domingo, 4 de fevereiro de 2024

[As danações de Carina] ‘Vó Belinha’, a Gostosa Saudade que nunca se apagará da minha mente

Carina Bratt  

NOVENTA E NOVE ANOS. Uauuuu...! Vó Belinha, acredite, não é para qualquer um viver tanto tempo assim. Somente às pessoas de espírito bom, de alma caridosa, de coração grandioso conseguem essa proeza. Não, não é uma proeza. Em absoluto! É uma dádiva, uma oferenda, um regalo, uma benção, uma comunhão vinda diretamente do Pai Celestial. Euzinha sei que você se foi, mas eu ainda lhe sinto aqui. De verdade, Vó: você ainda está aqui... 

Ainda lhe vejo no portão, os dentes branquinhos deixando entrever seu sorriso bonito. Ouço a sua voz maviosa, sinto o calor do seu abraço quente e apertado. Que aperto gostoso! Ainda guardo na mesma caixinha as nossas fotos (são tantas), as nossas cartas (um punhado), as nossas lembranças (imorredouras). O melhor de tudo. Ainda sonho com você. Sonho, agora, de forma mais presente, mais ‘diária. ’ Sonho em viagens inimagináveis. Sonho desde o tempo em que aos cinco para seis anos, no nosso Bairro Cachoeira, na velha Curitiba, saíamos de mãos dadas. 

Você com aquele cuidado de mãe, para que eu não mergulhasse e morresse caindo descuidadamente nas águas do Rio Belém. Cuidado que depois foi transferido para sua filha, minha mãe Marcela (aliás, a sua primeira filha). Pois é, Vó Belinha! Também sei que você não vai voltar. Que está em outro lugar, em outra dimensão, em outra existência. Não duvido que ao passar pela David Bodziak onde ainda sobrevive a Romário Martins (minha primeira escola) a veja me acenando e mandando beijos com o dedo indicador antes de eu sumir para a sala de aula... 

Ah, certamente agora, nesse momento, você deve estar sonhando, como eu, com a Curitiba do seu tempo, do tempo dos meus madrigais, do tempo em que o Rio Belém ainda uma criança de verdade, cortava toda a cidade com suas águas límpidas cantando as músicas que vovô Pépe (assim mesmo, com acento no é) tanto adorava. Aqui dentro de meu peito, sei que você está bem, se faz em paz, se vê feliz. Sei, em caminho paralelo, que você igualmente me quer bem, e em sintonia meridiana almeja que eu siga e seja feliz. 

Por certo, me espera..., um dia (não sei quando) você sabe, tem certeza, nos encontraremos. É em razão disso que eu não tenho raiva, nem revolta, nem carrego culpa alguma. Eu tenho saudade. Só saudade! Uma danada de uma saudade maluca (kikikiki), doce (como o mel), suave (como seus olhos), serena (como a sua voz amena como a sua vida inteira). Noventa e nove anos! 

Tanto tempo, minha princesa dos cabelos brancos, tanto tempo deixa saudade. Uma saudade que não dói, mas que aquece. Uma saudade que não prende, ao contrário, liberta. Uma saudade que não apaga, todavia ilumina. Tenho, em mim, desde aquele dia em que papai (por decorrência da sua carreira de militar) nos levou embora.  Saudade de você, mas perceba, não de um jeito triste. De um jeito tipo assim bonito, de um jeito grato, de um jeito nascido de uma linhagem amorosa. 

Eu tenho saudade de você, mas não de um jeito passado. De um jeito presente, de um jeito agora, de um jeito hoje, de um jeito, como diria, sagrado. Eu tenho saudade de você, não de um jeito vazio. De uma forma cheia, rica e plena. Tenho saudade de você, não de um jeito solitário. Jamais! Saudade de um jeito acompanhado, de um ‘jeitinho gostoso, ’ que se fez unido, e, no meio dessa união, se perpetuou harmonioso. 

Eu tenho saudade de você, não de uma maneira brusca, que me impeça de viver. De um jeito que me inspira a seguir adiante, e viver. A viver, todavia, com mais sentido, com mais propósito, com mais Fé. A viver, sobretudo, com mais alegria (aquela alegria que transborda), com mais esperança (aquela que não fenece), com mais amor (aquele que por força do próprio amor), se fez incondicional. 

Euzinha tenho saudade de você. Veja, Vó Belinha, saudade de um jeito que não me faz sofrer. De um jeito que me faz acreditar no futuro e crescer. Crescer como pessoa, como sua neta, como alma e, logicamente, como espírito. Crescer como amiga, como filha, como irmã. Crescer como ser humano, como ser divino, como ser universal. 

Linda, eu tenho saudade de você, não de uma forma que não me aparta de perto de você. Em oposto, de um jeito que me aproxima de você. Uma fórmula secreta que nos agrega pelo pensamento, que nos agasalha pelo sentimento e pelo coração. Não só por essas três palavrinhas, ou pela fórmula. Pela oração, pela meditação, pela intuição. Algo além da nossa compreensão nos une em laços inquebrantáveis. Amarras que nos aprisiona pela vida, pela morte. Iria mais além, pela ressurreição. Tenho saudade de você. 

Uma saudade gostosa, como seus ‘bate-entope’ de farinha de trigo, água e sal na mesa do café da manhã. Não, aquela saudade, de um jeito que me faz chorar. De um jeito que me faz sorrir. Sorrir de gratidão, de admiração e de orgulho. De gratidão (afinal, você me deu a mamãe), de admiração (você me fez ser o que hoje sou), de orgulho (por você ser, veja só, minha avó querida). Lembrar de você, pensar em sua pessoinha, lhe sentir dentro de meu ‘eu, ’ é como sorrir feito uma menina boba (eu sou uma menina boba). 

Gargalhar, chalacear retocando lembranças (as que não se perdem), de saudade (aquela que faz a gente se transformar e ser cada dia melhor), de amor (porque você noventa e nove anos viveu o amor na sua melhor forma de expressão). Tenho saudade de você, não de um jeito que me faz esquecer. De um sentido que me faz lembrar. Lembrar de quem você foi, de quem você é, de quem você será. 

Mesmo norte, lembrar de quem eu fui, de quem eu sou, de quem eu serei. Lembrar de quem nós fomos, de quem nós somos, de quem nós seremos. Eu tenho saudade de você. Não de um jeito que me faz querer morrer. De um jeito que me faz viver. Viver por você, para você, com você. Viver em você, de você, por você. Viver você, ser você, amar você. Igual saudade de você, mas não de um jeito que me faz ser uma moça de aparência franzina e triste. 

De um jeito que me faz feliz. Feliz por ter lhe conhecido, por ter lhe amado, por ter lhe vivido. Cada momento, cada hora, cada minuto... feliz, Vó Belinha, por saber que você me conhece, que você me ama, que você me vive. Feliz por sentir que você está comigo, que você está em mim, que você é parte de mim. Eu tenho saudade de você, mas não de um jeito que me faz menor. 

Tenho saudade de um jeito que me faz maior. Maior em sabedoria, enaltecida e assoberbada em compreensão, majorada e enricada em aceitação. Maior em força, pavoneada em coragem, honrada em superação da própria superação. ‘Mais Maior’ ainda, em vangloriação, em lisonjeio, em Força Espiritual, envaidecimento em esperança, divinizada em amor. 

Por derradeiro, Vó Belinha, tenho saudade de você. Saudade não de um jeito que me faz morrer. Ou perder o foco, deixar a vida plena, a felicidade que me sorri logo ali da esquina. Saudade de um jeito que me faz viver. Viver tresloucadamente, perigosamente, inflamadamente a saudade (essa saudade que agora me sufoca), de viver o amor (esse amor que me faz viver e correr, correr e viver) em verdade, ‘voar, voar, subir, subir...’ em direção não ao sonho de Ícaro, em busca constante do que conhecemos como E T E R N I D A D E

Título e Texto: Carina Bratt, de Vila Velha, no Espírito Santo, 4-2-2024

Anteriores: 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-