terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

[Aparecido rasga o verbo] Curva contrária

Aparecido Raimundo de Souza

ZÉ DO BAGULHO
se encontrou com Casimiro Salada na birosca do Beto Chifrudo. Para ajudar a passar o tempo, Zé do Bagulho pediu uma cerveja e dois copos. Antes do Beto Chifrudo trazer a bebida, o Zé do Bagulho deixou claro que seria ele quem pagaria as despesas. Falou.
Zé do Bagulho:
— Cachimiro, fiquei sabendo pela Maricota do Belzebu que você está meio aperreado em face do lhe vem acontecendo de alguns meses para cá. Gostaria que explicasse do que se trata, para que eu, dentro das minhas possibilidades possa ajudar.
Casimiro Salada se abriu num sorriso amarelo e antes de entrar no assunto que o incomodava, fez uma pequena ressalva:

Casimiro Salada:
— Zé, pare de pronunciar meu nome errado. Sou Casimiro, não Cachimiro.
Zé do Bagulho:
— Calma, não precisa ficar irritado. Responda, que doença você contraiu que está lhe definhando?
Casimiro Salada:
— Pense, Zé.
Zé do Bagulho:
— Aids?
Casimiro Salada:
— Não.

Zé do Bagulho:
— Câncer?
Casimiro Salada:
— Não.
Zé do Bagulho:
— Covid?
Casimiro Salada:
— Não, Zé. Pior.
Zé do Bagulho:
— Disfunção Erétil, Andropausa, Hipertensão Arterial, Diabete, Asma, Hemofilia, Cirrose Hepática, Distúrbio do Sono, Acidente Vascular Cerebral -, grosso modo AVC?

Casimiro Salada:
— Nenhuma dessas que você enumerou aí...
Zé do Bagulho:
— Assim fica difícil Cachimiro. Minha lista de saladas, perdão, de mazelas, é um pouco restrita.
Casimiro Salada (Demonstrando certo desconforto):
— Casimiro, seu merda. Casimiro. Cachimiro é o diabo que o parta. De roldão, que o carregue...

Zé do Bagulho (motejando):
— Olha o coração, cara. Vai acabar tendo um treco. Não sou uma boa alternativa para cuidar de alguém carecente de socorro imediato, caso venha precisar. Casimiro, Casimiro... não sei por qual motivo sempre que lhe vejo ou me dirijo à sua pessoa, lhe chamo por esse nome...
Casimiro Salada:
— Acho que você faz de sacanagem, para me irritar, para me tirar do sério. Procure se policiar. Tome cuidado para não fazer chacota com meu segundo nome, dizendo que fez uma “salada.” Salada você deve arquitetar com o raio que o parta. Voltando à nossa lengalenga, com relação ao Casimiro, pense em Casimiro de Abreu.
Zé do Bagulho:
— OK, farei isso. Mas afinal, quem é Cachi... perdão -, Casimiro de Abreu?

Casimiro Salada:
— Hoje não é mais. Em tempos passados, um escritor carioca nascido em 1839 na pacata Barra de São João, no Rio de Janeiro. Meu pai adorava os livros deles. Leu tudo, desde “Meus oito anos”, terminando por devorar “Primaveras.” Recitou muitas poesias desse cidadão para conquistar a minha mãe.
Zé do Bagulho:
— E pelo visto, acertou no alvo!
Casimiro Salada:
— Claro. Até hoje, são apaixonados. Quando papai parte para cima de mamãe, não consigo dormir. Os dois fazem um barulho danado dentro do quarto. Os aposentos deles, acho que já te falei, fica ao lado do meu...

Zé do Bagulho:
— Você deve rememorar os idos de antigamente, quando eles, ainda na flor da juventude, partiam para o abraço. Hoje seu pai (acredito bastante alquebrado pela idade), deve marcar fraca presença ao tentar incendiar o que restou da floresta de sua mãe. Em oposto, a mata fechada dele (repetindo, pela idade), certamente derreou murcho e sem combustão. Cachi... Casimiro, se fosse eu a vivenciar esses momentos, me lembraria das quadras risonhas em que o bicho do seu pai pegava feio e agora, pelo avanço dos cabelos brancos, o troço só consiga produzir barulhos. Antes, as brincadeiras deles vulcanizavam como uma queimada (tipo a da Amazônia). Hoje, seu querido longevo se transformou numa britadeira tentando quebrar um asfalto encruado e indigesto. O prezado me entendeu?

Casimiro Salada:
— Tenho uma ligeira impressão que você está tirando sarro da minha cara. De contrapeso, zombando dos meus velhos. Saiba que em contrário da “Floresta da Amazônia,” como você colocou, sua figura patética me direciona evocando um trem totalmente desgovernado.
Zé do Bagulho:
— E você me faz lembrar um avião cainnnnnnnndoooooooo...
Casimiro Salada:
— Como assim?

Zé do Bagulho:
— Todo mundo num espaço pequeno gritando, berrando, uivando, latindo, rosnando...
Casimiro Salada, meio que perdendo a esportiva:
— Acredito que na hora do vamos ver, quem grita, quem berra, quem uiva e late é a senhora sua mãe, quando seu pai (mais empedernido que o meu) parte para cima da senhora sua mãe (uma idosa com uma pá de anos na cacunda, inclusive nascida mil anos antes da minha), o “Zezinho” do seu querido progenitor murche, esturrique e tombe de lado, roncando e pior, peidando...
Zé do Bagulho:
— Repita o que acabou de dizer, seu traste.

Casimiro Salada não se fez de rogado. Ao ouvir tais palavras, pela segunda vez, desenfeitou o semblante numa máscara de puro ódio. Partiu sedento de fúria e zanga para dentro dos cornos de Casimiro Salada. A contenda se espalhou para outros gatos pingados (que ao tentarem apaziguar os dois rapazes), acabaram envolvidos num festival de tapas e socos para tudo quanto é lado. Por conta, uma luta tremenda se fortificou com a chegada de uma chuva de garrafas, mesas e cadeiras voando e caindo em todas as direções. A esposa de um vizinho contíguo à espelunca que se achava adoentado chamou a polícia. Os dois rixosos em pandarecos, foram conduzidos algemados para o pronto socorro. Nem o “birosqueiro” do Beto Chifrudo, coitado, escapou ileso. Zé do Bagulho e Casimiro Salada estão no hospital com uma renca de soldados em vigia. Em apartado, trezes outros implicados no bafafá seguem até o presente momento encarcerados na delegacia da pacata localidade interiorana.

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, 13-2-2024 

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