Luís Naves
Começa a ser demasiado
evidente que a guerra da Ucrânia está perdida, mas os comentadores, com raras
exceções, continuam a iludir a realidade. Na frente de combate, o lado
ucraniano parece à beira do colapso, não há munições e as baixas acumulam-se. O
país ficou arruinado e a estratégia de não se permitir o fim do massacre revela
a mais pura hipocrisia.
A ideia da América era reduzir
as capacidades militares russas sem perder soldados americanos, mas assistimos
à destruição progressiva da Ucrânia, que fornece a carne para canhão. O
Ocidente queria gerir o fim do império russo, mas apenas reanimou o adversário.
Dizem agora que os russos invadem a Europa se a Ucrânia perder, mas oculta-se
que o lado europeu da NATO gasta seis vezes mais dinheiro em defesa do que a
Rússia. Se nem nos conseguimos defender com tal abundância, a verba serviu para
quê? Portugal é um dos entusiastas na defesa da Ucrânia, diz que vai até ao
fim, mas não consegue pagar o seu próprio compromisso na NATO de 2% do PIB em
defesa.
Esta guerra de dois anos matou talvez meio milhão de pessoas e provocou na Europa brutais aumentos no custo da energia e dos alimentos. A sabotagem dos gasodutos NordStream foi ignorada e o gás natural americano é comprado ao triplo do preço do gás russo. Os nossos dirigentes diziam que a Rússia ia colapsar sob o peso das sanções, mas as sanções saíram do bolso dos europeus. Bruxelas também permitiu a entrada livre de produtos agrícolas ucranianos mais baratos, que não cumpriam as regras da política agrícola comum, e os agricultores europeus entraram em revolta. Não deixa de ser curioso que a metade mais fértil das terras agrícolas ucranianas fosse comprada antes da guerra por multinacionais americanas (também sauditas e europeias) que querem escoar os seus produtos.
Os cemitérios ucranianos estão cheios, o país depende do exterior para pagar salários e pensões, tem um terço da economia destruída, as fábricas em ruínas, 60% dos trabalhadores mobilizados, 2 milhões de habitações danificadas, 10 milhões de deslocados, um quinto do território ocupado e milhões de refugiados que não tencionam regressar. A reconstrução vai custar 500 mil milhões de euros em dez anos (números da UE certamente otimistas). A equação é simples: a guerra está perdida.
Ao longo de dois anos, fomos enganados a ritmo diário. A Ucrânia vencia todas
as batalhas, mas na verdade sangrava. Houve oportunidades perdidas para
negociar a paz, mas deste lado só se falou em enviar mais armamento. Os russos
estavam isolados (não estavam) e tinham perdas calamitosas, mas na realidade a
Ucrânia não consegue mobilizar mais soldados e a desproporção em artilharia (a
arma mais letal) foi ao longo do conflito favorável à Rússia em cinco obuses
para um. Quem é que perdeu mais soldados?
Apenas 10% dos europeus
acreditam que a Ucrânia pode vencer, mas os meios de comunicação continuam a
transmitir a ideia de que a vitória está ao virar da esquina. A derrota da
Ucrânia será atribuída aos que não acreditam, por falta de fé e por serem admiradores
de Vladimir Putin. Não se explica que a maior parte do dinheiro que
supostamente vai salvar Kiev e que os republicanos do Congresso se recusam a
entregar serviria para pagar armas já fornecidas e repor stocks de munições nos
EUA. Este dinheiro nem sairá da América e consiste num enorme pacote de
financiamento da indústria de armamento.
Os que defendem a guerra usam analogias históricas, como por exemplo a invasão da Polónia em 1939. A Rússia usa uma analogia parecida, de agressão fascista, mas nenhum exemplo descreve a realidade. A Ucrânia estava em guerra civil antes da invasão e a Rússia é uma potência nuclear que se considera em crise existencial. O Kremlin, que foi enganado nos acordos de Minsk, jamais aceitaria a entrada da Ucrânia na NATO ou a perda da Crimeia. A Rússia foi subestimada e do lado ocidental houve a estranha ilusão de que fornecer armas a um beligerante não ia ter custos.
Com a degradação constante da situação na frente e o ocidente incapaz de
fornecer mais munições, a opinião pública precisa de abandonar depressa o
estado de incompreensão em que mergulhou. Os nossos líderes devem assumir os
erros e reconhecer que chegou a hora do cessar-fogo e de acabar com a
carnificina. A agonia da Ucrânia só pode parar por negociação ou capitulação e,
quanto mais tempo se perder, mais difícil será conseguir um bom acordo para os
ucranianos, que se arriscam a ficar sem país, a troco de nada.
imagem gerada por
inteligência artificial, DALL-E 2
Título e Texto: Luís Naves,
Delito de Opinião, 26-2-2024
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