comida... Ainda hoje, com a minha idade, trabalhador
rural, tão rijo que (me) impressiona. Bebemos uma mini e disse-me "Eu
gosto é do PS, sempre votei no PS. Mas estou tão fodido com eles que hoje votei
no CHEGA!". "Protesto"? Isto é "protesto"? Ou é
sopesar a ação governativa (a "praxis política" dirão
alguns comentadeiros) e optar em função dessa avaliação?
O CHEGA foi catapultado pela
prática política dominante, em particular a do PS. Recordo Costa a saudar os
novos partidos na AR durante o seu discurso de vitória em 2019, e o leve breve
sorriso que lhe perpassou ao nomear o LIVRE - essa criatura socialista, usada
para apoucar o BE, parceiro gerigôncico então crescente. E dessa mesma
deputada, logo nesse dia eleitoral começar o fluxo imparável de dislates com
que ocupou aquela sua legislatura com o vozear tonitruante de que estava ali
"contra o fascismo!". "Quem?", "quê?",
perguntou-se o comum do mortal eleitor, distraído diante do fraco unideputado
futeboleiro. E isso foi o tiro de partida para a "caça ao Ventura",
durante anos feita biombo da política real, na utilização de um "antifascismo"
imaginado como congregador de uma geringonça em espírito, malgré tout...
Isso mais do que demonstrado na patética forma como se excluiu o CHEGA de
aceder à vice-presidência da AR (repetirão os pruridos agora?). E ainda mais no
modo boçal de parcial, qual energúmeno partisan, como Augusto
Santos Silva entendeu tratar o deputado Ventura, julgando nisso pavimentar a
sua rota para Belém, qual Pasionario português. Haverá maior incompetência
política do que a de Santos Silva?
Assim excluído Ventura - essa
criatura de Luís Filipe Vieira, o capitalista com problemas judiciais e
apoiante do PCP, catapultada pelo presidente do PSD Passos Coelho, ou seja,
nada marginal ao regime sociopolítico -, fica o que sobra. E o que sobra é o
que alimenta as representações (as considerações) sobre o regime que o
eleitorado vai fazendo. Um PS no poder e que em vez de se tentar expurgar do
tétrico passado socratista (o que talvez Seguro tivesse tentado fazer) o tentou
varrer para debaixo do tapete.
A substituição da
Procuradora-Geral da República - afinal aparentando agora ter sido um tiro no
pé - foi um momento simbólico disso. Exemplo real dessa essência clientelar do
partido foi a ascensão ao governo de frenéticos propagandistas socratistas, como
Galamba e Adão e Silva (já agora, alguém falou em "Cultura" durante o
longo período eleitoral? Será que só os eleitores CHEGA é que não ligam à
"Cultura"?). O efetivo aldrabismo socialista nas listas ao Parlamento
Europeu ainda mais representa essa essência socratista do partido, naquilo de
colocar o braço-direito do antigo PM como 3º na lista, mas depois elevando-o a
vice-presidente do PE, assim mostrando ser esse genuíno socratista o verdadeiro
líder da sua secção parlamentar, socialista portuguesa, e não Marques ou Leitão
Marques os dois antigos ministros de Sócrates, no caso dela também mulher do
antigo cabeça-de-lista socratista Moreira.
O PS é "iberista" (e
nisso é acompanhado pelo PSD). No sentido em que continua a pensar que o futuro
político nacional decalcará o presente espanhol. Ignorância, irreflexão,
iliteracia - piores do que as dos eleitores do CHEGA - que impediu e impede de
perceber e integrar a degeneração acontecida nos partidos socialistas (e
concomitantes partidos centrais) em França, Itália e Grécia, os tais do
"socialismo mediterrânico" em voga nos anos 80s. Tudo escondido pelo
bipartidarismo, mais ou menos geringôncico, de Madrid.
Por tudo isso o PS fez questão
de traçar "linhas vermelhas" bem lá longe, ao fundo, uma Maginot
antifascista, para "animar a malta" numa falsa "Frente
Popular". Ao invés de ter traçado linhas vermelhas internas, escorraçando
o maior número possível de colaboracionistas e de práticas socratistas. Deste
rumo, incapaz de qualquer autocrítica, escolho três pequenos exemplos
denotativos: em 2015, após a tomada de posse do primeiro governo Costa, houve a
bafienta cerimónia de "apresentação de cumprimentos". Na saída uma
estação televisiva pediu declarações a uma jornalista veterana, profissional e
cidadã muito respeitável. Foi-lhe perguntado se estava contente com a nomeação
do então primeiro-ministro. Que "sim", "mas também
qualquer um seria melhor do que o anterior" [Passos Coelho],
respondeu, risonha. Sócrates estava detido... mas isso pouco contava para a
socialista Maria Antónia Palla. Logo ali deixando transparecer o sentimento que
vigorava na elite partidária.
Oito anos passados o terceiro
governo de Costa cai, face à descoberta de dezenas de milhares de euros
escondidos na antecâmara do seu gabinete. A militante socialista, antiga
embaixadora e candidata presidencial, Ana Gomes - investida das funções de "comentadora
política", sabe-se lá das razões para tal - diz na SIC, casquinando,
"é preciso saber de quem é o dinheiro", assim aspergindo com a
peçonha da dúvida todos os frequentadores da secção primo-ministerial de São
Bento, Costa incluído.
Mais ainda, o moçambicano
Manuel Araújo, presidente da câmara (conselho municipal) de Quelimane, está em
Portugal para assistir às eleições. Escreveu um longo e emotivo elogio à
democraticidade do processo eleitoral português, à liberdade do exercício dos
direitos políticos e à competência, celeridade e neutralidade da administração
pública no processo eleitoral - em explícita contraposição com as dificuldades
havidas em Moçambique. É isso verdade, felizmente, a democracia reina em
Portugal, e há uma evidente lisura nos processos eleitorais. De facto, nos
últimos largos anos, e se a memória não me engana, só surgiu uma dúvida sobre
hipotética "chapelada", dúvida que o tribunal veio a considerar
infundamentada, devido à inexistência de alguns trâmites queixosos: uma muito
excêntrica votação numa única, e muito tardia, urna de votos. Numas autárquicas
em Campo de Ourique...
E, entretanto, Sócrates - dez
anos depois de ter sido detido, pelo menos 16 anos depois de se saber à boca
cheia que tipo de pessoa é - ainda não foi julgado, se é que o virá a ser!
E sobre tudo isto paira, num
loquaz frenesim inexistente, um presidente da república.
Mero voto de
"protesto", em função do "multibanco",
"irrefletido", "iletrado", "inconsciente", contra
"os políticos que são todos iguais"? Que alguns políticos têm uma
grande desfaçatez a gente sabe. Mas estes doutores, analistas, é que têm uma
"g'anda lata..."
Título, Imagens e Texto: jpt,
Delito
de Opinião, 13-3-2024
Deputado eleito pelo Chega! fala a verdade sobre racismo
11-3-2024: Oeste sem filtro – Portugal diz CHEGA aos socialistas
CHEGA de comunismo!
A lesma e o presidente da República encontram-se num bar
Portugal: Resultados das eleições legislativas, 10 de março de 2024
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