A prisão do presidente do PL aumenta a repercussão de uma operação que visa atingir Bolsonaro. Resta saber como tudo vai terminar e, no final, quem ganhará com isso
Nuno Vasconcellos
Os versos de uma velha marchinha de Carnaval, que fez sucesso na voz de Jackson do Pandeiro numa época em que os compositores não estavam nem um pouco preocupados com os temas politicamente corretos, serve de ilustração para o acontecimento mais rumoroso no mundo da política brasileira na semana passada. Especificamente no trecho que diz “coitado do Valdemar, está dando o que falar”. Apanhado numa investigação voltada contra o ex-presidente Jair Bolsonaro em que ele, a princípio, não passava de um figurante, o presidente do Partido Liberal, Valdemar da Costa Neto [foto], foi levado para a sede da Polícia Federal na última quinta-feira e, no dia seguinte, teve sua prisão em flagrante por porte ilegal de arma de fogo transformada em prisão preventiva pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
O desfecho da marchinha, que foi composta por José Gomes, Paquito e Romeu Gentil no início dos anos 1960, não interessa neste momento. Mas o que aconteceu com Costa Neto interessa. E muito. O fato serviu, em primeiro lugar, para confirmar que o ambiente político brasileiro é mesmo capaz de produzir uma surpresa atrás da outra. Quando parecia que nada de importante aconteceria antes do Carnaval — e que o povo se preparava para cair na folia à espera de que o ano finalmente começasse e o país voltasse a funcionar depois da Quarta-Feira de Cinzas —, eis que surge mais uma operação da Polícia Federal para sacudir o que parecia parado.
Autorizada por Moraes, a
operação que prendeu o ex-deputado incluiu 33 mandados de busca e apreensão, 48
medidas cautelares e quatro prisões preventivas de ex-assessores de Bolsonaro —
três deles, oficiais de alta patente do Exército brasileiro — acusados de
integrar uma “organização criminosa” responsável pela “tentativa de golpe”
destinada a manter Bolsonaro no poder depois da vitória de Luiz Inácio Lula da
Silva. O nome de Costa Neto não constava da lista.
Os policiais entraram no
apartamento ocupado pelo ex-deputado, em um hotel de Brasília, em busca de
documentos que contribuíssem para as investigações da suposta tentativa de
Golpe de Estado levada adiante por apoiadores do antigo governo no dia 8 de janeiro
do ano passado. Ali, encontraram uma arma que pertence ao filho do político e
está com o registro vencido. Também foi apreendida uma pepita de ouro bruto, de
mais ou menos 39 gramas que, pela análise de técnicos da PF, foi “retirada
diretamente da jazida, sem processamento, típica da atividade de garimpagem”.
CHAMA ACESA — Em
relação à pepita, os jornais logo se puseram a divulgar, como se estivesse
diante de uma descoberta capaz de alterar o curso da história, que aquele ouro
era “proveniente de garimpo”. Convenhamos: essa informação é irrelevante.
Alardear que uma pepita de ouro é proveniente de garimpo é o mesmo que se
espantar com o fato da linguiça ser feita com carne de porco. Mas, no tempo em
que vivemos, o pessoal certamente queria insinuar que a pepita poderia ter
origem em um garimpo ilegal.
Manter a posse de uma pepita
de ouro sem processamento, com valor estimado de mais ou menos R$ 12 mil pela
cotação do ouro na sexta-feira passada, não configura crime. Mas ajuda a
aumentar a repercussão da história. No ambiente do Brasil de hoje, em que dúvidas
são tratadas como suspeitas, suspeitas são vistas como acusações e as
acusações, como se fossem a condenação antecipada, qualquer fato — mesmo que
nada tenha a ver com o objeto da investigação — contribuiu para aumentar os
contornos espetaculosos que cercaram qualquer operação que tenha como alvo
qualquer aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Quanto à posse ilegal de arma,
o assunto é outro. Trata-se de crime com pena prevista de um a três anos de
prisão e, quando configurado, justifica a prisão em flagrante do acusado! É o
que está previsto na Lei 10.826, de 2003. O artigo 12 dessa lei, conhecida como
Estatuto do Desarmamento, considera crime “possuir ou manter sob sua guarda
arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com
determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou
dependência desta, ou, ainda, no seu local de trabalho (...)”.
Sendo assim, o agente que
encontrou a arma entre os pertences de Costa Neto tinha não apenas o poder, mas
a obrigação de fazer cumprir a lei — e cumprir a lei, nesse caso, exigia a
prisão em flagrante do presidente do PL. Se não tivesse dado voz de prisão ao
ex-deputado, o policial em questão seria acusado de cometer o crime de
prevaricação. Esse é o nome do delito cometido pelo servidor público que deixa
de cumprir o dever por qualquer motivação ou conveniência de natureza pessoal.
Não há, portanto, o que questionar em relação à legalidade da prisão. Este é um
dos lados da história.
O outro lado é que,
independentemente dos argumentos legais que justificam a medida, a prisão do
presidente do maior partido de oposição do país, por si só, já seria uma
notícia forte o suficiente para dar o que falar e agitar o noticiário. Afinal,
o PL é uma organização formidável, que conta com a maior bancada na Câmara dos
Deputados, com 99 integrantes. No Senado, é a segunda maior, com 14
parlamentares. Este ano, com base no valor reservado no Orçamento da União para
essa finalidade e, a partir dos critérios de repartição desse dinheiro entre as
legendas, o partido deverá receber a bagatela de R$ 863 milhões a título de
Fundo Partidário.
Utilizados para financiar as
campanhas às eleições municipais deste ano, esses recursos dariam aos
candidatos do Partido Liberal (e, portanto, adversários do partido do governo,
o PT, e seus satélites PSOL, PSB e PCdoB) uma força considerável na disputa.
O problema, porém, é que,
acima do crime de porte ilegal de arma de fogo e além do peso do partido que
ele preside, a prisão de Costa Neto se transforma em mais um capítulo da novela
“Nós Contra Eles”, que se arrasta no Brasil há pelo menos uma década. E que,
pelo andar da carruagem, não tem qualquer previsão de data para terminar.
A operação que motivou a
batida no apartamento do parlamentar é um desdobramento do inquérito que
investiga a suposta tentativa de golpe que os grupos simpáticos a Bolsonaro
teriam cometido no dia 8 de janeiro. Trata-se, como já foi dito neste espaço em
outros momentos, de um dos episódios mais graves da história da República. Se
ficar mesmo configurado, com base em provas e em testemunhos insuspeitos, que a
tentativa de golpe foi real e que Bolsonaro estava mesmo envolvido na
conspiração, o ex-presidente merece ser punido de forma exemplar e pagar com a
liberdade pela tentativa de reimplantar no Brasil uma ditadura.
INFORMAÇÕES SIGILOSAS — O
problema é que, até agora, tudo o que existe é a construção de um enredo que se
sustenta mais sobre suposições e hipóteses e que pode, quando analisado sem
paixões e sem a manifestação de preferências políticas, ser refutado com
facilidade pelos argumentos do outro lado. Toda a investigação recente sobre
essa questão, e o rumor que só tem aumentado em torno dela, não inclui um único
fato ou versão que já não fosse conhecido um ano atrás. Tudo se baseia única e
exclusivamente no acordo de delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid.
Preso no dia 3 de maio do ano
passado em razão da falsificação de certificados de vacina do ex-presidente
Bolsonaro e de seus parentes, Cid só deixou a cadeia depois de celebrar um
acordo de delação premiada. No documento, ele contou tudo o que sabia e, pelo
que se viu até agora, nada acrescentou ao enredo que vem sendo contado desde o
dia seguinte às manifestações de 8 de janeiro. O que o ex-ajudante de ordens
fez, basicamente, foi endossar todas as acusações feitas contra Bolsonaro desde
o início dos processos.
No calor dos acontecimentos da
semana passada, jornalistas que “têm acesso a fontes ligadas à investigação”
(algo que pode ser lido como “imprensa que se beneficia do vazamento de
informações sigilosas por parte de autoridades que têm a obrigação legal de
protegê-las”), divulgaram com estardalhaço que a PF havia encontrado na sede do
PL, em Brasília, um documento que, por si só, teria força suficiente para
manter Bolsonaro atrás das grades pelo resto da vida. Nada disso. Tratava-se de
uma cópia, localizada na sala que o ex-presidente mantinha na sede do PL, de
uma minuta que propunha a decretação do Estado de Sítio no Brasil no período em
que ele era presidente da República.
Poucas horas depois, o advogado Paulo Amador da Cunha Bueno, que defende Bolsonaro, esclareceu em vídeo distribuído pelas redes sociais que se tratava da cópia de um documento que já constava da delação premiada de Cid. O documento encontrado na batida feita pela Polícia Federal na sede do PL havia sido copiada dos autos da delação e encaminhada ao ex-presidente pelo próprio advogado.
É preciso calma para lidar com
essa questão. O fato de constar na delação de Cid não significa que o documento
seja verdadeiro e nem prova que alguém tivesse a intenção de levar a sério o
que está escrito ali. Também não significa que seja falso ou que tenha sido
forjado. A delação em si não prova nada e os documentos que constam dela
precisam ter sua veracidade comprovada antes de serem utilizados como prova. É
preciso que tudo seja investigado nos mínimos detalhes, sem paixões e sem
tentativas de se chegar a uma conclusão antes que os fatos sejam conhecidos.
PRISÃO DE BOLSONARO — A
verdade é que, sem a menor intenção de pôr a mão no fogo em favor de Bolsonaro,
é inegável que existe uma teia que vem sendo tecida para acumular fatos contra
o ex-presidente. E que, mais cedo ou mais tarde, acabarão sendo usados como as
provas que o levarão para a prisão.
Os argumentos contra ele têm
sido repetidos com tanta insistência que muita gente os considera verdadeiros
ainda que não haja provas que os confirmem. Se a Justiça e os órgãos de
investigação tivessem agido com um rigor semelhante diante, por exemplo, da
delação premiada em que o ex-ministro da Fazenda Antônio Pallocci acusava o
então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de envolvimento direto com os
esquemas de corrupção tratados pela finada Operação Lava-Jato, talvez a
história do país tivesse seguido um rumo diferente do que tomou.
Mas não. Por mais grave que
fossem as acusações, a delação de Pallocci caiu em descrédito. Mais tarde, as
investigações contra Lula refluíram e as sentenças foram anuladas. Lula
recuperou os direitos políticos, se candidatou à Presidência da República, foi
eleito e, hoje, devolve aos que o acusaram de cometer toda sorte de
barbaridades todas as acusações que recebeu.
No calor dos acontecimentos,
os apoiadores de Bolsonaro acusam o ministro do Supremo Tribunal Federal
Alexandre de Moraes de reunir e requentar uma série de acusações com o único
objetivo de asfixiá-lo. E, mais do que isso, de eliminar toda e qualquer possibilidade
de oposição ao “consórcio do Executivo com o Judiciário” que, segundo
parlamentares do PL, hoje domina o país.
Na opinião desses
parlamentares, falta a Moraes a isenção necessária para conduzir as
investigações. E que todos os argumentos que justificaram os mandados de busca
e apreensão que levaram Costa Neto e os ex-assessores do ex-presidente para a
prisão, nas palavras do líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL/RN),
não passam de “contorcionismo jurídico” destinado a inibir as vozes contrárias
a Lula. Outros senadores da Legenda, inclusive Carlos Portinho, do Rio de
Janeiro, apontam o dedo na mesma direção. O que se pretende é “construir uma
narrativa em cima de fragmentos para sustentar algo que não houve”, afirmou
Portinho referindo-se à suposta tentativa de golpe, numa entrevista coletiva
concedida na quinta-feira passada em que a maioria dos 14 senadores do PL
criticaram as investigações contra Bolsonaro, em que, segundo eles, “fatos
requentados são apresentados como novos”.
Para dar ainda mais razão a
esse tipo de percepção — que muita gente compartilha com a bancada do PL — o
oportunista senador Humberto Costa (PT-PE) utilizou a prisão de Costa Neto por
porte ilegal de armas e as investigações contra Bolsonaro como argumento para
pedir à Justiça Eleitoral nada menos do que a extinção do PL. Talvez inspirado
nas medidas de seu ídolo, o ditador venezuelano Nicolás Maduro, que tiram do
caminho todo e qualquer adversário com chances de derrotá-lo nas urnas, Costa
quer simplesmente acabar com o único partido que demonstra porte e um mínimo de
disposição para se contrapor à corrente governista nas eleições.
OPERAÇÃO VAMPIRO —
Trata-se de mais um dos casos que vão se acumulando, em que os líderes do PT
querem se livrar das manchas de seu passado e, ao invés de se explicar,
preferem acusar seus opositores das práticas que lhes eram imputadas em suas
passagens anteriores pelo governo. Em 2005, quando ocupava o ministério da
Saúde, no primeiro governo Lula, Costa esteve no centro dos holofotes durante
da chamada operação Vampiro, que investigou desvio de mais de R$ 2,3 bilhões,
em valores da época, na compra irregular de hemoderivados.
Absolvido por falta de provas
após um inquérito que, abafado por outros escândalos da época, não foi
acompanhado com muito interesse pela imprensa nem pela opinião pública, Costa
deveria ser o primeiro a evitar de lançar contra seus adversários acusações
que, no final das contas, não têm força para se sustentar. Mas, não. No jogo
político brasileiro, em que as versões cada vez se mostram mais importantes do
que os fatos, criar constrangimentos para os adversários tem se mostrado mais
importante do que apurar a verdade.
Ainda é cedo para prever os
desdobramentos dos fatos da semana passada e saber se as acusações farão o PL
encolher ou se o partido se valerá da posição de vítima para aumentar seu
prestígio junto à sociedade. Afinal, todo mundo sabe que, para o eleitor, os
resultados de um governo não são medidos pela conduta de seus adversários, mas
pela capacidade que ele mesmo tem de resolver os problemas da população.
Se Lula e seu governo não
conseguirem pôr a economia para andar, gerar empregos, aumentar a renda e criar
um ambiente institucional que favoreça o desenvolvimento econômico e social, de
nada adiantarão os movimentos do senador Costa e de outros criadores de
factoides políticos na tentativa de manter a oposição contra a parede. Que, no
final das contas, não passarão de tiros que sairão pela culatra e atingirão o
alvo contrário ao que se mirava.
Na semana passada, houve quem
comentasse que uma eventual prisão de Jair Bolsonaro geraria um quadro de
comoção superior à prisão de Lula, em 2018. E que, ao invés de inibir a
oposição, seria o passaporte para abrir as portas do Palácio para a mulher do ex-presidente,
Michelle — o que seria uma aventura eleitoral — ou o governador de São Paulo,
Tarcísio de Freitas. Seja como for, o jogo está rolando e, pelo menos por
enquanto, Bolsonaro joga com as pedras pretas, esperando que seus adversários,
com as brancas, tomem a iniciativa do jogo.
Título e Texto: Nuno
Vasconcellos, nvasconcellos@igcorp.com.br,
O
Dia, 11-2-2024, 0h
Alguém sabe?
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