Telmo Azevedo Fernandes
O meu artigo de hoje para a coluna da Oficina da Liberdade no Observador pode ser lido aqui ou na transcrição abaixo.
Estou convencido de que uma
esmagadora parte do eleitorado de Direita deseja um resultado das próximas
eleições legislativas que permita cumprir três grandes objetivos:
· Tirar o PS do poder.
·
Manter o PS afastado do poder.
·
Reduzir a intervenção do Estado nas nossas
vidas.
A questão é que entre os
não-socialistas nem todos concordam com os melhores caminhos para que estas
vontades se concretizem. Ainda assim, será consensual neste campo político a
constatação de que para impedir Pedro Nuno Santos de ganhar as eleições e afastar
o PS do poder por tempo higienicamente recomendável, importa desde logo
convencer os Portugueses a fazerem opções eleitorais que retirem o maior número
possível de votos ao PS e que sejam criadas condições que permitam a manutenção
de um governo de Direita cuja sustentabilidade política seja tanto mais
facilitada quanto maior for o universo de eleitores que o suporte.
Por mim, gostaria que a Direita se afirmasse simultaneamente com medidas consistentes para redução de despesa pública e com uma postura que não cedesse ao wokismo ou ao desenho da sociedade por via legal. Mas para este desiderato não vislumbro no atual panorama partidário qualquer agremiação que mereça o meu voto.
Contudo, first things
first, e baseando-me nos dados de uma recente sondagem política elaborada
pela Universidade Católica (UCP) e na minha própria análise da dinâmica
eleitoral, concluo que para tirar o PS do poder o ideal é que cresça o
abstencionismo dentro das hostes socialistas e diminua no campo não-socialista.
Segundo a UCP, mais do que a Aliança Democrática (AD), é a Iniciativa Liberal
(IL) e o Chega (CH) que vão buscar votos à abstenção. Verifica-se também que,
hoje, a maior transferência de votos socialistas (do PS em 2022) para Direita,
tem como destino a AD e o CH, por esta ordem. Sucede que tanto o CH como IL
tiram relativamente mais votos à AD do que ao PS, mas apesar de tudo o CH tira
mais votos ao PS do que a IL. Aliás, a IL não tira votos ao PS, segundo o
relatório da Católica. O voto na IL apresenta-se assim como “inútil”.
Por outro lado, embora não bem
formuladas, das perguntas usadas pela UCP para sondar os inquiridos sobre quais
os arranjos parlamentares e de governo melhores para o país pode inferir-se que
o eleitorado AD tem clara preferência por um governo minoritário com apoios à
sua Direita. A abertura para negociar que o eleitorado AD sugere dá, no
entanto, primazia à IL, mas não rejeita alargar conversações ao Chega se
necessário for para a maioria parlamentar. Ou seja, aparentemente o «não-é-não»
é uma linha mal sintonizada com as preferências do eleitorado da Aliança
Democrática.
Claro que para aumentar a
probabilidade de a AD vencer as eleições em vez do PS, nada como votar na
coligação. Apesar do facto de, infelizmente, as políticas do PSD e PS não serem
substancialmente distintas, já seria positiva a mudança de protagonistas e de
decisores políticos. Se bem que Luís Montenegro garante alguma dignidade
institucional, coisa que não acontece com Pedro Nuno Santos.
Mas quem como eu viu a
intervenção de Paulo Portas na apresentação da coligação e os entusiasmados
aplausos dos dirigentes da AD aos dislates desprezíveis, mentirosos
e repugnantes que nesse momento ecoaram na sala, sente-se
moralmente impedido de colocar na urna um voto numa agremiação que tem uma
criatura politicamente sórdida como sua eminência parda e que durante dois anos
foi um dos mais destacados evangelistas de uma sociedade fascisto-sanitária,
bio-totalitária, repressiva, segregadora, permissiva de abusos de poder de toda
a ordem e privadora das mais elementares liberdades e direitos básicos das
pessoas. Ainda para mais, sendo eu eleitor no círculo do Porto, torna-se
visceralmente impossível votar no respectivo cabeça de lista da AD, por razões
semelhantes.
A Iniciativa Liberal seria à
partida a minha escolha pelo mal menor. O seu cabeça de lista revelou-se um dos
nossos melhores deputados, admiro-o pela sua inteligência, e é alguém em quem
já votei mais do que uma vez. Porém, esteve publicamente silencioso durante o
período do maior ataque à Liberdade e Democracia que o nosso país viveu nos
últimos 50 anos – os chamados “tempos da pandemia” – quando espantosamente não
estava sequer condicionado por qualquer espartilho partidário (e ainda que
estivesse!), já que à altura era responsável por um ThinkTank chamado
+Liberdade.
Uma omissão que seria relevada
não fosse o caso de a Iniciativa Liberal evidenciar cada vez mais traços da sua
génese e essência fundadora, ou seja, seguindo ativamente toda e qualquer
agenda dita progressista, sinalizadora de suposta virtude, fazendo concessões
morais em troca de ser aceite pelo bem-pensismo urbano-relativista
em questões como o aborto ou a eutanásia, ou alimentando fantochadas e folclore
da cultura woke, importando para o nosso país os piores e mais
reles preceitos que se vão adoptando noutras sociedades podres e enfermas.
Na área económica a IL
continua também sem perceber que antes da baixa de impostos é preciso reduzir a
despesa pública. Não só em termos relativos, mas sobretudo em valor absoluto. A
liberdade das pessoas aumenta não pela maior eficiência da utilização de verbas
provenientes do roubo fiscal nem pela competência no uso do dinheiro dos
impostos, mas pela inequívoca e corajosa redução estrutural e permanente do
tamanho e âmbito do Estado. Objetivo este de que continuamos sem ouvir palavra
relevante da IL.
Sabe-se que é da natureza dos
partidos querer transpor os seus programas para letra de Lei e, por isso, só a
acne dos hiperbólicos ativismos políticos e fantasias adolescentes impedem
constatar que a liberdade das pessoas tende a ser inversamente proporcional ao
número de ideias que os partidos têm para a sociedade.
Não obstante, ao Chega não
faltam ideias e propostas. Tantas que se contradizem entre si num emaranhado de
promessas para todos os gostos e grupos de interesses, revelando a
inconsistência doutrinária deste partido e o desvio cada vez mais acentuado de
uma rota populista que, assim, provavelmente já vai tarde demais para se
orientar num caminho de verdadeira direita conservadora e nacionalista (que em
todo o caso não é da minha preferência). O estatismo do CH é sobretudo claro na
área económica e surpreende-me até quem só recentemente disso se apercebeu. É
pena que assim seja porque como comentou em Novembro Pedro Passos Coelho além
de não
ser antidemocrático o Chega tem trazido para o debate temas muito
relevantes esquecidos pelas restantes formações políticas e tem dedicado uma
atenção especial à chamada “guerra cultural” contra o wokismo, é
apologista de um travão à agenda globalista das sinistras elites internacionais
e partilha de um sensato e necessário eurocepticismo nas questões que envolvem
o posicionamento nacional no quadro da União Europeia. Ao invés, o Chega
resolveu vender banha-da-cobra durante esta campanha eleitoral, apresentando um
conjunto de medidas contraproducentes e demagógicas que repelem gente como eu,
pouco dada a lirismos económicos neomarxistas.
Em eleições não se pretende
escolher amigos nem convivas para jantares. A cada um assiste o direito de
excluir de sua casa visitas por quem não tem especial simpatia. Mas isso é bem
diferente da antidemocrática indisfarçável repugnância e apartheid que
dirigentes e formadores de opinião da nossa Direita querem que se faça a uma
parte dos Portugueses que votam, representem eles 20% ou 2% do eleitorado. Além
de tristes reminiscências trotskistas de uma Direitinha serventuária da
Esquerda, as «linhas vermelhas» replicam o mesmo e exato desumano esquema
mental em que histérica e facilmente se pretendeu segregar, castigar e quiçá
eliminar os «negacionistas» e não- “vacinados” contra a covid19.
Este precedente de excluir o
Chega do diálogo, compromissos e acordos com outras forças políticas, além de
hipócrita e contraproducente é uma atitude assente num plano inclinado que vê
críticos e desalinhados como gente deplorável, algo cuja sequência lógica e
rapidamente resvala para uma sociedade fechada e uma distopia totalitária.
Somos todos Charlie Hebdo. Somos todos Ucrânia. Somos todos Chega?
Basta esta circunstância para
desejar que o Chega tenha uma grande votação nas eleições legislativas de 10 de
março. Já agora, suficientemente elevada para ser incontornável, ajudando a
forçar o espaço da Direita a reformar-se e a encontrar lideranças adultas,
recuperando a maturidade democrática e o respeito pelo voto livre de
Portugueses. Até porque, como escrevi em julho passado,
o melhor que poderia acontecer ao PSD e à IL seria o Chega integrar um governo
de Direita. E o pior que poderia acontecer ao Chega seria fazer parte do
Executivo.
Então, no fim de contas, não
havendo um Javier Milei português, qual a opção de quem considera um imperativo
categórico tirar o PS do poder? Em que partido vota alguém que por razões
tácticas é incapaz de subverter os seus princípios morais votando AD, mas
simultaneamente não quer tirar votos à coligação para evitar o mal maior?
Não vota em nenhum.
Título e Texto: Telmo Azevedo Fernandes, Blasfémias, 16-2-2024
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