domingo, 18 de fevereiro de 2024

[As danações de Carina] Redoma de vidro

Carina Bratt

EU LI E RELÍ a ‘REDOMA DE VIDRO’, acredito, umas três vezes. E concluí essas leituras, como uma delicada e melancólica observação que, sem dúvida alguma, envolveu tragicamente a vida da protagonista em sua vivência no correr do dia a dia. Falo da escritora e poetisa Sylvia Plath. Com maestria, ela nos conduziu por uma narrativa angustiante, onde o horror silencioso se escondeu sob a aparência da normalidade. A personagem base do texto, a jovem Esther Greenwood, uma universitária perdida em plena Nova York, parecia ter tudo: festas, roupas elegantes, amigas e amigos, namorados os mais variados e também uma bolsa para os trilhos da universidade. No entanto, por trás dessa fachada podre e ‘glamourosa,’ a ‘redoma de vidro’ da beldade se fechou ao seu redor. A depressão se instalou em seguida, como uma maré insidiosa e a consumiu lentamente. Entre conversas vazias e maquiagens, Esther afundou titanicamente em seu próprio inaudito:

Vejam só do que esse país é capaz -, ela reflete com seus botões -, Uma garota vive em uma cidade no meio do nada por dezenove anos, tão pobre que mal pode comprar uma revista, e então recebe uma bolsa para a universidade e ganha um prêmio aqui e outro ali e acaba em Nova York, conduzindo a cidade como se fosse seu próprio carro. (…) eu não estava conduzindo nada, nem a mim mesma.’’


O romance, narrado em primeira pessoa, nos leva diretamente a perceber que a Esther, mesmo diante das conquistas, não estava preparada para o que a vida lhe oferecia. O luxo, a soberba, a gala, a opulência, as festas e os prêmios não lhe preenchiam o vazio, ou melhor dito, não alinharam o seu ‘eu oco interior para aquilo que ela esperava.’ Na leitura da ‘Redoma de vidro,’ percebi que o que chamamos e conhecemos (conhecemos?!) por cotidiano, é algo invisível para os outros. Num mesmo espocar de fogos de artifício, o simples, se fez sufocante para ela. Logicamente, faria para todas nós, se olharmos por uma visão mais aprofundada. A rotina, aparentemente inofensiva, se tornou num fardo pesado e insuportável. O livro, na verdade é um grito. Iria mais longe. 

A narrativa escancara a voz observando não somente como um berro, porém, como um chamar por um amparo desesperado. Um alarido de socorro, um retrato vivo e sem retoques da DEPRESSÃO. Através da escrita de Sylvia Plath, senti ou englobando o assunto -, mais que tudo -, somos lembradas de que a vida nem sempre é o que nos parece. O silêncio pode ser mais ensurdecedor do que qualquer brado. Por esse foco, através das palavras de Esther Greenwood, somos convidadas a olhar com acuidade para dentro de nós mesmas. Não somente a olhar, a compreender a ‘fragilidade débil e franzina da mente’ e a importância de se ‘buscar urgentemente ajuda quando o aterrorizante inevitável e traiçoeiro do ‘diurnodiário’ nos tira o ar e nos deixa à beira de um precipício,”

A ‘Redoma de vidro’ nada mais é que um sinal de alerta para que não ignoremos os sinais. Mesmo norte, uma prova contundente de que a literatura, como um todo, pode ser um farol de esperança (e é), em meio ao agitado mar proceloso que está bem ali à nossa frente. Essa agitação descomedida, não outra coisa senão a ESCURIDÃO.

Minhas amigas da ‘Grande Família Cão que Fuma’, percebam. A vida no seu ‘todo dia, na sua toda hora, no impassível do minuto a minuto.’ não se resume só no trivial.  Entendam que o habitual, com suas festas e luxos, encontros sem eira nem beira, mata aos poucos. Nos leva para o buraco sem fundo, nos translada para uma sufocação lenta, contudo, gradativa e sem a esperança da volta triunfal. Esther se sentia assim: presa; tolhida; vencida; acuada; sem talvez. Acorrentada ao incapaz de fugir daquele mundo fantástico e ao mesmo tempo inconcebível que aos goles poucos a consumiu. O silêncio pétreo da sua dor ingente chegou a ser, em certa altura, meio que ensurdecedor. Nesse ponto nevrálgico, Sylvia Plath nos escoltou e nos capitaneou, sempre com sua linguagem simples e corriqueira para dentro dessa ‘arapuca,’ onde tudo é fiel, mas distorcido. O flagelo do martírio pela qual passou, se transformou numa espécie de ‘amiga falsa e silenciosa.’’

Ao nosso lado, se prestarmos mais atenção, nos depararemos com um punhado delas. As falsas amigas. A cada página (voltando ao texto), sentimos o peso dessa masmorra invisível onde a Esther se enfiou sem pestanejar. A ‘Redoma de vidro,’ em resumo, nada mais é que um lembrete de tudo aquilo que desconhecemos, de tudo o normal (anormal) que se esconde como uma sombra negra pelas costas  das aparências. Existem pelejas, lutas internas, percalços e tropeços que muitas vezes nos passam despercebidas. Seja pela correria do anfêmero que nos desfoca do prumo, seja pela inocência que todas nós trazemos de berço. 

Numa terceira hipótese, pela euforia doentia de querermos com ansiedade e acima do nosso limite e força, uma coisa boba e besta que parece nos direcionar para um horizonte esplendoroso, quando na verdade, o fulgor dessa conquista nos mete, de cabeça, corpo e alma para o interior de um buraco  ‘afogoso,’ ou seja -, o da fístula sem volta. Por tudo o que disse acima, minhas caras leitoras, que eu possa, ou melhor que possamos olhar com empatia para todas aquelas pessoinhas ao nosso entorno, lembrando, nossas supostas amigas que vivem sob as suas próprias campânulas particulares, lutando se emborrascando se sublevando contra a repulsa, à execração, o assombro inquietante do qual conhecemos somente por uma visão tacanha, ou seja, esse nosso querido velho e indigesto amigo inseparável, o C O T I D I A N O.

NOTA DE RODAPÉ: Sylvia Plath, nasceu em 27 de outubro de 1932 em Jamaica Plain, Boston, Massachusetts, EUA e veio a óbito, por suicídio, em 11 de fevereiro de 1963, aos 30 anos, em Primorose Hill, Londres, Reino Unido. Deixou os filhos Frieda Hughes e Nicholas Hughes. Nicholas em 16 de maio de 2009 como a mãe, também pôs fim a vida, pelos caminhos do suicídio.  Para a construção do presente texto, além da leitura do livro, ‘Redoma de vidro’ me concentrei em farta pesquisa disponível nas redes sociais que merecidamente citaram e engrandeceram a autora.

Título e Texto: Carina Bratt, de Vila Velha, no Espírito Santo, 18-2-2024

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