terça-feira, 23 de janeiro de 2024

[Aparecido rasga o verbo] Nervosa agonia em surto contagiante

Aparecido Raimundo de Souza 

OS BANDIDOS CHEGARAM
de supetão e pegaram o casalzinho dentro do carro de surpresa. Os jovens estavam numa estrada deserta que findava num mirante nos arredores da cidade, de onde uma vista maravilhosa de toda a metrópole se descortinava aos pés deles. O mais forte dos dois meliantes, anunciou o ataque batendo na janela entreaberta do motorista enquanto o outro se deslocava para a porta do carona:
— Perdeu, minha princesa, perdeu. Quietinha. Mãos na cabeça.
O casalzinho, no maior agarramento, tomou um susto tremendo:
— Calma aí meus amigos. Podem levar tudo. Aqui está a chave do carro. Minha carteira tem grana. Pode olhar. Só nos deixa ficar em paz. Calma. Liberem a minha namorada... ela é menor...

— Cala a boca, playboy covarde. Não vamos liberar coisa nenhuma. Pula pra fora da charanga e tira o tênis, a camisa, a calça, a cueca, o relógio e esse belo cordão de ouro...
— Amigo, que é isso?
— Um assalto diferente, seu trouxa imbecil. Obedeça e não discuta. Tira tudo como mandei. Vamos. Tudo...
— Ok.
— Rápido.
— Calma, meu amigo. Não faça nada com a gente. Por favor, eu fico, deixem a minha namorada ir embora.
— Fecha essa matraca, mané. Ir embora como, idiota? Está vendo algum anjo da guarda salvador dos oprimidos por aqui?

— Pronto, amigo, tirei tudo.
— Legal. Agora, “pro banco” de trás. Devagar sem fazer gracinhas ou leva “uns caroço de azeitonas” no meio da lata.
Pelado e acomodado à primeira vítima, o malfeitor se voltou para concentrar a sua fúria na bela e estonteante companheira:
— Agora é a sua vez, gracinha. Saia do carro e se livre do vestido.
Enquanto dava a ordem, gritou para o outro comparsa:
— Vigia o galã. Senta ali do lado dele. Vamos, piranha, o vestido.
— Vai me deixar pelada?
— Fui claro, quanto a isso. Tira logo essa droga, infeliz...
— Não precisa fazer isso, meu amigo. Estamos colaborando...
Sem saída a jovem obedeceu.

Ambos os sujeitos nessa hora, arregalaram os olhos ao verem as partes pecaminosas da formosa expostas à visitação de suas bestialidades mais peçonhentas:
— Ei, sirigaita. Cadê a calcinha?
— Ficou dentro do carro.
— Ache ela. Quero a calcinha...
— Para quê?
— Sem perguntas, sua vadia. Não faça perguntas.
De novo, a jovem acatou. Que poderia fazer diante de uma arma engatilhada apontada para o meio da sua testa?
— Muito bem. Agora “pro banco traseiro” com seu amorzinho. Rápido. Não tenho todo o tempo do mundo. Vai, vai...

A moça se acomodou, ficando entre o namorado e o segundo vilão:
— Para onde pretende nos levar, amigo? Vamos conversar... olha eu posso...
— Quem faz as perguntas aqui sou eu. Quem pode ou não pode aqui, sou eu. Nem um pio. Ou morre. Quer ver papai do céu mais cedo?
O que abordou o casal batendo na janela do motorista, assumiu o comando do volante. Nesse interregno, enquanto o carro se movimentava ligeiro, o outro celerado após ter amarrado o namorado, começou a assediar bolinando literalmente a lindeza escultural que viajava trêmula ao alcance de suas maldades:
— Nossa, que boca perfeita, que seios lindos... que pernas maravilhosas. Aí, fofura. Vou pegar você... vou te traçar...

A garota se debateu, tentando fugir das investidas. Em vão.
O namorado, chorando e pensando no pior, se manifestou, como se fosse um cão feroz:
— Pelo amor de Deus, cara. Pare com isso... eu imploro...
— Eu dou as ordens, fedelho. Fecha essa matraca imunda. Gatinha, reganha as pernas. Quero ver a sua gruta do amor... e toda a formosura ao entorno dela.
O namorado num ato impensado partiu em defesa agredindo o contraventor.
Porém, essa má ideia, foi seu erro. Acabou tomando fortes socos no meio do rosto e também na barriga. Por milagre, não desmaiou. Seu rosto se transformou numa bola de sangue. Se faziam visíveis as fraturas expostas, os olhos fechados e muito sangue:

— Quer morrer, desgraçado? Veja o que vou fazer com a sua amada.
Virando inopinadamente para a garota, trêmula e chorosa, ordenou:
— De quatro. Quero ver o tamanho da sua cuíca...
— Moço, pelo amor de Deus. O que vocês pretendem com a gente?
— Cala a boca, sua vagabunda vadia. Se começar a latir vou lhe dar, além das estocadas, “umas cacetada” nessa carinha de anjo. Olhe para seu queridinho aqui do meu lado. Viu como deixei o “fucinho” dele?
O carro em alta velocidade cruzou toda a cidade e seguiu em direção a estrada que terminava na grande ponte que cruzava o canal.

Os desalmados, na verdade, estavam saindo de uma localidade e indo em direção à outra. Quilômetros à frente, tomaram a via expressa e desembocaram na extensa ponte. Abaixo dela, um mar revolto, escuro e imenso como a noite calma e sem estrelas. Entrementes, o carro estancou. Freou na parte mais alta da estrutura. Pouco movimento àquela hora. O que comandava o volante, encostou, desceu, deu a volta e abriu a porta traseira. Puxou a moça pelos braços, numa violência desnecessária:
— Venha...
— O que vai fazer?
O segundo capanga fez o mesmo com o rapaz:
— Fora, seu cu sujo. Olha o que me aprontou. Cagou nas pernas e ainda sujou toda a minha calça de bosta. Filho de uma meretriz.

Olhou para a garota:
— Eu deveria fazer você, sua putinha, “engolir o excremento do seu namorado.” Sabia que ele não passa de um panaca e frouxo...
Os facínoras arrastaram o casal para perto da amurada:
— Suba, gostosa. Adorei fazer anal com você. Foi meio que às pressas. Estava numa seca fazia um tempão. Mas valeu.
— Moço, me escuta. Tenho medo de altura.
— Suba, doçura. Deixa de ser fresca. Seja homem igual a sua mãe.
Completamente manietada a infeliz se subjugou. Se acomodou no parapeito tentando não olhar para baixo. O outro salteador sinalizou procedimento idêntico ao rapaz:

— Muito bem, seu frescalhão. Fique ao lado da sua maça recém despedaçada. Não se mexam. Qualquer movimento será fatal. Dê uma olhava básica em volta. Repararam na altura? Pena que não se consiga ver nada. A vista é linda, não acham? Estão sentindo um friozinho na barriga?
O casal como veio ao mundo, se achava em pé, sobre o minúsculo agasalho traiçoeiro. Qualquer descuido poderia selar seus destinos de forma fatal, o que levaria, sem dúvida alguma, os dois para os braços tétricos da morte. Carros e mais carros, de repente, em ambos os sentidos, começam a parar. O furdunço num piscar de olhos atravancou o trânsito em ambos os lados da pista.

Pessoas saiam para ver o que acontecia. Uns com câmeras fotográficas, outros com celulares. O caos se formou. Em questão de segundos, toda a estrutura homérica das vias, tanto no sentido de quem ia ou vinha, se transformou num congestionado infernal em paralela ambidestria que compunha os trinta e cinco quilômetros de todo o sistema. Sem perca de tempo, e em meio ao foco da balbúrdia que se generalizou, os fora-da-lei sinalizaram aos infelizes obrigando os a se despencarem projetados num salto para o desconhecido sem volta:
— Pula aí sua sem vergonha. Você também, cagão. Mergulhem ou “levarão uma saraivada de chumbo nesses traseiros. ”
A moça, em prantos, clamava desesperada:
— Moço, pelo amor de Deus, nós vamos morrer. Deixa a gente ir embora. Por favor...

Os endrôminas, rindo de forma espalhafatosa, e a uma só voz:
— Saltem agora, os dois, ou levarão chumbo. Vou contar até cinco. Um... dois... três... quatro...
Os enamorados, sem saída, sem ter para onde correrem, completamente acuados, se benzeram, se abraçaram, se deram as mãos e então, se precipitaram no desproporcionado espaço. Sirenes de carros da polícia abriam caminho em meio à fuzarca. Juntos, bombeiros e ambulâncias. Helicópteros da polícia civil, da força militar, do salvamento e outras aeronaves com repórteres dos canais de televisão, brotaram do nada, engrossando à enxurrada. Em ambos os espaços das vias, transeuntes e curiosos, todos, irmanados em um só coro em uníssono, esturravam, esbravejavam, fremiam, por uma aproximação emergencial.

O que as multidões boquiabertas assistiam, não tinha como ser descrito. “Os trapaceiros fizeram os jovens pularem — vociferou um.” “Filma, filma, filma isso – estardalhaçou outro jornalista. É o fim do mundo.” Nessa hora, contudo, o imprevisto, o inesperado. O inopinado, o brusco incogitado. Os dois manatas subiram, igualmente para a borda de proteção completamente pelados. Antes disso, o que pediu a calcinha, se colocou dentro dela. Na sequência, atiraram as vestes ao mar bravio corrente no sem fim lá embaixo. Em seguida se beijaram numa troca de línguas, enquanto acariciaram as partes íntimas um do outro. Por fim, se deram as mãos e, como as duas vidas inocentes que sacrificaram, se arremessaram, numa dança dantesca e macabra, no vórtice do precipício em direção ao nada.

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha, no Espírito Santo, 23-1-2024

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